Mais de 90 países assinaram a “Declaração de Nice por um Tratado Ambicioso sobre Poluição Plástica” na Conferência da ONU sobre os Oceanos (UNOC), que está sendo realizada esta semana na cidade francesa. O Brasil, com uma das maiores linhas costeiras do mundo e fortemente impactado pela poluição causada pelo plástico, não assina a declaração. Essa declaração conjunta demonstra a determinação da maioria dos países envolvidos no processo do tratado. Ela conclama todos os Estados-membros da ONU a aproveitarem o que provavelmente será a última oportunidade — a rodada final de negociações em Genebra, de 5 a 14 de agosto de 2025 — para adotar medidas ousadas e necessárias para acabar com a poluição plástica.
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A Declaração de Nice reúne os pilares de um tratado ambicioso e eficaz contra a poluição plástica, com foco em todo o ciclo de vida do material — da limitação da produção à proibição de substâncias químicas perigosas. O texto foi endossado por cerca de 240 organizações da sociedade civil, que alertam: as negociações finais em Genebra serão um teste decisivo, não só para enfrentar a crise do plástico, mas para o futuro do multilateralismo. Esses mesmos pontos travaram o avanço em Busan, em dezembro, quando países petroleiros tentaram restringir o escopo do tratado e bloquear medidas vinculantes.
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Veja o que já enviamosA falta de apoio do Brasil à declaração surpreende os especialistas que acompanham essa negociação. Em seu discurso na segunda (9), na abertura da UNOC em Nice, o presidente Lula afirmou que “nos últimos dez anos, o mundo produziu mais plásticos do que no século anterior, e seus resíduos representam 80% de toda a poluição marinha”. Ele também citou a preocupação com o plástico para o planejamento espacial marinho brasileiro. “Também implementaremos programas dedicados à preservação dos manguezais e dos recifes de corais e estamos formulando uma estratégia nacional contra a poluição por plásticos no oceano”, discursou Lula.
A ausência de apoio do Brasil contrasta com os compromissos previamente assumidos pelo país, frisou Rafael Eudes, membro da Coalizão Vida Sem Plástico. “Como uma das nações com maior biodiversidade do planeta, com vastas zonas costeiras, ecossistemas marinhos únicos e populações que dependem diretamente da preservação ambiental, o Brasil tem a responsabilidade histórica de liderar ações globais pela justiça climática e ambiental. E por isso, o país precisa estar à altura do papel estratégico que o mundo espera que ele assuma”, defendeu Eudes.
“Nos faltou neste momento, ver o Brasil se posicionar em favor da Declaração de Nice”, lamentou Ana Rocha, diretora do Programa Global de Plásticos de GAIA. “Um líder mundial nas áreas de meio ambiente e saúde como o Brasil, especialmente em ano de COP do Clima em Belém, precisa reafirmar seu compromisso em proteger nossos biomas, nossa saúde e evitar as mudanças climáticas exercendo a liderança que lhe pertence e se aliando aos países que estão construindo um legado positivo para a humanidade”, acrescentou.
Organizações da sociedade civil, reunidas na Coalizão Vida Sem Plástico, classificaram ainda a negativa do governo em assinar a declaração como “omissão deliberada e cumplicidade com os maiores poluidores do planeta”. Diretora de estratégia e advocacy da Oceana Brasil, Lara Iwanicki avalia que a atitude brasileira representa uma aliança do país com os interesses da indústria petroquímica e mostra ao mundo que o governo não está comprometido com soluções reais para a crise da poluição plástica. “É um gesto de omissão deliberada que contradiz frontalmente o discurso do presidente Lula em defesa dos oceanos e com o fim da poluição plástica. Não se trata de neutralidade – é cumplicidade com os maiores poluidores do planeta. Esta omissão do Brasil mina a credibilidade do país justamente quando mais precisamos de liderança, coerência e ações efetivas”, afirmou.
Para o gerente de políticas públicas do WWF-Brasil, Michel Santos, o país perde uma oportunidade econômica. “Apoiar um tratado globalmente vinculante contra a poluição plástica não é apenas uma questão ambiental — é uma oportunidade econômica para o Brasil. Estamos falando da chance de liderar um novo mercado global baseado em inovação, circularidade e geração de empregos sustentáveis. Permanecer omisso é abrir mão desse protagonismo e da diversificação da nossa economia”, criticou.