A seca no Pantanal pode ser a maior em quase 40 anos: o nível de precipitação está abaixo da média e ainda há possibilidade do fenômeno La Ninã reduzir ainda mais a quantidade de chuva no fim do ano. No Rio Paraguai, os níveis registrados do curso de água encontram-se abaixo dos níveis normais para este período do ano; em alguns locais, o rio está na mínima histórica. Essa combinação somada à ação do homem levou o Pantanal a bater recorde de queimadas no primeiro semestre. Em julho, nuvens de fumaça cobriram cidades como Cuiabá, capital de Mato Grosso, e Corumbá, no noroeste de Mato Grosso do Sul. E as previsões são sombrias como as nuvens sobre a região.
Desde o início de 2020, o Pantanal vem sendo atingido por uma forte estiagem: de acordo com dados do Instituto Nacional de Meteorologia, o volume de chuvas ficou 50% abaixo do normal no bioma durante os primeiros meses do ano – uma estiagem agravada porque 2019 já havia sido um ano seco. A temporada do fogo no Pantanal começou antes e está descontrolada. Do começo do ano até 12 julho de 2020, segundo os registros do Sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram detectados 2.510 focos de queimadas no Pantanal, número 126% mais alto que o registrado no mesmo período do ano passado. O dado faz do bioma o campeão de aumento do fogo na temporada 2020 – com alta superior a da Amazônia e do Cerrado. Em relação à média dos últimos dez anos, o número de queimadas no período aumentou 245% no Pantanal; na média dos últimos três anos, subiu 264%.
A multiplicação das queimadas levou o Instituto Centro de Vida – organização civil com foco em transparência e direitos ambientais, negócios sociais e conservação em Mato Grosso – a lançar, na semana passada, uma ferramenta interativa para o monitoramento dos focos de calor no estado durante o período de proibição de queimadas. O painel do IVC mostra que o bioma Pantanal, em Mato Grosso, registrou, no primeiro semestre, um aumento de 530% nos focos de calor em relação ao mesmo período do ano anterior. ” “O período seguiu o mesmo ritmo alarmante do ano passado, com um pequeno aumento, e as áreas queimadas no Pantanal contribuíram para isso”, avalia Vinicius Silgueiro, engenheiro florestal e coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV, setor responsável pelo desenvolvimento do painel. Aberta para consulta na página do instituto, a plataforma permite visualizar a quantidade e localização de focos de calor de 2018 a 2020, com filtros e categorização por mês, municípios, biomas e categorias fundiárias das ocorrências no estado.
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Veja o que já enviamosDestaque negativo na análise do ICV é o Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense, onde foram registradas 99 ocorrências de focos de calor de janeiro a junho – contra apenas três no primeiro semestre de 2019 – e aparece como a unidade de conservação com o maior índice de focos de calor no estado. O parque está localizado em Poconé, município de Mato Grosso com maior número de queimadas no período, seguido por Nova Maringá, Feliz Natal, Paranatinga e Brasnorte. De acordo dos dados do governo estadual, Mato Grosso concentrou 20.007 focos de incêndio em 2020: as queimadas no Pantanal levaram as Forças Armadas a deslocarem militares e aeronaves para atuar em conjunto com o Corpo de Bombeiros do Estado e os técnicos dos órgãos ambientais. Na semana passada, incêndios florestais foram registrados nos município de Cáceres e Sorriso.
Para Vinicius Silgueiro, o primeiro semestre foi “totalmente atípico” no Pantanal, com uma queda substancial do volume de chuva e registros recordes de focos de queimadas tanto no Mato Grosso quanto no Mato Grosso do Sul. Ele considera que a estiagem prolongada facilita a multiplicação do fogo mas relaciona também o crescimento do número de queimadas a práticas relacionadas à agropecuária, como o uso do fogo para renovação de pastagens e limpeza de áreas após o desmatamento. O coordenador do ICV ainda destaca que o Pantanal é maior planície alagável continental do mundo, ficando comprometida com o impacto das queimadas.
O alagamento também está comprometido pela vazante recorde do Rio Paraguai, o principal do Pantanal. Boletim divulgado no fim de julho pelo Serviço Geológico do Brasil aponta que a tendência geral é de avanço da vazante do rio Paraguai. ” Em todas as estações, os níveis registrados encontram-se abaixo dos níveis normais para este período do ano. Em alguns locais, o rio está na mínima histórica”, alerta o boletim sobre a Bacia do Rio Paraguai. O boletim do Serviço Geográfico informa ainda que, na comparação com o histórico de monitoramento realizado na região, o ano tem semelhança com aqueles onde foram registrados menores níveis de vazão de água no rio. “A vazante de 2020 aproxima-se das vazantes observadas entre os anos de 1968 e 1973, com alguma semelhança também com eventos observados em 2010. Essas características sugerem que as vazantes provavelmente ocorrerão de forma mais intensa que a média, bem como, que os picos das vazantes ocorrerão antes do normal”, atestam os especialistas do órgão.
Os dados hidrológicos utilizados nos boletins são da Rede Hidrometeorológica Nacional de responsabilidade da Agência Nacional de Águas (ANA), operada pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e parceiros. Os dados de previsão de chuvas vêm do Centro de Previsão Climática da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (CPC/NOAA) e são usadas ainda informações de previsões meteorológicas produzidas pelo Inpe. De acordo com o boletim, a bacia do rio Paraguai, onde se situa o Pantanal, deve enfrentar em 2020 uma seca severa, com pico entre a segunda quinzena e o fim de outubro. ” O déficit de chuva com relação à média vem se acumulando há alguns anos, o que pode explicar a condição atual da bacia, de níveis bastante abaixo dos médios. A combinação de uma sequência de anos com chuvas abaixo da média, com uma seca classificada como extrema pelo Inpe explicam os níveis bastante reduzido dos rios na bacia do rio Paraguai”, atesta o boletim.