Desmatamento ilegal: só 5% das condenações resultam no pagamento de indenizações

Pesquisa com base em mais de 3,5 mil ações na Amazônia mostrou alta nas punições, mas lentidão na quitação das multas estabelecidas pela Justiça

Por #Colabora | ODS 15 • Publicada em 31 de janeiro de 2025 - 10:22 • Atualizada em 31 de janeiro de 2025 - 12:49

Área devastada próximo à Floresta Nacional do Jacunda ,em Rondonia. no oeste da Amazônia, onde o desmatamento avança descontroladamente: apenas 5% das multas por desmatamento são pagas, aponta estudo do Imazon (Foto: Bruno Kelly / Amazônia Real – 07/08/2020)

Estudo do Imazon, com análise de mais de 3,5 mil ações do Ministério Público Federal (MPF) na Amazônia mostrou que as condenações aumentaram por desmatamento ilegal, mas que apenas 5% delas resultaram em indenizações pagas. Além disso, não há garantia de que as multas quitadas sejam aplicadas no bioma. A pesquisa acompanhou o resultado de ações civis públicas (ACPs) movidas pelo MPF entre 2017 e 2020, nas primeiras três fases do Programa Amazônia Protege.

Leu essa? Erika Berenguer: Amazônia está tão seca que ‘qualquer uso do fogo consegue escapar e sair queimando tudo’

As ações analisadas pedem a responsabilização por desmatamento ilegal do bioma na esfera cível, onde é possível cobrar indenizações por danos materiais e morais e ainda determinar a recuperação da floresta. Essa é uma das três formas de responsabilização por dano ambiental previstas na legislação brasileira, além das esferas administrativa e criminal. Atualmente, o Amazônia Protege está em sua quarta fase. De acordo com o Imazon, nesta etapa, o programa passou por aprimoramentos e ajuizou cerca de 193 ações entre novembro e dezembro de 2024.

Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.

Veja o que já enviamos

Foram analisadas 3.551 ações pelo estudo, que envolvem 265 mil hectares desmatados e pedem mais de R$ 4,6 bilhões em indenizações. Até dezembro de 2023, 2.028 ações (57% do total) tinham sentença, sendo 695 com algum tipo de responsabilização. Elas se dividem em 640 ações julgadas procedentes, considerando decisões após o julgamento de recursos, quando juízes ou tribunais aceitaram pelo menos um dos pedidos de responsabilização do MPF, e em 55 Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), quando os responsáveis pelo desmatamento ilegal se comprometeram a adotar medidas de reparação. Somadas, as condenações e os TACs correspondem a 20% do total de processos e 34% das ações com sentenças.

Apesar das condenações não serem a maioria entre as decisões, o dado representou um aumento nas responsabilizações. “É positivo ver o aumento de casos procedentes para responsabilização de desmatadores e que os tribunais têm mantido entendimento favorável à condenação nessas ações que utilizam provas obtidas de forma remota, com imagens de satélite e uso de banco de dados. O desafio agora é obter o efetivo pagamento das indenizações e a recuperação das áreas que foram desmatadas”, afirma advogada e pesquisadora Brenda Brito, uma das autoras do estudo do Imazon.

Em um estudo anterior do Imazon, dos 3.551 processos analisados, apenas 650 (18%) tinham sentenças até outubro de 2020 e 51 delas foram procedentes. Ou seja: as condenações correspondiam a 1% do total de ações e a 8% das sentenças. A maioria das decisões pela responsabilização dos desmatadores (449 casos) ocorreu após outubro de 2020, especialmente em 2023, quando houve 241 sentenças procedentes. Na avaliação do Imazon, a situação que melhorou não apenas a partir de novas decisões em primeira instância, mas também pelo julgamento de recursos. Conforme o estudo, tanto o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm sido majoritariamente favoráveis aos pedidos de responsabilização do MPF.

Embora as condenações tenham aumentado, a maioria das sentenças (66%) ainda teve outros resultados mesmo após o julgamento dos recursos. Até dezembro de 2023, 860 (42% das sentenças) haviam sido extintas, quando a Justiça entende que não há provas para uma ação; 268 (13%) julgadas improcedentes, quando todos os pedidos do MPF foram negados; 137 (7%) declinadas para Justiça Estadual; e 68 (3%) anuladas, decisões invalidadas que aguardam nova sentenças.

