Os casos de acidentes e mortes por choques elétricos de bugios-ruivos têm preocupado ambientalistas no Rio Grande do Sul. O animal, nativo da Mata Atlântica e ameaçado de extinção, é encontrado em várias partes do estado, mas o avanço da urbanização em Porto Alegre e outras cidades da Região Metropolitana da capital como Viamão e Guaíba tem deixado os animais expostos a mais riscos, como as redes de energia elétrica. Pelo menos 43 bugios-ruivos morreram eletrocutados apenas em Porto Alegre e Viamão desde 2018.
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Em Guaíba, a bióloga Lisiane Becker, funcionária da prefeitura, é a responsável por orientar, resgatar, e destinar técnica e legalmente os animais silvestres encontrados na cidade. Há cerca de 20 anos, ela acompanha os bugios que vivem nos fragmentos de Mata Atlântica no município e relata que tem se deparado com muitos casos de choques e eletrocussão nas linhas de distribuição de energia elétrica. A bióloga destaca o período das enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul como trágico para acidentes com bugios, porque os animais procuravam os transformadores para se aquecer e acabavam mortos.
Lisiane criou uma rede informal de contatos com moradores de pontos da cidade onde tem maior presença do bugio-ruivo que avisam quando veem algum animal ferido, morto ou qualquer movimentação atípica. “Meu telefone virou público. Eles me avisam de ocorrências não só com bugios, mas também outros animais silvestres”, conta a ambientalista, que também preside a ONG Mira-Serra, com foco na conservação da biodiversidade na Mata Atlântica. A bióloga explica que muitos macacos desta espécie acabam fugindo para o interior da mata, o que dificulta a localização e atendimento. Por isso, mesmo com o apoio da comunidade, o número de feridos e mortos é subestimado.
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Veja o que já enviamosQuando conseguem ser localizados, ainda existe a necessidade de resgate, atendimento especializado e, para os que sobrevivem, soltura em habitat seguro. Isso demanda profissionais treinados e locais adequados para receber os animais silvestres. Atualmente, existem cinco centros de atendimento emergencial, três centros de reabilitação e dois centros de recepção e triagem autorizados pela Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul para atender a demanda de todo o Estado.
Bugios-ruivos (Alouatta guariba) são primatas nativos da Mata Atlântica, encontrados da Bahia ao Rio Grande do Sul – e também na Argentina, na região das Missões. Eles se alimentam de folhas e, ocasionalmente, de frutas. Em meados da década passada, o número de bugios-ruivos começou a despencar, devido, principalmente, a uma epidemia de febre amarela entre os animais – o desmatamento e a fragmentação são outras ameaças aos bugios. A espécie está agora entre os 25 primatas mais ameaçados do planeta.
Responsabilização das empresas de energia elétrica
Segundo Lisiane, as empresas concessionárias de energia elétrica não possuem protocolos de cooperação e atendimento adequado para os casos de animais machucados ou mortos pelo contato com a rede elétrica. Todo esse cenário fez com que ela levasse a questão, como representante da sociedade civil, até o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema-RS). A minuta de nova Resolução Consema, apresentada pela bióloga, trata da proteção e da mitigação de acidentes entre mamíferos de hábitos arborícolas e o sistema de distribuição de energia elétrica.
Aprovada, a proposta foi encaminhada para discussão na câmara técnica de Planejamento Ambiental. O resultado vai criar diretrizes e regulamentar a atuação das empresas de energia elétrica do Estado, como a CEEE Equatorial e a Rio Grande Energia (RGE). “Esse é um problema estadual, não só da Região Metropolitana de Porto Alegre. E também não é só dos bugios. Outros animais, como gambá e ouriço-cacheiro, também sofrem com os choques”, afirma Lisiane. Ela acredita que até o final de 2024 a resolução possa estar pronta e aprovada pelo Consema.
Em paralelo, os casos de eletrocussão de bugio-ruivo na zona Sul de Porto Alegre e na cidade de Viamão chegaram ao Ministério Público do Rio Grande do Sul. Em março de 2024, a pedido do MPRS, a Justiça determinou que a CEEE Equatorial apresentasse um Plano de Ação Preventiva de Acidentes de Bugios por Eletrocussão. O objetivo é garantir a manutenção periódica do isolamento de fios e prevenção de acidentes com esses animais. A empresa também deve contratar serviço médico-veterinário capacitado para tratamento de lesões causadas aos bugios e efetuar a poda do local em que houver acidente envolvendo esses animais para evitar novos danos à fauna.
