Rios do Cerrado estão secando

Bioma tem cerca de 1,6 milhão de hectares cobertos por água. Só que apenas 37% estão em áreas naturais

Por Liana Melo | ODS 13 • Publicada em 15 de julho de 2024 - 08:55 • Atualizada em 22 de julho de 2024 - 16:25

Plantação de soja em área de Cerrado, em Barreiras, Bahia: perda de superfície de água natural no bioma já atingiu 76% dos municípios (Foto: Adriano Gambarini / WWF)

A “caixa d´água do Brasil” está secando. Esse apelido não é ocasional. Conhecido por abrigar oito dentre as 12 principais bacias hidrográficas do país, o Cerrado está sofrendo com a falta de chuvas. À medida que o desmatamento avança no segundo maior bioma brasileiro – e também no primeiro, a Amazônia -, alguns rios estão literalmente sumindo do mapa. A perda de superfície de água natural no bioma já atingiu 76% dos municípios do Cerrado.

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Cidades como São Desidério, com 33 mil habitantes no Oeste da Bahia, está entre os 1.092 municípios do bioma que vêm perdendo seus corpos de água, na mesma proporção que cresce as áreas ocupadas por fazendas de grãos, comodities como soja, algodão e milho – foi o município que mais desmatou o Cerrado em 2023, ano em que o bioma superou a Amazônia em área desmatada.

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Trechos de rios, como o Uruçuí Preto, no Piauí, e o Peixe, em Goiás, não são mais vistos por satélite. É que córregos onde se costumava nadar não existe mais. O que era água, hoje é terra seca. A área de superfície de água natural do Cerrado diminuiu pouco mais da metade (53,4%) em 38 anos, atingindo 696 mil hectares na comparação do ano de 2023 contra 1985.

Elcio no córrego onde aprendeu a nadar, nos arredores de Correntina. E outro riacho seco, em Brejolândia. A seca é comum no oeste da Bahia. Fotos de Mirian Fichtner
Morador de Correntina, no Oeste da Bahia, mostra rio onde aprendeu a nadar quando criança. Em Brejolândia, também no estado, o riacho também secou. (Fotos de Mirian Fichtner)

Os trechos de corpos água que desapareceram estão na região do Matopiba, principal zona agrícola brasileira, que reúne áreas do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Não à toa, o Oeste da Bahia, onde está São Desidério, entrou para o mapa mundial por conflitos de água.

O “Panorama da Superfície de Água do Brasil”, série do MapBiomas Água, que está na sua terceira edição, foi esmiuçado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), um dos parceiros da rede. Para a pesquisadora do Ipam, Rafaella Almeida Silvestrini, é “grande o risco de uma séria crise hídrica”.  É que “a diminuição da vazão dos rios no Cerrado nos últimos anos, devido às altas taxas de desmatamento no bioma, pode impactar o abastecimento hídrico de cidades, a produção de energia elétrica e a agropecuária”. Outros fatores que aumentam o risco de uma crise hídrica é a irrigação intensiva, a erosão e degradação do solo e as mudanças climáticas.

A diminuição da vazão dos rios no Cerrado nos últimos anos, devido às altas taxas de desmatamento no bioma, pode impactar o abastecimento hídrico de cidades, a produção de energia elétrica e a agropecuária

Rafaella Silvestrini
Pesquisadora do Ipam

Em 2023, o Cerrado teve a maior superfície de água desde 1985: 1,6 milhão de hectares ou 9% do total nacional – curiosamente, o maior valor registrado em 39 anos, por ser 11% acima da média histórica do bioma. Só que a grande dessa água é de origem antrópica, ou seja, estocada pelo homem, seja em hidrelétricas ou em reservatórios.

Para evitar perdas significativas, especialmente no período da seca, entre agosto e novembro, as fazendas de agronegócio costumam criar suas próprias alternativas: o “piscinão”, reservatórios gigantes, que chegam a ocupar quatro hectares de área plantada.

O MapBiomas Água constatou que apenas 37,5% do bioma estão cobertos por águas naturais. Os 62,5% restantes estão divididos entre hidrelétricas (828 mil hectares, o que significou 51,1% do bioma) e reservatórios (181 mil hectares, ou seja, 11,2% do Cerrado).

A redução da superfície de água natural no Brasil é um problema multifacetado, causado por fatores como desmatamento, mudanças climáticas, uso insustentável dos recursos hídricos e crescimento urbano. Os efeitos dessa redução são amplos, impactando tanto a vegetação quanto a população, com consequências para a biodiversidade, segurança alimentar, geração de energia, saúde pública e estabilidade social. A adoção de práticas de conservação, gestão sustentável dos recursos hídricos e políticas ambientais rigorosas é crucial para mitigar esses impactos e garantir a disponibilidade de água para as gerações futuras

Joaquim Pereira
Pesquisador do MapBiomas Água

“A redução da superfície de água natural no Brasil é um problema multifacetado, causado por fatores como desmatamento, mudanças climáticas, uso insustentável dos recursos hídricos e crescimento urbano. Os efeitos dessa redução são amplos, impactando tanto a vegetação quanto a população, com consequências para a biodiversidade, segurança alimentar, geração de energia, saúde pública e estabilidade social. A adoção de práticas de conservação, gestão sustentável dos recursos hídricos e políticas ambientais rigorosas é crucial para mitigar esses impactos e garantir a disponibilidade de água para as gerações futuras”, analise Joaquim Pereira, pesquisador do MapBiomas Água.

 

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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