Essa predominância das extinções se deu principalmente até 2020 e por causa das ações com réu incerto, inovação jurídica do Amazônia Protege. Nesses casos, o MPF move processos devido a desmatamentos ilegais mesmo quando não foi possível identificar o réu para que a Justiça embargue a área e impeça qualquer uso econômico dela, o que pode combater a grilagem. Porém, em outubro de 2020, o STJ adotou entendimento favorável à continuidade de ações por réu incerto, o que tem levado ao aumento de casos desse tipo procedentes após julgamentos de recursos.

Indenizações pagas em 5% das condenações

Apesar do avanço nas punições, o cumprimento delas ainda é muito baixo. Conforme a pesquisa, das 640 sentenças procedentes após julgamento de recursos e dos 55 TACs firmados, que determinaram indenizações de R$ 251,9 milhões, somente 37 (5%) tiveram as indenizações quitadas. As dívidas pagas somam R$ 652,3 mil (0,5%) e se referem a três sentenças e a 34 termos. Se considerar os casos que estão em fase de pagamento, com bloqueio em contas bancárias dos réus ou pagamento parcelado, esse percentual sobe para 8%.

O estudo também constatou que, em média, os juízes reduzem o valor solicitado pelo MPF. Segundo o Imazon, nos processos onde foi possível encontrar os valores iniciais e finais, houve redução de 34% nas indenizações por danos materiais (de R$ 11.304 para R$ 7.515 por hectare desmatado) e de 59% por danos morais coletivos (de R$ 5.616 para R$ 2.280 por hectare desmatado). “O Protocolo para Julgamento de Ações Ambientais de 2024 do CNJ pode resolver esse problema, pois traz uma metodologia para quantificação do dano climático decorrente do desmatamento. Por isso, recomendamos no estudo que o órgão dissemine essa orientação e organize treinamentos sobre ela”, disse a pesquisadora Hannah Farias, especialistas em Direito Ambiental e coautora do estudo do Imazon.

Outro problema identificado na pesquisa foi a falta de garantia da aplicação das indenizações no bioma. Embora o MPF tenha solicitado a destinação dos valores aos órgãos ambientais na maioria das ações, os fundos públicos foram o destino majoritário das sentenças, como o Fundo de Direitos Difusos e o Fundo Nacional de Meio Ambiente. “Resoluções e recomendações do CNJ já permitem direcionar esses valores para atividades na Amazônia, o que seria o ideal. Por exemplo, com repasses para instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos que realizem projetos de recuperação de vegetação nativa ou para o combate às queimadas. Para isso, os tribunais e o MPF precisam publicar editais de convocação para cadastro e análise de projetos”, explicou Brenda Brito.

A pesquisa recomenda medidas que podem agilizar e aumentar as condenações como acabar com as sentenças improcedentes pela não aceitação de imagens de satélite ou de informações de bancos de dados públicos como provas, o que continua acontecendo mesmo após jurisprudência favorável do STJ. No caso, o Imazon sugere que o CNJ intensifique a disseminação dessa orientação e realize treinamentos nas comarcas que mais recebem esses processos.

O estudo do Imazon também aponta que as sentenças também precisam melhorar a forma de determinação da restauração das áreas desmatadas e da fiscalização dessa obrigação. Para a fiscalização dessa recuperação, a sugestão da pesquisa é que o CNJ organize e disponibilize os dados georreferenciados das áreas, para permitir seu monitoramento por sensoriamento remoto por diferentes organizações. Outra recomendação do estudo é que os TACs sejam celebrados em documentos separados das atas de audiência, com descrição de todas as obrigações, prazos e previsão de multa em caso de descumprimento. “É importante que o MPF vincule em seu portal de transparência o número do processo judicial ao procedimento interno de acompanhamento do TAC, para que o cumprimento dos acordos possa ser acompanhado pela sociedade civil”, ressaltou Hannah Farias.

#Colabora

Texto produzido pelos jornalistas da redação do #Colabora, um portal de notícias independente que aposta numa visão de sustentabilidade muito além do meio ambiente.

Newsletter do #Colabora

A ansiedade climática e a busca por informação te fizeram chegar até aqui? Receba nossa newsletter e siga por dentro de tudo sobre sustentabilidade e direitos humanos. É de graça.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *