A tarefa não tem nada de simples, muito pelo contrário. Para começar, a mineração ilegal de ouro em Terras Indígenas e áreas de conservação da Amazônia atinge os três maiores países da região: Brasil, Colômbia e Peru. As ações vêm sendo sustentadas por redes nacionais e transnacionais do crime organizado, envolvidas no tráfico de drogas, armas e pessoas. Para completar, esse esquema inclui corrupção, lavagem de dinheiro e uma infinidade de outras práticas financeiras pouco ortodoxas. Muita gente graúda ganha e não vai abrir mão desse filão (com trocadilho) facilmente. Apesar disso tudo ou exatamente por conta disso tudo, o governo federal planeja uma operação de guerra para remover mais de 20 mil garimpeiros e punir cada criminoso que lucra com a exploração ilegal do ouro e com a catástrofe que atinge a Terra Indígena Yanomani, entre outras.
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“Resolvemos tomar uma decisão, parar com a brincadeira. Se vai demorar um dia ou dois, eu não sei. Pode demorar um pouco, mas que vamos tirá-los (os garimpeiros), vamos. Não vai ter mais sobrevoo, vamos proibir as barcaças de transitar com combustível. E mais ainda, não haverá, por parte da agência de Minas e Energia, conceder autorização de pesquisa mineral em qualquer área indígena. O Brasil voltará a ser um país sério e respeitado, que respeita a Constituição, às leis e, sobretudo, os direitos humanos”, disse o presidente Lula esta semana.
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Veja o que já enviamosAlgumas pesquisas e trabalhos realizados nos últimos dois anos podem ajudar o governo Lula a “parar com a brincadeira”. Um deles foi feito pelo Instituto Igarapé, em parceria com a Interpol, e recebeu o título de “Guia para enfrentamento de crimes ambientais: lições do combate à mineração ilegal de ouro na Amazônia”. O guia traz orientações práticas, incluindo números e gráficos, para que as autoridades públicas e a justiça compreendam melhor o tamanho do desafio. Entre as propostas estão a criação de sistemas de informação para rastrear crimes na cadeia produtiva, análises preditivas e sistemas de sensoriamento remoto que permitam prever, detectar e mapear padrões de deslocamento da mineração ilegal do ouro e das operações de apoio, bem como rastrear o caminho do ouro, da mineração até o mercado.
Duas reportagens do site Repórter Brasil feitas em 2021 e 2022 mostraram que o ouro retirado de áreas indígenas Munduruku e Yanomami vem sendo vendido normalmente em cidades como Boa Vista, Manaus e Itaituba. De lá ele segue para o mercado interno e externo, chegando em joalherias renomadas e empresas de tecnologia como a Amazon, Apple e Microsoft. O Brasil exporta cerca de 100 toneladas de ouro anualmente. Só nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, entre 2019 e 2020, pelo menos 49 toneladas de ouro extraído ilegalmente foram lavadas e introduzidas no mercado.
“Não é possível saber se o ouro foi explorado legal ou ilegalmente, pois eles se misturam no começo da cadeia”, afirmou Deborah Goldemberg, do WWF-Brasil, durante um evento promovido pela ONG, em 2021, exatamente para discutir esse tema. “Para entrar no mercado legalmente, basta uma autodeclaração preenchida à mão. O vendedor pode afirmar que saiu de uma área X (legal), mas que na verdade vem de uma área Y (ilegal)”, completou Larissa Rodrigues, gerente de projetos e produtos do Instituto Escolhas, durante o mesmo evento.
Só na bacia do Tapajós, estima-se que 30 toneladas de ouro ilícito mudem de mãos por ano, o que equivale a uma receita de R$ 4,5 bilhões não declarada, seis vezes o volume do metal precioso extraído legalmente. A Bacia do Tapajós abriga o povo Munduruku, um dos grupos indígenas da bacia mais afetados pelas atividades de mineração ilegal. Só nos últimos dois anos, a área degradada pela mineração em pequena escala na TI Munduruku aumentou 363%. No final deste artigo é possível ver o trailer do documentário “Amazônia Sociedade Anônima” que trata deste tema.
Mas, afinal, como acabar com o garimpo ilegal na Amazônia? Entre as propostas feitas pelo estudo do Instituto Igarapé e no debate do WWF-Brasil, estão a aprovação imediata do Projeto de Lei 836/2021, de autoria do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que propõe normas para rastrear todo o caminho do ouro que é negociado no mercado e proíbe a venda do metal retirado de Terras Indígenas e áreas de conservação.
Além disso, eles sugerem que sejam estreitados os vínculos entre a mina e o mercado (eliminando os intermediários). Defendem a criação de um Pacto pelo Outro Responsável, que identificaria as conexões estratégicas da cadeia de produção e a rastreabilidade do produto. Outra proposta interessante é a adoção obrigatória de um dispositivo que monitora onde estão as máquinas do garimpo. Ela já existe no mercado e indica quando o veículo está entrando em uma área ilegal. Se o motorista insistir ela desliga automaticamente. Esse maquinário pesado, que inclui balsas, dragas e escavadeiras, pode custar entre R$ 60 mil e R$ 2 milhões.
A lista de sugestões inclui ainda a rastreabilidade e certificação do ouro, a criação de um sistema de cadastro das máquinas, o uso de notas fiscais eletrônicas em toda a cadeia e a total digitalização dos processos. Um item, entretanto, não pode ser esquecido. Estamos falando de 20 mil pessoas que hoje vivem do garimpo ilegal. Esse processo de desintrusão, termo muito usado pela Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, passa também pela criação de novas oportunidades de emprego e renda para os garimpeiros. Se isso não for feito, eles vão voltar, como já fizeram no passado, e veremos esse filme de terror se repetir muitas outras vezes.