Reciclagem do plástico ainda engatinha

Estudos calculam em 2,5 milhões de dólares o prejuízo anual causado pelas 8 milhões de toneladas de plástico despejadas nos oceanos por ano. Foto Paulo Oliveira/Biosphoto

Do pouco que se recicla no mundo, a maior parte tem baixo valor comercial. Sem reduzir as perdas e melhorar a qualidade do plástico será difícil expandir

Por Elaine Carvalho | ODS 14 • Publicada em 11 de julho de 2019 - 08:00 • Atualizada em 11 de julho de 2019 - 14:00

Estudos calculam em 2,5 milhões de dólares o prejuízo anual causado pelas 8 milhões de toneladas de plástico despejadas nos oceanos por ano. Foto Paulo Oliveira/Biosphoto
Estudos calculam em 2,5 milhões de dólares o prejuízo anual causado pelas 8 milhões de toneladas de plástico despejadas nos oceanos por ano. Foto Paulo Oliveira/Biosphoto
Estudos calculam em 2,5 milhões de dólares o prejuízo anual causado pelas 8 milhões de toneladas de plástico despejadas nos oceanos por ano (Foto Paulo Oliveira/Biosphoto)

Reconhecendo a insustentabilidade do sistema, em 2018 países europeus incluíram a economia circular na Estratégia da UE sobre Plásticos. Em março deste ano, anunciaram a proibição de plásticos de uso único a partir de 2021 (canudinhos, cotonetes, talheres e caixas descartáveis), que representam 70% dos plásticos presentes no mar.  Resta agora trabalhar para cumprir outra meta traçada: tornar recicláveis todas as embalagens plásticas até 2030. Desafio grande num mundo que consegue reciclar apenas 9% de seu lixo plástico. “Estamos numa fase ainda muito inicial da reciclagem”, avalia Jamie Butterworth, especialista em economia circular.

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Praticar os 3R´s (Reduzir, Reutilizar e Reciclar) da sustentabilidade já não basta. É preciso deixar de consumir

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Entraves como coleta e separação insatisfatória, contaminação e o tipo de plástico coletado justificam esse baixo desempenho. Alguns plásticos precisam estar em grande volume para que compense reaproveitá-los. Outros sofrem grande perda entre a coleta e o reprocessamento. Em consequência, apenas um ínfimo percentual consegue manter a qualidade original, a ponto de gerar produtos de maior valor agregado. Para se ter uma ideia, somente a metade das embalagens PET são recolhidas e recicladas globalmente. E trata-se do plástico mais popular e fácil de reciclar. No caso do polipropileno (recipientes de alimentos e de produtos químicos, copos plásticos), o número cai para 3%.  Para tornar o negócio atrativo, fazendo a roda da reciclagem girar, é preciso tanto optar por plásticos de mais qualidade na fase de criação do produto como conseguir preservar a qualidade original no reprocessamento. “Sem isso, é difícil atrair investidores”, assegura Jamie.

A bióloga Paula Sobral mostra as ilhas de lixo espalhadas pelo mundo. Foto Divulgação

Ajustes na forma e no contexto

“O plástico é útil no contexto certo”, ressalta o especialista. A nova economia desse insumo tem o compromisso de ajustar esse contexto. Além de oferecer ao consumidor opções reutilizáveis para produtos de uso único, ela aposta no redesign e na inovação para eliminar embalagens plásticas consideradas problemáticas ou desnecessárias. Também almeja que 100% das embalagens sejam reusáveis, recicláveis ou compostáveis e que esse reaproveitamento seja feito na prática, pelo consumidor ou pela indústria.

Todas essas medidas invertem a atual lógica linear de gestão do plástico, baseada na produção – uso – descarte. Riscos futuros, bem-estar global e custos ambientais e econômicos pré e pós manufatura não são considerados nesse sistema. “Não estamos internalizando as ‘externalidades’”, critica Jamie usando os termos econômicos de sua formação. Em outras palavras, não se contabilizam custos econômicos ambientais da extração de combustíveis fósseis, água e energia despendidas no processo produtivo, nem os gastos com a limpeza oceânica, por exemplo. Estudos calculam em 2,5 milhões de dólares o prejuízo anual causado pelos 8 milhões de toneladas plásticos despejados nos oceanos por ano. “O lixo plástico é um sintoma simbólico da economia linear”, conclui.

