(Tâmara Freire, do Rio, e Rafael Cardoso, de Belém*) – O tornado que destruiu 90% da cidade paranaense de Rio Bonito do Iguaçu e deixou seis mortos ao menos 750 feridos deveria servir como alerta de “desespero e urgência” para as autoridades reunidas da Conferência das Nações Unidas para o Clima (COP30), defendeu o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini. O evento começa na próxima segunda-feira (10/11), mas o encontro de chefes de Estado foi realizado nas últimas quinta e sexta-feira.
“O que aconteceu no Paraná, que é triste e grave, é mais uma repetição do que vem acontecendo não apenas no Brasil, na Amazônia, no Rio Grande do Sul, em São Sebastião, em Petrópolis, no norte de Minas, sul da Bahia, como no mundo inteiro também”, destacou.
“Os últimos dez anos foram os dez anos mais quentes da história. Tudo isso deveria entrar para dentro da Conferência do Clima, mas, muitas vezes, o que a gente vê é que a reunião fica impermeável ao mundo real”, criticou Astrini, que representa a principal rede da sociedade civil brasileira com atuação sobre as mudanças climáticas.
Astrini espera que o tornado do Paraná seja citado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na abertura oficial da COP, segunda-feira (10/11) e que essa “realidade” ajude a sensibilizar os países participantes sobre “o mundo real, que está agonizando”.
“A gente têm alguns países que são mais vulneráveis a essa situação, como o Brasil, que depende da agricultura, a geração da nossa energia depende da regularidade climática, com as hidrelétricas. O presidente Lula deve fazer a abertura, pode ser que ele cite. A gente sempre espera que essas citações e essas realidades tenham efeito lá pra dentro”, complementa o ambientalista.
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Veja o que já enviamosA oceanógrafa Renata Nagai, pesquisadora da Universidade de São Paulo, apoiada pelo Instituto Serrapilheira, explica que tornados, como o que atingiu Rio Bonito do Iguaçu, não acontecem apenas por causa das mudanças climáticas, mas o desequilíbrio do clima pode contribuir para que eles sejam mais frequentes e intensos. “As mudanças climáticas estão associadas a um aporte de combustíveis fósseis e de gases de efeito estufa na atmosfera e isso aumenta a energia, causando o aquecimento da atmosfera e também dos oceanos”, aponta.
Renata Nagai explica que tornados são colunas de ar que giram em altíssima velocidade, formadas a partir de nuvens de tempestades. Apesar de serem rápidos e de pequena extensão, podem ter grande poder destrutivo, ao tocarem o solo. O fenômeno é favorecido pela alta umidade e pelo ar quente. “Esse aumento do calor no ar e no mar provoca também o aumento da umidade, pela evaporação. Mais calor e mais umidade servem quase como um combustível para esses eventos meteorológicos extremos”, destaca a oceanógrafa.
O professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Michel Mahiques afirma que esse tipo de fenômeno pode se tornar mais comum. “Tornados, como o que aconteceu no Paraná, ocorrem por conta de grandes diferenças de pressão, causadas por massas de ar com propriedades muito diferentes, como a temperatura. Agora, com as mudanças climáticas, essas diferenças se intensificam, e a possibilidade de ocorrer eventos extremos como esse aumenta”.
Tornado no Paraná, alerta em Belém
Em Belém, Carlos Rittl, diretor global de políticas públicas para florestas e mudanças climáticas da Wildlife Conservation Society (organização não governamental internacional), reforçou que eventos extremos recentes – como o tornado pressionam por compromissos mais efetivos na COP30. Tivemos o furacão que assolou a Jamaica. Um tufão que passou pelas Filipinas, provocando mais de 180 mortes. E, depois, o mesmo com o Vietnã. Estamos vivendo na era de extremos. E isso impõe uma responsabilidade muito grande ao Brasil na presidência da COP30, assim como dos demais negociadores, a darem respostas”, disse Rittl.
Uma das críticas comuns entre as organizações ambientais é a de que o tema “adaptação” recebe menos atenção e investimentos do que a “mitigação”. Reduzir as emissões de gases do efeito estufa é fundamental, mas as cidades precisam de investimentos urgentes para aumentarem a capacidade de lidar com os eventos extremos cada vez mais comuns. “Eu estou em Belém, prestes a iniciar o evento geral da COP30 e é preciso colocar na mesa dos políticos de que esse mapeamento já foi feito pelos cientistas. Todas as projeções apontam para a necessidade de preparar as cidades. E para fazer essa preparação, é obrigatório ter recurso financeiro”, disse Everaldo Barreiros, professor de meteorologia da Universidade Federal do Pará (UFPA).
O diretor da Wildlife Conservation Society reforça que os investimentos externos devem estar alinhados com a aplicação dos próprios municípios em medidas de adaptação climática. Cada região vive os impactos de maneira diferente e precisa estabelecer metodologias próprias aos desafios e vulnerabilidades locais. “Nessa COP, temos como uma das pautas triplicar os recursos disponíveis para apoiar países em desenvolvimento nas suas ações de adaptação e reduzir as suas vulnerabilidades aos impactos das mudanças climáticas”, disse Carlos Rittl.
O ambientalista ressalta, entretanto, que cada município deve pensar em estabelecer as próprias estratégias de adaptação. “Tivemos as chuvas severas que atingiram o Rio Grande do Sul. Nesses dois últimos anos, aqui na Amazônia, tivemos seca muito severa, o que agravou a situação dos incêndios. São exemplos que mostram ser necessária essa ação local”, afirma.
*Tâmara Freire é jornalista especializada em saúde e repórter da Agência Brasil; Rafael Cardoso é jornalista, historiador e enviado especial da Agência Brasil para a cobertura da COP30
