Monitoramento de sobra, ação de menos

Especialistas mostram que, enquanto Amazônia é desmatada, governo prefere contratar empresa para monitorar floresta a agir com informações do Inpe

Por Oscar Valporto | ODS 15 • Publicada em 5 de setembro de 2019 - 12:09 • Atualizada em 29 de setembro de 2022 - 12:26

Monitoramento por satélite da Amazônia na sede do Inpe: sistema elogiado por especialistas enquanto governo prepara-se para contratar empresa privada para o mesmo serviço (Foto: Nelson Almeida/AFP)
Monitoramento por satélite da Amazônia na sede do Inpe: sistema elogiado por especialistas enquanto governo prepara-se para contratar empresa privada para o mesmo serviço (Foto: Nelson Almeida/AFP)
Monitoramento por satélite da Amazônia na sede do Inpe: sistema elogiado por especialistas enquanto governo prepara-se para contratar empresa privada para o mesmo serviço (Foto: Nelson Almeida/AFP)

Duas semanas depois de o governo Bolsonaro lançar edital para contratar uma empresa privada para monitorar Amazônia por satélite, a Academia Brasileira de Ciências promoveu o seminário Sistemas de Monitoramento de Cobertura e Usos da Terra, com especialistas no tema que discutiram os  sistemas de monitoramento existentes, seus usos, aplicações e métodos de validação, mostrando que os dados produzidos pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) já garantem um efetivo monitoramento da Amazônia. “De 25 de abril a 30 de julho, o sistema Deter, do Inpe, emitiu mais de mil alertas de desmatamento na Floresta Nacional do Jamanxim. E o Ibama não esteve lá uma única vez. Não é por falta de dados que não há fiscalização”, afirmou o climatologista Carlos Nobre, um dos coordenadores do seminário.

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O objetivo do edital lançado pelo governo é que a empresa apresente alertas diários, de indícios de desmatamento – monitoramento com alertas semelhante ao que já é feito pelo sistema Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real) – com alta resolução espacial. “A qualidade dos dados dos alertas do Deter é suficiente para orientar ações de fiscalização”, afirmou o pesquisador Carlos Souza, especialista em análise espacial e monitoramento de desmatamento e degradação florestal do Imazon, instituto focado no desenvolvimento sustentável na Amazônia, que opera o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD). O sistema da ONG usa satélites diferentes e metodologia distinta do Inpe, mas aponta para as mesmas tendências.

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Esse aumento das queimadas tem relação com o desmatamento. Os dados dos satélites mostram que as áreas atingidas pelo fogo são principalmente as propriedades privadas e as áreas públicas. É especulação fundiária feita à base de queimadas, grilagem de terra, bandidagem mesmo

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A contratação de um novo sistema foi anunciada após seguidos ataques ao Inpe do presidente Jair Bolsonaro, irritado com os dados sobre o avanço do desmatamento. Será um monitoramento a mais em um ano onde houve ação de menos dos órgãos ambientais do governo. “O trabalho do Inpe é incontestável. Nós tivemos mais de 32 mil focos de incêndio na Amazônia até meados de agosto. Os dados dos satélites nos permitem afirmar que esse avanço do desmatamento é resultado de queimadas e não de fenômenos climáticos”, destacou Ane Alencar, diretora do IPAM (Instituto de Pesquisas Ambiental da Amazônia).

Nobre, com o microfone, entre Matt Hansen, Marcos Rosa, do MapBiomas, Claudio Almeida, do Inpe, Ane Alencar, do IPA, e Carlos Souza , do Imazon: “mais de mil alertas de desmatamento na Floresta Nacional do Jamanxim. E o Ibama não esteve lá uma única vez. Não é por falta de dados que não há fiscalização” (Foto: Oscar Valporto)

O Deter também vem sendo usado, com sucesso, para as ações de fiscalização da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará. “Nós utilizamos as informações para verificar as áreas de maior atuação dos desmatadores e preparar as operações de repressão. Fizemos 56 operações desse tipo, com base nos dados produzidos pelo Inpe, e todas as 56 encontramos áreas sendo efetivamente desmatadas”, contou Andrea Coelho, diretora de Fiscalização da Sema. O governo do Pará usou durante um ano, por experiência e gratuitamente, as imagens produzidas pela empresa Planet, que são semelhantes às propostas no edital do governo federal. “Não havia razão para contratar um serviço que o Inpe já fornece sem custo”, explicou.

