Após quatro anos “passando a boiada” e metendo a “foice no Ibama”, o governo de Jair Bolsonaro termina com um aumento de 59,5% da taxa de desmatamento na Amazônia em relação aos quatro anos anteriores (governos Dilma e Temer). É a maior alta percentual num mandato presidencial desde o início das medições por satélite, em 1988. Bolsonaro superou até mesmo o aumento visto no primeiro governo FHC, quando o forte aquecimento da economia no início do Plano Real causou o maior desmatamento da série histórica, de 29 mil km2, em 1995.
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Nesta quarta-feira (30/11), o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgou a estimativa para o ano de 2022: 11.568 km2 devastados, área equivalente à da Jamaica. Apesar da queda de 11% em relação a 2021, há 13 anos não era registrada uma taxa tão alta nos nove Estados da Amazônia Legal. A média anual sob Bolsonaro foi de 11.396 km2, contra 7.145 km2 no período anterior (2015-2018).
“O regime Bolsonaro foi uma máquina de destruir florestas. Pegou o país com uma taxa de 7.500 km2 de desmatamento na Amazônia e o está entregando com 11.500 km2. A única boa notíca do governo atual é o seu fim”, afirma Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
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Veja o que já enviamosO dado do Inpe está pronto desde 3 de novembro, antes do início da COP27, a conferência do clima de Sharm El-Sheikh, no Egito. O governo, porém, optou por escondê-lo por três semanas. É o segundo ano consecutivo em que o ministro do Meio Ambiente vai à conferência do clima com os dados e deixa para divulgá-los depois.
No ano passado, na COP26, na Escócia, o ministro Joaquim Leite silenciou de forma constrangedora diante de perguntas de jornalistas sobre os dados do Inpe — a pasta já sabia que a estimativa mostrava a maior alta em 15 anos. Neste ano, o governo se antecipou e vedou completamente qualquer debate sobre florestas no pavilhão oficial do Brasil. Governadores da Amazônia, que queriam falar do assunto, precisaram montar um stand próprio na COP.
Os dados de 2022 revelam uma explosão do desmatamento no Amazonas, o único a ter aumento no corte raso neste ano. Foram derrubados 2.607 km2, um incremento de 13% em relação a 2021. O Pará, mesmo com a redução de 21%, ainda lidera o ranking, com 4.141 km2 desmatados em 2022.
Além da inação do Ibama, o aumento do corte raso no Amazonas é explicado pela expectativa de asfaltamento da BR-319 (Manaus-Porto Velho), rodovia que corta o maior bloco de florestas intactas da Amazônia. Em julho, o governo Bolsonaro concedeu licença prévia para a obra, atropelando pareceres de técnicos do próprio Ibama.
A tendência atual no Amazonas, caso nada seja feito, é que se repita no eixo da BR-319 a tragédia ocorrida no entorno da BR-163 (Cuiabá-Santarém), no Pará, que se transformou no epicentro do desmatamento no começo do século, após o anúncio de sua pavimentação.
A taxa divulgada nesta quarta-feira é do sistema Prodes, que calcula o dado oficial de desmatamento a cada 12 meses (medidos sempre de agosto de um ano a julho do ano seguinte). Um outro sistema do Inpe, o Deter, que vigia as motosserras em tempo quase real, produz dados de alertas de desmatamento para orientar a fiscalização (que ficou essencialmente inoperante neste governo). De janeiro a meados de novembro a área de alertas já é 9% maior do que em todos os 12 meses do ano de 2019, então recordista da série do Deter. Os dados do Deter de agosto a outubro, que comporão a série de 2023, mostram um aumento de 45% na área de alertas em relação a igual período do ano passado. É também o recorde da série histórica iniciada em 2015.
“Os números recentes do Deter indicam que a devastação continua fora de controle. Jair Bolsonaro deixará para seu sucessor uma herança maldita de desmatamento em alta e uma Amazônia conflagrada. Se quiser ver os números de destruição florestal diminuírem em 2023, Lula terá que ter tolerância zero com o crime ambiental desde o primeiro dia de seu governo. E isso inclui responsabilizar judicialmente aqueles que sabotaram a governança ambiental no país enquanto ocuparam o governo nos últimos quatro anos“, afirma Astrini.
Ele alerta que a situação pode ficar ainda pior caso o Congresso aprove ainda neste ano uma série de projetos de lei conhecidos como “Pacote da Destruição”, que visam a anistiar a grilagem de terras e a eliminar o licenciamento ambiental. “O governo Bolsonaro acabou, mas a aliança entre o bolsonarismo e a banda podre do ruralismo permanece no Congresso e no chão da floresta”, observa Astrini.
“Parte dessa redução pode ser explicada por ações de controle de órgãos estaduais de meio ambiente, mas parte também pode ser explicada pelo aumento das chuvas em Mato Grosso e Pará”, comenta Tasso Azevedo, coordenador técnico do Observatório do Clima. “O consórcio MapBiomas encontrou indícios de ilegalidade em 98% dos desmatamentos em 2021, e os órgãos de controle só atuaram em 27% da área desmatada. A impunidade ainda predomina e precisa ser enfrentada com determinação no novo governo”, acrescentou Azevedo, também coordenador-geral do MapBiomas.
*Sob Collor não há base de comparação, já que a série histórica começa em 1988.
**Para Itamar, Dilma 2 e Temer são considerados dois anos de mandato em comparação com os dois anos anteriores.
***O dado referente a 2022 é uma estimativa do Inpe, a ser consolidado no primeiro semestre de 2023.