Mata Atlântica: piora na qualidade da água dos rios preocupa ambientalistas

Avaliação de dados de 127 locais monitorados revela aumento no número de rios com qualidade ruim e a permanência de quatro pontos com qualidade péssima

Por Oscar Valporto | ODS 14ODS 15 • Publicada em 21 de março de 2025 - 05:01 • Atualizada em 21 de março de 2025 - 11:56

Tentativa de limpeza no Rio Pinheiros, com péssima qualidade de água: Estudo da Fundação SOS Mata Atlântica mostra que a qualidade da água dos rios teve ligeira piora em 2024 (Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil – 05/06/2019)

Estudo da Fundação SOS Mata Atlântica mostra que a qualidade da água dos rios teve ligeira piora em 2024. Os resultados, divulgados às vésperas do Dia Mundial da Água, 22 de março, mostram que apenas 7,6% dos pontos monitorados (11) apresentaram qualidade boa, enquanto 13,8% (20) foram classificados como ruins e 3,4% (5) atingiram a pior classificação, péssima. Em 75,2% dos locais avaliados (109), a qualidade foi classificada como regular – o que, de acordo com os pesquisadores da SOS Mata Atlântica, significa que a água já é muito impactada pela poluição e necessita de tratamento para o consumo humano.

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O relatório O Retrato da Qualidade da Água nas Bacias Hidrográficas da Mata Atlântica, produzido pelo programa Observando os Rios, promovido pela fundação, é um dos mais completos diagnósticos sobre a situação dos rios do bioma. O estudo da organização reúne dados coletados em 112 rios entre janeiro e dezembro de 2024 – a análise foi realizada por voluntários em 145 pontos de coleta, em 67 municípios de 14 estados. “A sociedade civil precisa estar cada vez mais ativa nos comitês de bacias hidrográficas e na defesa da água limpa, porque o cenário não melhora sozinho”, alerta a ambientalista Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica.

O monitoramento deste ano deixa claro que a situação é grave. A estagnação dos índices de qualidade da água e o aumento de pontos classificados como ruins mostram que não há avanço real. Precisamos de ações mais eficazes e de investimentos urgentes em saneamento, porque enquanto não resolvermos isso nossos rios continuarão ameaçados

Gustavo Veronesi
Geógrafo e coordenador da causa Água Limpa da SOS Mata Atlântica

A comparação com os dados de 2023 revela um panorama preocupante. Entre os 127 pontos monitorados nos dois anos consecutivos, houve um aumento no número de rios com qualidade ruim e a permanência de quatro pontos com qualidade péssima, incluindo o rio Pinheiros, na cidade de São Paulo, e o Ribeirão dos Meninos, em São Caetano do Sul (SP). Novamente, nenhum ponto analisado atingiu a classificação de qualidade ótima. “Em um cenário de emergência climática, a degradação dos recursos hídricos é um fator crítico, pois poluir um rio é infinitamente mais rápido do que recuperá-lo. Nossos rios estão por um triz – e a urgência de ações efetivas nunca foi tão grande”, alerta o relatório.

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O Índice de Qualidade da Água (IQA), utilizado no monitoramento dos rios, classifica a água em cinco categorias: ótima, boa, regular, ruim e péssima. Rios com qualidade ótima ou boa contam com condições adequadas para abastecimento, produção de alimentos e vida aquática equilibrada, enquanto aqueles classificados como regulares já apresentam impactos ambientais que podem comprometer seu uso para consumo ou lazer. Nos rios com qualidade ruim ou péssima a poluição atinge níveis críticos, prejudicando tanto a biodiversidade quanto a população que depende desses recursos hídricos e a saúde pública.

O geógrafo Gustavo Veronesi, coordenador da causa Água Limpa da SOS Mata Atlântica e um dos autores do estudo, destaca que seus resultados deixam evidente que os esforços para melhorar a qualidade da água têm sido insuficientes. “O monitoramento deste ano deixa claro que a situação é grave. A estagnação dos índices de qualidade da água e o aumento de pontos classificados como ruins mostram que não há avanço real. Precisamos de ações mais eficazes e de investimentos urgentes em saneamento, porque enquanto não resolvermos isso nossos rios continuarão ameaçados”, afirma.

