Passado o Carnaval e a tragédia que atingiu o litoral norte de São Paulo, o debate dos últimos dias no noticiário nacional passou a ser o retorno ou não da cobrança de impostos federais sobre os combustíveis. Na verdade, uma falsa polêmica, uma espécie de arapuca criada pelo governo Bolsonaro para tentar ganhar a eleição do ano passado. Se o feijão e o arroz de cada dia pagam quase 20% de impostos, por que a gasolina não deveria pagar? Vivemos em um país estranho, onde as pessoas não gostam de políticos, são contra os impostos, mas querem que as coisas funcionem. Se a estrada está esburacada, o hospital está superlotado e o professor ganha mal é porque faltaram essas duas coisas: políticas públicas e recursos.
E se há um produto sobre o qual não deveria haver dúvida em relação à taxação, esse item é a gasolina. Ele encabeçaria tranquilamente uma lista de vilões da sociedade moderna, juntamente com as armas e os cigarros. Trata-se de um dos principais responsáveis pela poluição local, causador de doenças pulmonares, emissor de gases de efeito estufa e que beneficia, principalmente, a classe média. Ah, mas e os motoristas de taxi? E o pessoal do Uber? É verdade. Quem ganha a vida dirigindo o próprio carro deveria ter algum tipo de benefício, mas para isso podem ser criadas políticas especificas e não justifica uma isenção nacional de impostos. É uma demagogia sem sentido.
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Veja o que já enviamosTente fazer um exercício, com duplo sentido. Caminhe por uma das ruas chiques de Higienópolis, em São Paulo. Ou por uma rua de Ipanema, no Rio, como a Visconde de Pirajá, por exemplo. Em uma distância de mais ou menos 200 ou 300 metros você vai cruzar com, pelo menos, duas ou três famílias que vivem nas calçadas, com crianças, colchão e cachorro. Agora olhe para a rua e veja os carros que estão passando. A maioria com os vidros fechados, ar-condicionado ligado e apenas um passageiro. Agora pense: qual desses dois grupos de pessoas foi privilegiado por essa desoneração de tributos? Óbvio, não? Se é para isentar algum combustível, que tal fazer isso com os botijões de gás? O Brasil não pode se dar ao luxo de abrir mão de R$ 52 bilhões que poderiam ser mais bem aplicados em hospitais, escolas e estradas.
Na verdade, essa conta é muito maior. Os subsídios aos combustíveis fósseis no país sempre existiram, eles apenas crescem ou diminuem de acordo com o governo que estiver de plantão. Os cálculos mais recentes, feitos pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), mostram que o Brasil deixou de arrecadar, só em 2021, cerca de R$ 120 bilhões com isenções dadas a esse prestigiado e poluente setor da economia. As estimativas para 2022 são ainda maiores. De acordo com o estudo, para o consumo foram destinados R$ 72 bilhões e para a produção foram alocados R$ 47 bilhões. A maior parte do subsídio dado à produção vem do Repetro, um mecanismo que isenta tributos a importação e produção interna de máquinas e equipamentos do setor. Na parte do consumo estão as sucessivas reduções do PIS/Cofins e da Cide-Combustíveis. Entre 2002 e 2012, a Cide representou uma arrecadação de R$ 76 bilhões que foi usada, majoritariamente, na melhoria da infraestrutura de transportes do país.
Agora, imagine se todos esses subsídios dados aos combustíveis fósseis deixassem de existir? Afinal, uma indústria tão poderosa e tão danosa para a sociedade não deveria precisar dessa ajuda toda do poder público. Seriam R$ 120 bilhões a mais para usar onde o Brasil realmente precisa. Investimentos que gerem emprego, que garantam saúde e educação para a parcela mais marginalizada da população. Eu tenho uma sugestão de onde aplicar esse dinheiro: ônibus gratuitos.
No Brasil, mais de 20 municípios já adotaram a proposta da tarifa zero para os ônibus urbanos. Maricá, no Rio de Janeiro; Vargem Grande Paulista, em São Paulo e Caucaia, no Ceará, estão entre elas. A iniciativa beneficia mais de 1 milhão de passageiros. Alguns que nem passageiros eram antes, simplesmente porque não tinham dinheiro para pagar a passagem. Caucaia, cidade com quase 400 mil habitantes, é um bom exemplo disso. Antes da adoção da tarifa zero, em julho de 2021, cerca de 500 mil moradores pagavam R$ 3,80 pela passagem. Hoje, com o ônibus gratuito, o número de usuários passou para 2 milhões de pessoas. Com isso, o custo por passageiro para a prefeitura caiu para R$ 1,35. Caucaia investe 25 milhões por ano para manter o sistema, que já reduziu o número de carros particulares nas ruas, diminuiu os acidentes, a poluição e aqueceu a economia local. Que tal? E você, o que faria com os impostos dos combustíveis?