De acordo com o Programa Macacos Urbanos (PMU), entre 2018 e setembro de 2024 foram 76 casos de choques elétricos em bugios em Porto Alegre e Viamão; destes, 43 acabaram morrendo. O PMU reúne voluntários interessados na preservação do bugio-ruivo como a veterinária Itatiele Vivian: ela conta que, desde 2021, aumentaram os casos de choques elétricos em primatas na região da Reserva Biológica do Lami, no extremo sul de Porto Alegre, e do Parque Estadual de Itapuã, uma Unidade de Conservação de Proteção Integral em Viamão.
Durante o carnaval 2024, um bugio-ruivo foi eletrocutado e a CEEE Equatorial levou cinco dias para retirar o animal dos fios. Esse teria sido o caso que mobilizou o MPRS a acionar a Justiça. Segundo a Itatiele, as tratativas têm avançado aos poucos com a empresa de energia elétrica. “Eles ainda têm dificuldade de assumir as responsabilidades. Precisamos isolar os fios de baixa tensão e os conectores que ficam nos postes”, explica.
O que dizem as concessionárias
A CEEE Grupo Equatorial atua em 72 municípios gaúchos, entre eles Guaíba, Porto Alegre e Viamão, que aparecem nesta reportagem. Em nota, a assessoria afirma que mantém ações contínuas no entorno das reservas do Lami e de Itapuã. “Em 2024, foi realizada a substituição de 4,5 km de cabos da rede nua para fios de rede multiplexados. Este tipo de cabo possui melhor condição de isolamento que reduz significativamente o risco de choque elétrico na rede de baixa tensão. Também foram realizadas, desde maio deste ano, mais de 800 podas na região. Até o final do ano a previsão é de que sejam feitas um total de aproximadamente 1.200 podas no local. Além disso, o tratamento dos animais envolvidos em acidentes está sendo custeado pela distribuidora”, diz o texto.
A empresa aponta a crescente urbanização do local e a falta do manejo vegetal nos ambientes urbanos como as causas que podem estar interferindo diretamente na condição de vida e no comportamento dos animais. A nota também explica que atualmente, uma mediação está sendo conduzida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul – da qual participam Secretaria Estadual do Meio Ambiente, Programa Macacos Urbanos, CEEE Grupo Equatorial e Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre – onde está sendo debatido o plano de prevenção envolvendo todos os agentes públicos e privados.
Já a Rio Grande Energia (RGE), concessionária responsável pela distribuição de energia elétrica em 381 municípios gaúchos, informa que faz monitoramento com profissional habilitado em toda a sua área de concessão e afirma que não possui ocorrências de acidentes com essa espécie em sua área de concessão nos últimos anos. A RGE destaca, ainda, que realiza ações preventivas, como o manejo adequado da vegetação próxima à rede elétrica, para evitar acidentes com a fauna e a população.
Olha o Macaco!
Além dos choques elétricos, atropelamentos, ataques de cães e febre amarela são outros fatores que ameaçam a vida do bugio-ruivo. Por isso, acompanhar o desenvolvimento de grupos dessa espécie é importante para evitar a extinção. A Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul não soube informar uma estimativa populacional desses primatas no estado. Já o Programa Macacos Urbanos calcula que na Zona Sul de Porto Alegre, entre o Morro São Pedro e o Morro da Extrema, existam cerca de 1.100 indivíduos. No Parque Estadual de Itapuã, em Viamão, existem aproximadamente 600 bugios.
O Programa Macacos Urbanos iniciou os trabalhos em 1993, com estudantes e professores da área de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente são seis pessoas que participam ativamente do grupo, realizando trabalho de educação ambiental, instalação de pontes para travessia de macacos e outras ações para proteger os primatas. Em 2024, eles lançaram o projeto Olha o Macaco!, uma iniciativa que estimula a população a registrar o avistamento de cinco espécies de macacos existentes no Rio Grande do Sul. A ideia é aumentar o monitoramento dos macacos no Estado e as ocorrências de acidentes. O aplicativo web – desenvolvido por Danielle Backes Baccon, em parceria com a empresa Olkin – tem a descrição de cada espécie e um formulário para preencher com as informações do avistamento.
Desde agosto, já foram feitos 56 registros de avistamentos de bugio-ruivo e macaco-prego-preto em cidades como Porto Alegre, Morro Reuter, Ivoti, Linha Nova e no Parque Estadual do Turvo, em Derrubadas. Todos os registros são analisados antes de entrar no banco de dados do PMU, que pode ser compartilhado com instituições e órgãos ambientais. Em casos de acidente, o usuário é alertado a entrar na aba de contatos de emergências e avisar o mais rápido possível o órgão de resgate de fauna da região.