O relatório ressalta casos isolados de melhoria como o Córrego Trapicheiros, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, afluente do sempre poluído Rio Maracanã, apresentou uma melhora de qualidade regular para boa, assim como os rios Sergipe e do Sal, em Sergipe. Em São Paulo, o Córrego São José, na capital, saiu da classificação ruim para regular – também melhorou a qualidade da água, igualmente de ruim para regular, nos córregos paulistas Água Limpa, em São Sebastião da Grama, e Balainho, em Suzano. “São exemplos que reforçam que a recuperação dos rios é possível, mas exige um esforço coordenado entre sociedade, governos e empresas”, destaca a Fundação S.O.S Mata Atlântica.

Infelizmente, o número de destaques negativos é maior. O relatório chama atenção para a piora no Rio Capibaribe, em Pernambuco, que atravessa Recife e cidades da Região Metropolitana, onde a média de qualidade passou de regular para ruim. “Esse rio, de tamanha importância, recebe uma quantidade de esgoto superior à sua capacidade de diluição, comprometendo suas condições. É fundamental que ele receba mais atenção, tanto para o bem-estar dos moradores quanto para a experiência dos turistas”, aponta o estudo.

A mesma piora na qualidade da água – com a classificação rebaixada de regular a ruim – foi constatada no Rio Capivari, em Florianópolis, citado como exemplo de degradação dos rios no bioma Mata Atlântica, onde os voluntários relataram uma redução da fiscalização de ligações clandestinas de esgoto. “A ausência de ações fiscalizatórias efetivas favorece a continuidade dessa prática criminosa, agravando ainda mais a qualidade da água do rio”, alerta o relatório

Saneamento precário

Presente em 17 estados brasileiros, a Mata Atlântica é o bioma brasileiro que mais sofreu transformações nos últimos séculos e hoje tem Com apenas 31% de cobertura vegetal nativa. A região da Mata Atlântica concentra 51,5% de toda a área urbanizada no Brasil e são os impactos da urbanização o maior desafio para a conservação dos rios. O estudo reforça que o principal entrave para a recuperação da qualidade da água ainda é o saneamento básico insuficiente.

Apesar das promessas de universalização do serviço até 2033, cerca de 35 milhões de brasileiros seguem sem acesso à água potável e metade da população do país não tem seu esgoto tratado, segundo dados do Instituto Trata Brasil, divulgados nesta quarta-feira (19/03). O levantamento aponta que, em 16 anos, entre 2006 a 2022, o abastecimento de água tratada aumentou apenas 4,6 pontos percentuais. A coleta de esgoto avançou 1 ponto percentual por ano. O tratamento de esgoto cresceu menos ainda: 14 pontos percentuais em 16 anos.

Os pesquisadores da S.O.S Mata Atlântica destacam que a poluição ainda é despejada sem controle em muitos cursos d’água, agravando um quadro que já é crítico e, além da falta de saneamento adequado, a crise climática desempenha um papel determinante. O relatório destaca como eventos climáticos extremos, como secas severas e chuvas intensas, afetam diretamente os rios, aumentando a concentração de poluentes e reduzindo a disponibilidade de água limpa. “Poluir um rio é muito rápido, mas recuperá-lo é um processo lento e caro. Em um cenário de emergência climática, adiar soluções só vai tornar a crise hídrica ainda mais grave”, alerta Gustavo Veronesi.

Malu Ribeiro ressalta as dificuldades enfrentadas pelo Brasil para integrar políticas de água, clima, meio ambiente e saneamento, um desafio essencial para a gestão sustentável dos recursos hídricos. “Enquanto a ONU reforça a urgência de políticas integradas até 2030, o Brasil ainda precisa avançar para transformar compromissos em ações concretas. O retrato da qualidade da água dos rios da Mata Atlântica, construído por meio da ciência cidadã, reforça essa necessidade e evidencia o papel crucial da mobilização social para garantir um futuro sustentável para todos”, afirma diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica.

O Observando os Rios, um dos maiores programas de ciência cidadã do Brasil, desenvolveu uma metodologia para permitir que a sociedade, independentemente dos conhecimentos prévios sobre o Índice de Qualidade da Água (IQA), possa analisar e classificar como está a saúde dos rios: são, no total, 16 parâmetros analisados. A partir de 2024 o programa ampliou a frequência das análises e fortaleceu a mobilização social em torno dos resultados. Com cerca de dois mil voluntários ativos em 14 estados, a iniciativa é referência no monitoramento da água, mostrando que a participação da sociedade é fundamental para pressionar por políticas públicas mais eficazes.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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