(Leila Salim e Priscila Pacheco*) – O intenso incêndio florestal que atinge o estado americano do Havaí desde 8 de agosto já causou mais de 100 vítimas fatais e é considerado o mais mortal da história dos EUA em pelo menos cem anos. O fogo atingiu dois condados, o homônimo Havaí e o Maui. A situação é mais crítica em Maui, onde ocorreram as mortes. O governador do estado do Havaí, Josh Green, disse que o número de vítimas fatais pode, pelo menos, dobrar até o fim dos trabalhos de busca.
A Agência Federal de Gestão de Emergências dos Estados Unidos (Fema) já enviou 250 funcionários para ajudar o estado. A instituição também deve enviar mais cães farejadores para dar suporte nas buscas por vítimas. Ainda há uma limitação para o trabalho dos cachorros porque eles precisam esperar os bombeiros esfriarem as áreas para ter condições de acesso. Mais de mil pessoas estão mobilizadas nas buscas que envolvem também o Corpo de Bombeiros e a Guarda Nacional.
Centenas de famílias estão desabrigadas e sem água potável. A orientação do governo estadual é para que seja utilizada água engarrafada para beber, escovar os dentes, fazer gelo e cozinhar. Quando o fogo avançou, muitas pessoas que se refugiaram no mar. Balanço divulgado na noite de segunda-feira (14/08) aponta para, pelo menos, 1.200 desaparecidos e mais de 2.200 edificações destruídas – quase 1900 eram residências.
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As causas da tragédia ainda estão sendo investigadas, mas o estopim pode ter sido um pequeno incêndio iniciado na vegetação ou na rede elétrica. O fato é que fortes ventos e o tempo seco e quente contribuíram para que o fogo se alastrasse com velocidade. “É uma tragédia além das tragédias. É claro que nunca esperávamos ver isso em nenhum lugar da América, mas estamos sobrecarregados pelas circunstâncias da mudança climática e da tragédia ao mesmo tempo. É por isso principalmente que esse incêndio ocorreu”, disse o governador Josh Green, em entrevista à CNN.
Segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), também houve contribuição dos fortes ventos do furacão Dora. Sinopse publicada nesta segunda-feira (14) pelo Serviço Meteorológico, da NOAA, aponta que o Havaí deve continuar com ventos secos até o fim da semana.
O Monitor de Seca dos Estados Unidos, projeto da NOAA e da Universidade de Nebraska-Lincoln, mostra que diversas regiões do condado de Maui estavam em condição anormalmente seca em 8 de agosto. No caso do Havaí, a seca vem ganhando espaço. Segundo o Monitor, a seca havia se espalhado pelas ilhas havaianas na semana anterior. Outras áreas estão classificadas em seca moderada e seca severa.
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Veja o que já enviamosAinda há focos de fogo no estado. Em todo o país, há ao menos 85 incêndios ativos em 12 estados. No Alasca, por exemplo, há 23 incêndios ocorrendo, segundo o Centro Nacional de Bombeiros Interagências. Condições quentes e secas também são citadas como catalisadores nessas regiões.
Julho foi o mês mais quente da história
Incêndios mais intensos e longos serão cada vez mais comuns caso a humanidade falhe em limitar o aquecimento do planeta. É o que mostrou estudo divulgado pela Nasa na última semana. Segundo a pesquisa, de dezembro do ano passado, caso as temperaturas globais continuem subindo e alcancem 2°C acima dos níveis pré-industriais, haverá aumento na ocorrência, intensidade e duração dos incêndios e dos casos de estresse térmico severo (situação mortal que ocorre quando o corpo humano não consegue liberar o excesso de calor). A pesquisa avaliou temperatura, chuvas, umidade do ar e o vento como influenciadores do clima propício para incêndios, indicando que extremos como os observados atualmente só tendem a piorar no cenário de emergência climática.
O último mês de julho, marcado por secas, ondas de calor, derretimento de gelo marinho e incêndios ao redor do mundo, já foi uma pequena amostra do que pode ser a vida em um planeta que falhe com as metas do Acordo de Paris. Em coletiva nesta segunda-feira (14/08), a Nasa confirmou o que previsões de órgãos científicos já haviam apontado: julho de 2023 foi o mês mais quente desde que os registros da agência espacial dos Estados Unidos começaram, em 1880. A temperatura média do planeta ficou 1,18ºC acima da média para o mês. Segundo a agência espacial americana, todos os cinco julhos mais quentes já registrados aconteceram nos últimos cinco anos.
O aumento da temperatura dos oceanos contribuiu decisivamente para o calor em julho, principalmente por conta do início do fenômeno oceano-atmosférico El Niño, em maio, que esquentou as águas do Pacífico. A Nasa destaca, no entanto, que os efeitos mais significativos do mega-El Niño ainda estão por vir, e serão sentidos em fevereiro, março e abril do ano que vem.
Outros dados, apresentados também nesta segunda-feira pela Noaa (Agência Nacional de Oceanos e Atmosfera), confirmaram que o último julho foi o mais quente dos últimos 174 anos (1,12ºC acima da média para o mês), desde que os registros do órgão começaram. Foi a primeira vez que a temperatura de julho ficou mais de 1ºC acima da média histórica.
A NOAA também informou que a temperatura dos oceanos bateu recordes pelo quarto mês consecutivo e que a camada de gelo marinho na Antártica chegou ao seu nível mais baixo pelo terceiro mês seguido. A perda no gelo marinho na Antártida, na comparação com a média para o período de 1991 a 2020, foi de 2.589.988 km2, praticamente o tamanho da Argentina.
O calor extremo colocou dezenas de milhões de pessoas sob alerta e já pode ser relacionado a centenas de casos de adoecimento e mortes. “A ciência é clara ao apontar que isso não é normal. O aquecimento alarmante ao redor do mundo é principalmente um resultado das emissões de gases de efeito estufa por ação humana. E esse aumento nas temperaturas médias está alimentando um perigoso calor extremo, que já está sendo vivido pelas pessoas aqui nos EUA e ao redor do mundo”, afirmou Gavin Schmidt, diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa.
*Leila Salim, jornalista e doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ, trabalha no Observatório do Clima e no Fekebook.eco; Priscila Pacheco é jornalista, colaboradora do Observatório do Clima e co-fundadora da Mural – Agência de Jornalismo das Periferias