Brian Skerry é um profissional que conhece bem o drama dos oceanos e da vida marinha nos dias de hoje. Ele passa oito meses por ano no fundo do mar. E não há um único mergulho em que ele não se depare com plásticos. Não é o que imaginava quando começou a fotografar profissionalmente há 20 anos. “Eu só pensava em retratar a poesia marinha. Mas vi tantos problemas. É depressivo. Não sabia o quão frágil o planeta é, nem que o oceano poderia um dia simplesmente colapsar”, conta. Skerry dedicou a vida a documentar os efeitos da ação humana no habitat marinho. Animais mortos ou lutando pela sobrevivência num ecossistema abalado pelos efeitos da acidificação oceânica, pesca predatória e volumes de lixo plástico para além do suportável.

A continuar nesse ritmo de invasão haverá mais plástico que peixes no mar em 2050, já alertaram os cientistas. E já se vê sinais de que a expectativa está correta. Recentemente, um artigo publicado na revista Science of the Total Environment divulgou que tal cenário já é realidade no rio Douro, o terceiro maior de Portugal, que nasce na Espanha e corta a cidade do Porto, local onde no dia 29 de abril deste ano a National Geographic realizou o evento Planeta ou Plástico, num esforço de alertar a população para a “catastrófica dimensão” do problema, como classificaram.

“Temos cinco ilhas de lixo no oceano, uma sopa de vários materiais acumulados. E isso é só a ponta do iceberg”, alerta a bióloga Paula Sobral, da Associação Portuguesa do Lixo Marinho. Esse lixo flutuante é apenas a parte visível do total, representando 1% do total despejado no mar, para onde vai 80% do plástico do planeta.

Os primeiros casos de ingestão foram detectados em 1966. Hoje, são conhecidas cerca de 700 espécies diferentes que ingeriram ou ficaram presas em plástico. Embora se soubesse dos aditivos tóxicos liberados pelo plástico, apenas agora estão mais evidentes os reais impactos às espécies marinhas.

O fotógrafo Brian Skerry fala sobre o que tem visto em 20 anos de trabalho no fundo dos oceanos. Foto Divulgação

A situação está longe de ser controlada, na avaliação da pesquisadora. Basta lembrar que oito dos dez rios mais poluídos por plástico no mundo ficam na Ásia. Por tudo isso, Paula prega que “praticar os 3R´s (Reduzir, Reutilizar e Reciclar) da sustentabilidade já não basta. É preciso deixar de consumir”.  É que ao falar em reduzir, não se quantifica; dando a impressão de que qualquer diminuição já teria efeito significativo, mas não. Também há que se considerar o baixo desempenho da reciclagem plástica no mundo (9% do lixo total consumido).

A transição para um sistema circular depende da colaboração mútua entre os diversos elos da cadeia produtiva do plástico. Produtores e vendedores são os dois primeiros agentes a serem aproximados, na avaliação do economista. Localizada no Reino Unido, a plataforma Circular Economy 100 – de cuja criação Jamie foi um dos fomentadores – é hoje a maior rede de network de economia circular, viabilizando inclusive negócios para pequenas empresas. Em paralelo, há que se contar com legislações capazes de incentivar novos investimentos e desestimular aqueles que contribuam com o fluxo do lixo. Tal como fez a UE ao optar pela proibição dos plásticos de uso único.

Elaine Carvalho

Paulistana que sempre quis morar em cidade com praia e hoje mora em uma, no Porto, em Portugal. Jornalista interessada em pessoas que transformam, nas crônicas do cotidiano e em tudo o que acontece na natureza (animal, vegetal e humana). Descobriu há algum tempo que a rua é um lugar muito bom para dançar.

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