E segue a boiada… Ao desembarcar no Brasil, após viagens para Dubai, nos Emirados Árabes, onde está ocorrendo a COP28, e para Alemanha, como representante rotativo na presidência do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, o presidente Lula pisará em solo minado no país. O Congresso, especialmente a representação ruralista no parlamento, segue firme e forte no seu propósito de conspirar contra o clima e o meio ambiente. Depois de empurrar a toque de caixa uma série de pautas-bomba antes do início da conferência do clima, vem mais retrocesso por aí.
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Se, no governo Bolsonaro, já era difícil uma negociação com o Congresso, no terceiro mandato de Lula a interlocução entre o Executivo e o parlamento está ainda mais difícil – beirando à relação abusiva. Um grupo de 300 deputados e senadores não dá trégua e está prestes a desengavetar uma série de derrotas para o governo na área do meio ambiente. A tentativa de minorar os danos está sendo, em alguns casos, insuficiente para deter o avanço das pautas-cinza de interesse da bancada ruralista.
Às vésperas da COP28, a Câmara dos Deputados aprovou projetos de lei que vão de encontro à emergência climática. Alguns deles chamam especial atenção pela quantidade de “jabutis” que entraram no texto – no jargão da política, é quando parlamentares incluem em uma proposta legislativa um tema, ou um contrabando, muitas vezes de interesse pessoal, sem relação com o texto original da proposta.
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Veja o que já enviamosO PL das Eólicas Offshore (Projeto de Lei 11.247/2018) é um bom exemplo. Encaminhado pelo Senado à Câmara dos Deputados em agosto último, o projeto de lei foi parar nas mãos do deputado ruralista Zé Vítor (PL-MG). Ao virar relator da proposta, o parlamentar não demorou a incluir “jabutis” e desfigurar a proposta original de incrementar uma economia de baixo carbono e melhorar a matriz elétrica brasileira com energia renovável.
Levantamento do Instituto ClimaInfo apontou que os “jabutis” embutidos no PL podem aumentar as emissões do setor elétrico em mais 4,25 GW de gás fóssil, o que corresponderá a cerca de 9,3 milhões de toneladas de CO2 anuais – um volume que representa um aumento de mais de 20% em relação ao que o país emitiu de gases de efeito estuda no ano de 2022.
A mãe de todas as boiadas
Está previsto ainda para ser votado na próxima semana, na Comissão do Meio Ambiente do Senado, a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Projeto de Lei 2.159/2021). A expectativa geral é que a votação seja adiada, mas caso entre na pauta o mais provável é que venha a ser aprovada. O texto passou pela Câmara dos Deputados e tem apoiadores poderosos: a Frente Parlamentar da Agropecuária e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que criticam o excesso de procedimentos burocráticos, a superposição de competências e a complexidade regulatória.
Na avaliação de analistas do Observatório do Clima e do Instituto Socioambiental (ISA), o texto em análise está longe de contemplar o conteúdo mínimo necessário para disciplinar o tema e apresenta fragilidades e retrocessos inaceitáveis. “Sua aprovação sem mudanças estruturais representará o desmonte do licenciamento ambiental no país”, analisa Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, acrescentando que o documento elimina critérios e parâmetros nacionais, dispensa certidão do uso do solo e não faz menção a metas de redução de emissões de gases de efeito estufa.
Apresentado originalmente em 2004 e aprovado pela Câmara dos Deputados 17 anos depois, em 2021, o texto dispensa o licenciamento ambiental em obras de saneamento básico, manutenção em estradas e portos e distribuição de energia elétrica com baixa tensão, além de obras consideradas de porte insignificante pela autoridade licenciadora. Criou-se a figura da Licença por Adesão e Compromisso, o que significa que basta o empreendedor preencher um formulário online e, ao final do processo, ele recebe a licença, sem ser submetido a nenhum tipo de análise técnica e de risco do negócio. E tem ainda os projetos considerados isentos de licença ambiental, em sua maioria empreendimentos agrícolas.
Na prática, uma simples ponte em uma rodovia federal pode ser aprovada sem licença ambiental. Para os leigos, não seria um problema grave. Só que não. Uma simples ponte restaurada pode significar um melhoramento rodoviário que permitirá o desencadeamento do desmatamento conhecido por “espinha de peixe”, o que significa abertura de estradas perpendiculares ao traçado da rodovia avançando gradualmente em direção a floresta e ameaçando o meio ambiente.