[g1_quote author_name=”Matt Hansen” author_description=”Pesquisador da Universidade de Maryland” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Eu diria que foi um bom sensacionalismo porque efetivamente o desmatamento na Amazônia está se agravando e a polêmica chamou a atenção internacional para um problema que já existia

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Convidado especial ao evento, o pesquisador Matt Hansen, coordenador do laboratório Glad (Global Land Analysis and Discovery), da Universidade de Maryland (EUA), disse que as informações produzidas pelo Prodes (sistema de monitoramento por satélites do desmatamento do Inpe que produz taxas anuais) do Inpe têm reconhecimento internacional e são usadas por todos os grupos de pesquisa – como o dele – que estudam florestas tropicais. “O Prodes é uma marca internacional, é usada para validar medições feitas por outros sistemas. É claro que nós somos cientistas, nós queremos sempre mais dados – o que não significa que já não existam dados suficientes para o monitoramento da Amazônia pelos sistemas que já funcionam”, argumentou Hansen.

O pesquisador Matt Hansen faz exposição com elogios ao Inpe: “O Prodes é uma marca internacional, é usada para validar medições feitas por outros sistemas” (Foto: Oscar Valporto)

Amazônia em chamas

Matt Hansen compartilhou a preocupação com os questionamentos sobre os dados do desmatamento e das queimadas. Pelas informações coletadas na Universidade de Maryland, com base nos sistemas do próprio Glad, do SAD  (Sistema de Alerta de Desmatamento) do Imazon, e do Deter, do Inpe, o desmatamento na Amazônia aumentou pelo menos 24% em 2019.  Para o pesquisador norte-americano, a própria negação deste aumento criou um alarme ainda maior. “Eu diria que foi um bom sensacionalismo porque efetivamente o desmatamento está se agravando e a polêmica chamou a atenção internacional para um problema que já existia”, disse Hansen.

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A reação de Ricardo Galvão serviu como um limite para as fake news, ao obscurantismo, à arrogância, à ignorância. Foi uma defesa da integridade da Ciência e da busca da verdade

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Ane Alencar, do IPAM, lembrou que o número de focos de calor registrados, em 2019, na Amazônia já é 60% mais alto do que o registrado nos três anos anteriores. “Esse aumento tem relação com o desmatamento. Os dados dos satélites mostram que as áreas atingidas pelo fogo são principalmente as propriedades privadas e as áreas públicas. É especulação fundiária feita à base de queimadas, grilagem de terra, bandidagem mesmo”, protestou a diretora do instituto. De acordo com estudo do IPAM, as propriedades privadas responderam por 33% dos focos de calor registrados na Amazônia em 2019; seguidas pelas áreas sem destinação fundiária específica, que somam 30% dos focos de calor – 20% apenas em florestas públicas não destinadas, um forte indicativo de grilagem de terras.

O climatologista Carlos Nobre reforçou que 2019 não é um ano particularmente seco – como foi 2016 quando o fenômeno El Niño produziu seca e aumento dos focos de incêndio. “Há mais umidade hoje do que nos últimos anos: o aumento das queimadas é por ação humana”, disse. Carlos Souza, do Imazon, lembra que os alertas de desmatamento na Amazônia produzidos pelo SAD, seu sistema de monitoramento, confirma um crescimento de 65% em julho em comparação com o mesmo mês do ano passado. “A tendência de alta não pode ser ignorada”, afirmou Souza.

Ricardo Galvão recebe homenagem do presidente da Academia Brasileira de Ciências: após ataque ao Inpe, ex-diretor disse que Bolsonaro teve atitude “pusilânime e covarde” (Foto: Oscar Valporto)

Durante o seminário, o físico Ricardo Galvão, diretor do Inpe demitido após rebater crítica de Bolsonaro, foi homenageado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), da qual faz parte. “A reação de Galvão serviu como um limite para as fake news, ao obscurantismo, à arrogância, à ignorância. Foi uma defesa da integridade da Ciência e da busca da verdade”, afirmou o presidente da ABC, Luiz Davidovich. Ricardo Galvão contou que a marcha do obscurantismo vem desde o início do governo quando qualquer tentativa de discutir temas com a comunidade científica era rechaçada porque a academia estaria dominada por esquerdistas. “É importante que haja eventos como esse em que se discuta com bases científicas e compromisso com a verdade”, disse o ex-diretor do Inpe.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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