Lula mostra a que veio o Brasil na COP28, mas país precisa explicar contradições

Pronunciamento forte do presidente, em Dubai, com críticas aos gastos armamentistas, se confunde com recentes decisões em prol da indústria fóssil

Por Bibiana Maia | ODS 13 • Publicada em 1 de dezembro de 2023 - 12:28 • Atualizada em 6 de dezembro de 2023 - 09:47

Lula discursa na sessão de abertura da COP28, em Dubai: cobranças e contradições. Foto Ricardo Stuckert/PR

(*) Após um governo federal ligado ao negacionismo climático, o Brasil busca retomar na COP28 o protagonismo nas negociações acerca das mudanças do clima. Desta vez, especialmente, o país se prepara para liderar negociações de olho na COP30 – que será sediada na cidade brasileira de Belém, no estado do Pará, na Amazônia.

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Nesta sexta-feira, dia 1 de dezembro, o presidente Lula discursou na abertura da Conferência e fez duras críticas aos gastos com armas de guerra, “quantia que poderia ser investida no combate à fome e no enfrentamento da mudança climática”, pontuou. Como esperado, Lula falou do combate à desigualdade como crucial para a redução das emissões. “Quem passa fome tem sua existência aprisionada na dor do presente. E torna-se incapaz de pensar no amanhã”, disse.

O presidente afirmou ainda que o “não cumprimento dos compromissos assumidos corrói a credibilidade do regime”, dizendo ser lamentável que o Acordo de Paris não seja implementado. Lula reforçou o compromisso do Brasil de zerar o desmatamento até 2030, e destacou as metas de redução de emissões do país, “mais ambiciosas do que as de muitos países desenvolvidos”.

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De fato, o Brasil chega a COP28 com o compromisso com a redução de emissões renovado, depois da revisão da sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, em inglês). Além disso, Lula deve anunciar uma proposta de um plano global para preservação das florestas. Por outro lado, o governo tem evitado se comprometer com a diminuição dos investimentos no setor de petróleo e gás (que não por acaso ficaram fora do discurso do presidente) e ainda precisa deixar mais claras as estratégias para chegar ao desmatamento zero.

Daniel Fonseca, chefe da Divisão de Ação Climática; embaixador André Corrêa do Lago e Ana Toni, Secretária Nacional de Mudança do Clima do MME, falam sobre a participação do Brasil na COP28. Foto José Cruz/Agência Brasil
Daniel Fonseca, chefe da Divisão de Ação Climática; embaixador André Corrêa do Lago e Ana Toni, Secretária Nacional de Mudança do Clima do MME, falam sobre a participação do Brasil na COP28. Foto José Cruz/Agência Brasil

Pressão internacional

Durante coletiva de imprensa realizada no último dia 20 de novembro, André Corrêa Lago, embaixador do Ministério das Relações Exteriores e negociador-chefe do Brasil, e Ana Toni, Secretária Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, disseram que o objetivo é chegar à COP30 com uma das metas mais ambiciosas para a redução nas emissões de gases do efeito estufa (GEE), pressionando outros países a também serem mais ambiciosos. Lago adiantou que o Brasil será uma espécie de “paladino do 1,5 graus”, visando garantir que o aumento da temperatura do planeta não ultrapasse a meta do Acordo de Paris.

“Todos os países têm setores complicados, que vão sofrer. O grau e meio obriga que se encontre soluções realistas e dentro dessa diversidade de circunstâncias. Então eu acredito que o grau e meio permite você construir uma lógica e uma pressão para soluções”, comentou Lago: “Nós acreditamos muito que a tecnologia pode evoluir, mas essa tecnologia só evolui na medida em que há uma pressão para que seja adotada”.

O objetivo é liderar na COP28 as negociações do documento Global Stocktake (GST), chamado em português de Balanço Geral, que avalia como está sendo aplicado o Acordo de Paris e quais foram os “desvios no percurso”. O Brasil quer que a discussão sobre o GST trate da implementação, sobretudo de financiamento, tecnologia e capacitação a favor de países em desenvolvimento.

“No caminho de Belém, é muito importante que a COP 28 tenha um GST bem sucedido”, avaliou o negociador-chefe brasileiro. “Conversando com todo mundo, vamos tentar desbloquear ao máximo as negociações porque há uma grande expectativa de que o Brasil, podendo ter um diálogo aberto com todos os países, possa contribuir para que o GST seja muito positivo”, completou.

Se o grande objetivo brasileiro da COP28 é o GST, para a COP29 a intenção é avançar em uma nova arquitetura financeira para incentivar a ação climática e concretizar a trajetória brasileira de liderança na COP30, quando acontecem as revisões das NDCs.