Indígenas e quilombolas serão populações diretamente afetadas. Empreendimentos em terras indígenas só serão alvo de licença ambiental no caso de estar previsto para ser instalado em uma terra demarcada. O mesmo vale para os territórios quilombolas, sendo que 10% dessas terras são demarcadas no país.
Veneno à mesa
O presidente Lula tem até o próximo dia 17 para sancionar ou vetar o PL do Veneno, como os ambientalistas chamam o projeto de lei 1.459/2022 que flexibiliza as regras para o uso de agrotóxicos. “Era melhor que não tivesse lei alguma”, defende Suely. Ela deixou de ir a Dubai justamente porque está acompanhando de perto essas pautas-bomba que estão prestes a explodir. O senador Fabiano Contarato (PT-ES) até tentou contornar os estragos, fazendo supressões estratégicas para melhor o texto, mas não adiantou.
O termo “agrotóxico” sumiu da lei, sendo substituído por eufemismos como “defensivos agrícolas” e “herbicidas”. Mas o pior foi a substituição de um artigo que proíbe expressamente o registro de produtos de “risco inaceitável”, ou seja, que contenham substâncias consideradas cancerígenas ou que provoquem deformações, mutações e distúrbios hormonais. Caberá ao Ministério da Agricultura, pasta sob forte influência dos ruralistas, o poder decisório sobre o uso ou não do produto – atualmente, essa avaliação é feita por três órgãos, os ministérios do Meio Ambiente e da Saúde e pelo Ibama.
“O ideal seria o presidente Lula vetar o PL do Veneno”, argumenta Suely, que não acredita nessa possibilidade: “O texto já é fruto de um acordo político, o que mostra a enorme dificuldade do governo em gerenciar a relação com o legislativo”.
Líder ambiental ou estado fóssil?
À medida que as discussões da COP28 avançam, vão ficando mais evidentes as contradições do governo Lula em relação ao meio ambiente. E não são apenas pressões exógenas, a maioria delas proveniente do lobby ruralista. Apesar do Brasil não se opor a compromisso para eliminar combustíveis fósseis no documento final da conferência do clima de Dubai, o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, aproveitou sua participação no encontro para defender a adesão do Brasil à Opep+, o cartel dos maiores produtores de petróleo do mundo.
Lula tentou colocar panos quentes no anúncio, explicando que o país atuará como observador e com o papel de convencer os países produtores de petróleo a caminharem para o fim dos combustíveis fósseis.
Se esse é o objetivo, faltou explicar por que no Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), anunciado no início de novembro último, em uma cerimônia no Rio de Janeiro, dos R$ 1,7 trilhão que serão alocados em obras de infraestrutura, R$ 335 bilhões vão para projetos de petróleo e gás, ou seja, um quinto do investimento total. Os investimentos em combustíveis de baixo carbono somam R$ 26,1 bilhões.
Na contramão dos alertas que vêm sendo feitos pela Ciência, o Brasil ainda parece ignorar o cenário de futuro traçado pela Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês). A previsão é que a demanda mundial por combustíveis fósseis deverá atingir seu pico em 2030, caindo progressivamente à medida que mais carros elétricos comecem a circular e a China, o maior emissor mundial de gases de efeito estufa, implemente seu projeto de transição energética migrando para energias mais limpas.
Um dia depois do término oficial da COP28, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) promove um mega leilão no próximo dia 13 de dezembro. Ao todo, 602 blocos serão ofertados em áreas em terra e no mar. “Será um leilão impressionante em tamanho, o que evidencia a intenção clara do governo de expandir a exploração de petróleo no país”, observa Suely. Como o país é autossuficiente em petróleo, o aumento da oferta será destinado ao mercado externo. A meta é melhorar a posição no ranking dos maiores produtores mundiais de petróleo, saltado da nova posição para o quarto lugar.
“O objetivo do governo é transforma o Brasil em um petro-estado, o que não combina em absolutamente nada com a ambição do Brasil de ser um líder climático”, critica Suely. Olhando para o futuro, com vistas a atingir o sonho de um mundo descarbonizado, que precisa responder à crise climática, que já está posta, o Brasil teria todas as condições de liderar esse processo. Mas, para isso, precisa decidir de que lado da história pretende estar: um líder climático ou um estado fóssil.