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Rios voadores da Amazônia intensificam cada vez mais degelo na Antártica
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Efeito é resultado da combinação entre altas temperaturas e mudanças climáticas, aponta climatologista da UFRGS
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O processo de derretimento das geleiras da Antártica está sendo, cada vez mais, intensificado pelas correntes de calor atmosférico transportadas pelos rios voadores, formados na Amazônia. Essa é uma das percepções dos pesquisadores de expedição coordenada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com o objetivo de coletar dados e informações sobre os impactos das mudanças climáticas no clima do continente, as dinâmicas que interferem na elevação do nível do mar e a presença de microplásticos na região.
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A missão, batizada de “Expedição Internacional de Circum-navegação Costeira Antártica (ICCE)”, contou com a participação de 57 pesquisadores, sendo 27 brasileiros e 30 de outros seis países: Argentina, Chile, China, Índia, Peru e Rússia. Os cientistas passaram 70 dias na costa antártica, onde percorreram mais de 29 mil quilômetros a bordo de um navio de pesquisa russo.
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Veja o que já enviamosImportantes correntes de umidade que se formam na Amazônia, os rios voadores ou rios atmosféricos são reconhecidos por trazer chuva para as regiões centro-oeste, sudeste e sul do Brasil, além de outros países da América do Sul. A partir da coleta de precipitações em forma de neve, os pesquisadores buscam compreender melhor como essa umidade e esse calor dos trópicos interagem com o frio antártico.
Quanto maior esse contraste de temperatura entre essas massas de ar, mais intenso e mais profundo ficam os ciclones. Quanto mais profundo eles são, mais devastadores também
“A força dessas massas de ar úmido que saem da região tropical da América do Sul são fundamentais para o processo de derretimento das geleiras”, explica Venisse Schossler, climatologista do Centro Polar e Climático da UFRGS. A pesquisadora foi uma das responsáveis por coordenar a expedição, a maior viagem liderada por brasileiros no interior da Antártica.
Entre os outros resultados preliminares, os pesquisadores apontam diversos transformações visíveis no continente, como a formação de córregos de derretimento sobre geleiras e plataformas de gelo, a redução da salinidade do oceano Austral, além do aumento de 15 milímetros no nível do mar a cada década, devido ao derretimento das geleiras.
“Estamos vendo que o clima está apresentando pontos de mudanças rápidas que podem desestabilizar o sistema e esse é o desafio: as informações científicas estão aí, mas as decisões são políticas”, afirmou o glaciologista Jefferson Simões, coordenador da expedição e também professor do Centro Polar e Climático, em entrevista no começo de fevereiro, logo após a chegada da missão.
Degelo e eventos extremos
Estudo publicado na revista científica Geophysical Research Letters (Cartas de Pesquisa Geofísica, na tradução), da União Americana de Geofísica, já apontava os reflexos do deslocamento de rios atmosféricos no derretimento do gelo nas regiões polares do planeta.
Segundo Venisse Schossler, o aumento das temperaturas nas regiões tropicais, como é o caso da Amazônia, intensifica a entrada de corrente de umidade e calor na Antártica, o que interfere no clima da região. “Quanto mais intensas são essas massas de ar, mais longe elas conseguem ir. Parte desse movimento está associado à circulação atmosférica antártica”, explica a climatologista.
No sentido contrário, as mudanças climáticas e a perda de camadas de gelo na Antártica tendem a tornar mais intensas as massas de ar frio que saem do continente polar. O principal problema, aponta a professora, está no encontro entre essas massas frias do sul, com as massas de calor extremo dos trópicos.
“Essas massas da Antártica não vão deixar de ser massa de ar frio, porque tem mudança climática, elas vão continuar sendo muito frias em relação ao muito quente sobre a região equatorial. Quanto maior esse contraste de temperatura entre essas massas de ar, mais intenso e mais profundo ficam os ciclones. Quanto mais profundo eles são, mais devastadores também”, descreve Venisse.
As áreas mais vulneráveis a esses eventos climáticos ainda mais extremos são regiões de latitude média, ou seja, em estados como o Rio Grande do Sul e Santa Catarina e áreas da Argentina e Paraguai. “Maio de 2024 e setembro de 2023 no Rio Grande do Sul, tivemos alguns eventos de precipitação muito intensa. Tudo isso está relacionado com essas massas de ar frio, entrando e se chocando com as quentes”, aponta a cientista, ao citar as fortes chuvas que contribuíram para o maior desastre socioambiental da história gaúcha.
![Foto colorida de navio russo utilizado na viagem à Antártica. Na imagem, o navio branco e vermelho aparece navegando no continente](https://projetocolabora.com.br/wp-content/uploads/2025/02/copia-de-icce-aax-20241219-f02579-1024x670-1.jpg)
Microplástico e nível do mar
Ainda no final de 2019, cientistas da Nova Zelândia coletaram amostras de microplástico na Ilha Ross, no continente antártico. Durante a expedição liderada pela UFRGS, os pesquisadores percorreram 29.316 km da costa antártica e coletaram 90 cerca de metros de testemunhos de gelo e, como era esperado, também encontraram partículas de microplástico.
“Essas águas contaminadas por microplástico que circulam nos oceanos e na atmosfera inteira, também estão chegando até lá, via ar e via oceano”, comenta Venisse Schossler. Outro elemento apontado pela climatologista como reflexo das alterações geradas pela ação humana no clima do planeta é a intensificação dos ventos, o que coloca regiões costeiras – novamente o Rio Grande do Sul e Santa Catarina – em maior risco.
Os ventos mais fortes na Antártica – que tem relação com os rios voadores – geram a chamada elevação dinâmica do nível do mar, devido a pressão que exercem sobre os oceanos. “Intensifica o estresse sobre o oceano, ou seja, o atrito entre a atmosfera e o oceano, e o empilhamento de água começa a aumentar em direção a oeste, naturalmente, em direção à costa do Brasil”.
De acordo com os dados levantados na expedição, essa elevação gerou 12 centímetros de aumento no nível do mar nos últimos 10 anos, sem considerar o aumento causado por outros fatores, como o próprio derretimento das geleiras.
Para Venisse, a população das planícies costeiras precisa estar preparada para lidar com eventos extremos mais frequentes e intensos. ‘Se vai acontecer daqui a cinco dias ou dez anos, a gente não tem como prever, porém, essas pessoas já têm que estar preparadas para quando acontecer, porque vai acontecer, isso é uma certeza”, frisa a climatologista.
![Foto colorida da equipe brasileira na expedição na costa antártica](https://projetocolabora.com.br/wp-content/uploads/2025/02/equipe-brasileira-na-icce-1-1199x800.jpg)
Experiência e colaboração
Ao abordar a experiência de participar da expedição, Venisse revela os desafios em ficar tanto tempo distante. Além dos 70 dias da missão propriamente, foram mais cinco dias no porto de Rio Grande e cerca de seis meses de preparação. “Para nós, como cientistas polares, acho que é uma experiência quase inigualável”, pontua a pesquisadora.
A próxima etapa envolve levar o material coletado para análise em laboratórios e, depois, apresentar os resultados para a comunidade científica e para a sociedade. “Temos que começar a pensar na Antártica como pensamos sobre a Amazônia: da importância da biodiversidade e de ter uma biomassa fundamental para todo o equilíbrio do planeta”, enfatiza Venisse.
A professora da UFRGS também destaca como marca da expedição, a colaboração entre pesquisadores de diferentes países do sul global e do Brics. “Vamos ter uma grande colaboração daqui para frente e vamos para o cenário científico global com muita força, para conseguir também segurar esses pesquisadores nos seus países”.
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.