“A gente espera que o tema de financiamento dos US$ 100 bilhões seja resolvido nesta COP [28], que é a promessa, mas na COP29 a gente vai ter que pensar na próxima demanda de recursos e um acordo sobre isso. Esses dois elementos são essenciais para que a COP30 seja um sucesso”, analisou a secretária Ana Toni, lembrando da proposta da COP15, em 2009, quando os países ricos se comprometeram com um fundo de US$ 100 bilhões, mas que não foi cumprido.

Revisão da NDC

A revisão da NDC foi citada por Lula como um exemplo do compromisso brasileiro. A promessa de fazer a revisão foi feita em julho pelo presidente Lula, e cumprida em setembro, estrategicamente a tempo da Conferência. A correção desfaz uma “pedalada climática” do mandato de Jair Bolsonaro. Por duas vezes, o governo anterior recalculou a meta com base em relatórios com números de emissões defasados sobre 2005, ano-base (mesmo já ciente da defasagem).

A revisão significa que o país deixa de aplicar a NDC apresentada em 2022, com metas menores de redução de emissões de GEE, e volta a se comprometer em reduzir em 48% até 2025, 53% até 2030 e alcançar emissões líquidas neutras até 2050.

Vista aérea do navio-plataforma P-71, instalado no campo de Itaipú, no pré-sal da Bacia de Santos, a 200 km da costa do Rio de Janeiro. Foto Tânia Rêgo/Agência Brasil

Desmatamento e petróleo e gás são calcanhar de Aquiles

A COP é uma oportunidade de o país mostrar que é possível aproveitar os investimentos internacionais para as soluções e atrair investimentos em setores como a transição energética. No entanto, também é o momento em que ficarão em evidência as fragilidades, como a exploração de petróleo e gás, que continua crescendo e recebendo incentivos do governo, e o desmatamento na Amazônia, onde se localiza a capital da COP30, Belém. O estado sede é campeão de desmatamento no país, segundo dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

“Esse era o grande tema de todas as COPs para o Brasil, então a gente espera poder falar de desmatamento, sem nenhum problema, porque a gente tem feito bastante coisa, mas também poder falar dos outros assuntos, de energia, de financiamento, para que não seja um assunto único em relação ao Brasil”, defendeu Ana Toni.

O posicionamento foi reforçado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante uma reunião no Senado Federal. “Estamos indo para COP não é para ser cobrados, nem sermos subservientes, é mais para altivamente cobrarmos”, disse.

Para o professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e membro do IPCC, o desmatamento continua sendo um ponto central da posição brasileira na COP, e não vai ser tão fácil desviar das críticas na área. “Não há a menor dúvida que o maior problema continua sendo o desmatamento, que é responsável por 51% das nossas emissões. Mas o Brasil tem todos os instrumentos e todos os recursos para fazer cumprir a meta de desmatamento zero em 2030 ou antes disso”, diz ele ao avaliar que a postura demanda mais comprometimento do governo atual após o desmonte do anterior.

Marina Silva adiantou em seu pronunciamento no Senado que o presidente Lula vai apresentar um projeto de preservação de florestas, vinculando o tema ao financiamento. “[Lula] vai levar uma proposta que só ele pode falar, de um mecanismo global para pagar por hectare de floresta em pé”, revelou.

Além do desmatamento, a exploração de petróleo e gás é um ponto sensível na narrativa brasileira de “paladino do grau e meio”. O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê o investimento de R$ 335 bilhões para o setor de petróleo e gás em 54 projetos nos próximos anos. Além disso, autoridades do governo como o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defendem a exploração de petróleo na Foz do Amazonas pela Petrobrás, criticada por cientistas e ambientalistas.

Diante deste cenário, um grupo de 61 organizações divulgou um documento pressionando o governo brasileiro a liderar um acordo global pela eliminação progressiva dos combustíveis fósseis ainda na COP28. A proposta é que a exploração de combustíveis fósseis deve ser reduzida em 43% até 2030 em relação aos níveis de 2019; e 60% até 2035, inclusive com a suspensão de novas frentes de exploração. As organizações cobram ainda que as petroleiras e o setor de carvão deixem de receber dinheiro público em forma de subsídios e financiamento de projetos.

“O governo defendendo internamente a exploração de petróleo e gás no país para mim é contra a história que um líder climático almeja”, avaliou Suely Araújo, coordenadora de política públicas do Observatório do Clima, reforçando que a ideia não é interromper a produção imediatamente, mas trabalhar em um planejamento progressivo a partir de agora. “Eu acho que tem que subir a régua tanto em termos de ambição de corte de emissões quanto na questão da ajuda dos países ricos para os países desenvolvidos”.

(*) Este artigo foi produzido com apoio do programa de Jornalismo e Justiça Climática de Climate Tracker para a COP28

Bibiana Maia

Jornalista formada pela PUC-Rio com MBA em Gestão de Negócios Sustentáveis pela UFF. Trabalhou no Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e nos jornais O Globo, Extra e Expresso. Atualmente é freelancer e colabora com reportagens para jornais e sites.

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