O homem de um milhão de mudas

José Aparecido, um paulista com o dedo verde e alma de pantaneiro. Foto João Paulo Guimarães

A incrível história de José Aparecido, um paulista que se diz pantaneiro de coração e que vem regenerando áreas degradadas por incêndios florestais no Mato Grosso

Por João Paulo Guimarães | ODS 15 • Publicada em 2 de abril de 2024 - 09:07 • Atualizada em 14 de abril de 2024 - 21:36

José Aparecido, um paulista com o dedo verde e alma de pantaneiro. Foto João Paulo Guimarães

Um paulista de 73 anos que se considera pantaneiro por experiência de vida, mora em Cáceres, no Mato Grosso, e está ajudando a regenerar áreas degradadas por incêndios florestais, assoreamento dos rios e voçorocas. José Aparecido, é conhecido como o homem que plantou um milhão de mudas em mais de 120 nascentes da região. Biólogo de formação, ele trabalha há 31 anos com restauração de nascentes, começou a atuar em questões ambientais nos anos 90. Iniciou suas atividades de restauração na Reserva do Cabaçal, trabalhando com a área degradada devido ao desmatamento e atingida por um processo erosivo que começou nos anos 80.

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Os amigos e conhecidos dizem que Aparecido tem o dedo mágico, que é capaz de transformar a natureza ao seu redor e curar o meio ambiente. Esse talento natural e o trabalho que desempenha junto ao Instituto Gaia o levaram ao ProfÁgua, um mestrado stricto sensu na Unemat (Universidade do Estado do Mato Grosso), que tem convênio com a ANA (Agência Nacional de Águas): “Tem gente que acha que é muita muda, mas não é muito não. Por exemplo, em uma nascente a gente planta muita muda. Em três anos plantei em 32 nascentes e 22 voçorocas lá em Araputanga”, explica Aparecido, que agora está na expectativa de ser contemplado pela universidade com o título de Doutor Honoris Causa.

Quando perguntado sobre os principais problemas do Pantanal, ele garante que os piores de todos são as queimadas. Problema que vem enfrentando há anos em um trabalho conjunto e voluntário com o Instituto Gaia e com pescadores da região. Eles usam a ciência da agrofloresta e nos saberes tradicionais como base para a regeneração das áreas afetadas pelo fogo, problema recorrente no Mato Grosso, de natureza humana ou natural e que impacta o estado de forma alarmante mesmo fora da temporada.

A professora Solange Ikeda e o seu aluno Aparecido: "Ele é tão boa pessoa que me deixou ser sua orientadora no mestrado". Foto João Paulo Guimarães
A professora Solange Ikeda e o seu aluno Aparecido: “Ele é tão boa pessoa que me deixou ser sua orientadora no mestrado”. Foto João Paulo Guimarães

Os incêndios têm causado perdas ambientais significativas e colocam em risco áreas de reserva como a Taiamã. Vastas áreas de vegetação e diversos ecossistemas têm sido destruídas, por isso a recuperação é um processo que pode levar anos ou décadas, dependendo do equilíbrio e das condições climáticas. No ano de 2020, o Pantanal enfrentou uma das maiores secas de sua história assim como as maiores ondas de queimadas criminosas já registradas. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), foram detectados mais de 22.000 focos de incêndio entre janeiro e setembro, resultando em uma perda estimada de cerca de 33.000 quilômetros quadrados de vegetação.

Apesar dos mecanismos de regeneração da natureza, é importante promover esforços de restauração e conservação por meio de projetos ambientais e ações coordenadas como o trabalho que José Aparecido e o Instituto Gaia vêm desenvolvendo em regiões das nascentes do Rio Paraguai, da Reserva de Taiamã, Ilha de Sararé e na região do Piraputanga.

José Aparecido desenvolveu seu primeiro trabalho de restauração de nascente às margens do Rio Cabaçal, que se encontra no município com o mesmo nome e quase que completamente desprovido de mata ciliar. Foram mais de 1400 metros de um lado ao outro no rio. Logo após esse trabalho, o homem de um milhão de mudas não parou. Plantou nas nascentes do 7 de setembro, Córrego Queixada, Córrego Guanabara, Córrego do Sem Nome, na comunidade do Alto Cabaçal, Córrego do Piraputanga, em Quatro Marcos, Mirassol d’ Oeste, Glória d’ Oeste, em Curvelândia, Lambari d’ Oeste, Rio Branco, nascentes em afluentes do Rio Jauru, assentamento Rancho da Saudade e até mesmo na fronteira da Bolívia.

“Nós fizemos a repovoação das margens do rio Cabaçal. E de lá para cá, não parei mais. Faz 31 anos que a gente começou. Depois eu fui trabalhar onde fizemos mais 84 nascentes que no total dão mais de 120”.

A maioria das nascentes onde Sr. José Aparecido trabalhou, está hoje em um processo bastante avançado de restauração e regeneração da vegetação nativa. Ele conta que conheceu nos anos 2000 a professora Solange Ikeda Castrillon, que atualmente é professora do Curso de Ciências Biológicas, credenciada no Programa de Pós Graduação em Ciências Ambientais da Unemat e no Mestrado Profissional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos.

A exuberante beleza do Pantanal, agora mais protegida pela trabalho de José Aparecido. Foto João Paulo Guimarães

Solange também é parte vital para o funcionamento do Instituto Gaia de Pesquisa e Educação Ambiental do Pantanal. Organização Não Governamental com sede no município de Cáceres, e que é formada por profissionais de várias áreas com o propósito de  proteger o meio ambiente e resolver questões relativas à recuperação, conservação e manutenção dos ecossistemas do Pantanal, Cerrado e Amazônia.

Solange conheceu o trabalho de José Aparecido enquanto desenvolvia estudos de fitossociologia às margens do Rio Cabaçal. Seu José ajudou a acadêmica com os estudos e coleta de amostras de arbóreas, e dali em diante não perderam contato nunca mais: “Seu José é mágico. Tudo que ele toca fica verde. Ele é tão boa pessoa que me deixou ser sua orientadora no mestrado. Comparada com ele eu não sei nada”.

Foi a professora que incentivou o homem de quase setenta anos e apenas com o segundo grau, a estudar para cursar ciências biológicas pela Unemat. Seu José terminou o curso, fez mais duas pós-graduações, e hoje está concluindo o mestrado, também com o apoio da professora, orientadora, parceira de campo e amiga.

“Eu acho muito importante o trabalho do Gaia porque quando eu estava começando a restauração das nascentes, aprendi fazendo, porque não tinha nem faculdade. E aí eu percebi que o Gaia trabalhava diferente, que esses professores, eles trabalhavam diferente do que o pessoal da educação ambiental porque eles levam o aluno da universidade para o campo onde eles vão ajudar a coletar semente, vão ajudar a produzir muda e vão ajudar a plantar. Desse jeito eles pegam mais amor e começam a sentir como fazer parte daquele processo.

João Paulo Guimarães

João Paulo Guimarães, paraense de 43 anos, é foto documentarista e
foto jornalista freelancer para as agências AFP e Pública e para os sites Jornalistas Livres, Metrópoles e Projeto Colabora.

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