A cientista e líder indígena Sineia do Vale em debate: Indígenas, quilombolas e comunidades e povos tradicionais fazem pressão para que a demarcação de suas terras venha a ser reconhecida globalmente (Foto: Reprodução / Redes Sociais)

Legado imaterial da COP30 passa por terras protegidas

Legado imaterial da COP30 passa por terras protegidas

Por Liana Melo ODS 13

Indígenas, quilombolas e comunidades e povos tradicionais fazem pressão para que a demarcação de suas terras venha a ser reconhecida globalmente como política climática. NDCs indígenas e quilombolas defendem que, em seus territórios, políticas de mitigação à crise climática já é uma realidade

Publicada em 20 de outubro de 2025 - 09:40 • Atualizada em 20 de outubro de 2025 - 11:15

A COP30 pode até não chegar a acordos significativos para conter a crise climática, dado que está ocorrendo em um momento bastante adverso – talvez um dos contextos mundiais menos favoráveis ao enfrentamento da mudança do clima devido a guerras mundo afora, ascensão da ultradireita e exercício diuturno do negacionismo climático. Mas há uma expectativa de que o legado da Conferência do Clima, que começa em Belém daqui a duas semanas, venha a ser o reconhecimento da demarcação de terras indígenas e de povos e comunidades tradicionais como política climática.

As decisões da COP vão refletir nas comunidades indígenas de forma positiva ou de uma forma negativa, caso a gente não tenha recursos financeiros para fazer adaptações

Sineia do Vale
Liderança do povo Wapichana e co-presidente do Fórum Internacional dos Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas

Se não fizermos muita pressão, os negociadores estão muito bem acomodados para dar a resposta que eles quiserem sobre qualquer tema”, comentou Sineia do Vale, enviada especial do Brasil para a COP30. “Neste momento, estamos vivendo perdas e danos irreparáveis”, complementou, destacando a urgência sobre a discussão acerca do financiamento climático: “Eu quero acreditar que a gente vai ter algum resultado positivo para os povos indígenas nessa COP”.

Liderança do povo Wapichana e co-presidente do Fórum Internacional dos Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas (IIPFCC, na sigla em inglês), a cientista indígena defende que a demarcação das terras indígenas seja reconhecida globalmente como política climática. O Caucus Indígena, ou IIPFCC, é um espaço dedicado a alinhar as pautas indígenas nas negociações da ONU. Vale assumiu a co-presidência na COP29.

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“As decisões da COP vão refletir nas comunidades indígenas de forma positiva ou de uma forma negativa, caso a gente não tenha recursos financeiros para fazer adaptações”, avalia Sineia do Vale, acrescentando que quando ocorre uma seca muito severa, como foi em 2024, por exemplo, “algumas comunidades perdem tudo e precisam comprar até semente de mandioca”.

Se depender de pressão, o que não vai faltar é participação indígena na COP30. Será uma presença histórica: estão sendo esperadas 350 lideranças indígenas na Zona Azul, local onde ficam os negociadores e onde são definidas as políticas climáticas internacionais. Do lado de fora, três mil indígenas estarão acampados na Aldeia COP e navegando pelo rio Amazonas, chegará a Flotilha Amazônica Yaku Mama – a embarcação vai percorrer três mil quilômetros pelo rio Amazonas, levando representações de nove países.

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Nove meses depois de o Brasil entregar em Baku, no Azerbaijão, onde ocorreu a COP29, no ano passado, a nova meta climática (conhecida como Contribuição Nacionalmente Determinada, ou NDC, na sigla em inglês), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou oficialmente a NDC dos Povos Indígenas. Na semana passada (dia 16), foi a vez da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) divulgar sua própria meta.

Ambas as NDCs convergem para o reconhecimento da demarcação, regularização e proteção dos territórios como política de mitigação climática. Adotando planos climáticos próprios, os territórios indígenas perderam 1% de floresta nativa em três décadas contra um percentual de 20% registrada em áreas privadas. Armazenaram ainda 12 bilhões de toneladas de carbono, evitando a emissão anual de mais de 31 milhões de toneladas de gases de efeito estufa.

A NDC Quilombola, por sua vez, apresenta metas até 2035. Uma delas trata da titulação integral de 44 territórios até 2026 e de 536 terras até 2030, abrangendo dois milhões de hectares. Propõe também a criação de uma força-tarefa judicial para agilizar 300 ações contra o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a destinação prioritária de florestas públicas a 55 comunidades quilombolas na Amazônia e o pagamento por serviços ambientais (PSA) e de manejo tradicional em 300 territórios, com potencial de contribuir com até 160 milhões de toneladas de carbono. Dados do MapBiomas apontam que, entre 1985 e 2022, perda da vegetação nativa nos territórios quilombolas foi de 4,7% contra 17% em áreas privadas.

Limbo jurídico

Com exceção dos indígenas e quilombolas, outras comunidades e povos tradicionais reivindicam o território, mas não tem instrumentos jurídicos, a nível federal, para protegê-los. “Estamos num limbo jurídico”, explica o geraizeiro Samuel Caetano, presidente do Conselho Nacional Conselho Nacional de Povos e Comunidade Tradicionais (CNPCT). Sua expectativa é que o governo anuncia, durante a COP30, o decreto que venha a instituir o Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PDPCT). “Não temos um marco jurídico que defina nossos territórios tradicionais, como os indígenas e quilombolas”, acrescenta.

Os geraizeiros, comunidades tradicionais que habitam os “Gerais”, área de transição entre o Cerrado e a Caatinga e se estende do Norte de Minas Gerais e Oeste da Bahia, como é o caso de Caetano, não estão sozinhos nessa luta. A lista de comunidades e povos tradicionais é composta de 29 segmentos, entre eles apanhadores de Sempre-vivas, caiçaras, catadores de Mangaba, ciganos, povos de Terreiro entre outros.

A reivindicação começou com a inclusão dessas categorias no Censo Agropecuário, seguida da entrada no Cadastro Único, porta de entrada das políticas públicas. “Somos coletivos que manejam os territórios de forma sustentável, que cuidam das águas, dos solos, dos ecossistemas”, concluiu Caetano.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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