Países da Amazônia criam aliança e agenda comum mas frustram ambientalistas

O presidente Lula discursa na Cúpula da Amazônia: apesar de aliança contra o desmatamento, ambientalistas criticam falta de ações concretas no documento final (Foto: Ricardo Stuckert / Presidência da República)

Declaração de Belém aponta para fim do desmatamento, mas organizações criticam faltam de ações concretas

Por Oscar Valporto | ODS 13ODS 15 • Publicada em 8 de agosto de 2023 - 21:00 • Atualizada em 21 de novembro de 2023 - 19:44

O presidente Lula discursa na Cúpula da Amazônia: apesar de aliança contra o desmatamento, ambientalistas criticam falta de ações concretas no documento final (Foto: Ricardo Stuckert / Presidência da República)

Os presidentes dos países amazônicos divulgaram, nesta terça-feira (8/8) a Declaração de Belém, documento que consolida a agenda comum entre os oito países signatários do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) para a região. Os países concordaram em criar uma Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento, mas não definiram metas em comum. Por isso, devem cumprir os esforços dentro das metas nacionais: no caso do Brasil, o objetivo é alcançar o desmatamento zero em 2030.

Ambientalistas criticaram a falta de ações concretas no documento final. “A Cúpula abordou os temas certos, mas não entregou o que a sociedade, o setor privado e a academia esperam: um conjunto de ações concretas, de curto e médio prazo, que possam mudar o rumo que hoje navegamos, e que assustadoramente nos possam levar a ultrapassar o compromisso de 1,5 grau Celsius”, afirmou Marcelo Furtado, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. “Não é possível que, num cenário como esse, oito países amazônicos não consigam colocar numa declaração, em letras garrafais, que o desmatamento precisa ser zero e que explorar petróleo no meio da floresta não é uma boa ideia”, acentuou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.

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Bolívia, Colômbia e Peru enviaram seus presidentes – respectivamente Luis Alberto Arce, Gustavo Petro e Dina Boluarte, à Cúpula da Amazônia. A Guiana foi representada pelo primeiro-ministro Mark-Anthony Phillip; a Venezuela, pela vice-presidenta Delcy Rodríguez. enviaram seus Ministros de Relações Exteriores Equador, Gustavo Miranda, e Suriname, Albert Randim, foram os representantes de seus governos.

A Declaração de Belém contém 113 objetivos e princípios transversais, compromissados pelos países signatários. A OTCA exercerá papel central na execução da nova agenda de cooperação amazônica. Esses princípios “incluem proteção e promoção dos direitos humanos; participação ativa e promoção dos direitos dos povos indígenas e das comunidades locais e tradicionais; igualdade de gênero; combate a toda forma de discriminação; com base em abordagem intercultural e intergeracional”, destaca o documento.

Está expressa também a necessidade urgente de conscientização e cooperação regional para evitar o chamado “ponto de não retorno” na Amazônia – termo usado por especialistas para se referir ao ponto em que a floresta perde sua capacidade de se autorregenerar, em função do desmatamento, da degradação e do aquecimento global. A Declaração de Belém prevê, ainda, a criação de “mecanismos financeiros de fomento do desenvolvimento sustentável, com destaque à Coalizão Verde, que congrega bancos de desenvolvimento da região”.

O governo brasileiro se comprometeu a instalar o Centro de Cooperação Policial Internacional em Manaus para a integração entre as polícias dos oito países. Está previsto também o estabelecimento de um Sistema Integrado de Controle de Tráfego Aéreo para combate ao tráfego aéreo ilícito, o narcotráfico e outros crimes na região.

A Declaração também prevê novas instâncias na OCTA: o Mecanismo Amazônico de Povos Indígenas, que promoverá sua participação na agenda da OTCA; o Painel Técnico-Científico Intergovernamental da Amazônia – o “IPCC da Amazônia” -, que incluirá governo, pesquisadores e sociedade civil, povos indígenas e comunidades locais e tradicionais; o Observatório da situação de defensores de direitos humanos, do meio ambiente e de povos indígenas, para identificar financiamento e melhores práticas de proteção dos defensores; o Observatório de Mulheres Rurais para a Amazônia, para fortalecer a mulher empreendedora rural; o Foro de Cidades Amazônicas, congregando autoridades locais; a Rede de Inovação e Difusão Tecnológica da Amazônia, para estimular o desenvolvimento regional sustentável; e a Rede de Autoridades de Águas para aperfeiçoar a gestão dos recursos hídricos entre os países.

Colômbia contra a exploração de petróleo

Pela manhã, o presidente Lula e os outros representantes dos governos da Amazônia discursaram na primeira parte do encontro. “A Amazônia não é e não pode ser tratada como um grande depósito de riquezas. Ela é uma incubadora de conhecimentos e tecnologias que mal começamos a dimensionar. Aqui podem estar soluções para inúmeros problemas da humanidade – da cura de doenças ao comércio mais sustentável”, afirmou Lula. “A Amazônia é nosso passaporte para uma nova relação com o mundo – uma relação mais simétrica, na qual nossos recursos não serão explorados em benefício de poucos, mas valorizados e colocados a serviço de todos”, afirmou o presidente brasileiro.

O colombiano Gustavo Petro foi uma voz isolada na defesa do fim dos combustíveis fósseis. “O planeta precisa deixar de usar o petróleo, o gás e o carvão”, afirmou o presidente da Colômbia que disse considerar “contrassenso total” continuar extraindo petróleo e gás da Amazônia enquanto o mundo está padecendo diante das mudanças climáticas, que têm como catalisadoras as emissões de gases geradas pelos combustíveis fósseis. Os outros representantes de países amazônicos, porém, nem citaram a importância de limitar a indústria petroleira.

Ainda pela manhã, enquanto começava o evento oficial, uma marcha da sociedade civil, do lado de fora do Centro de Convenções, encerrou os Diálogos Amazônicos. Nas ruas de Belém, ativistas ambientais, movimentos sociais, organizações da sociedade civil e povos indígenas reafirmaram o recado aos chefes de Estado e exigiram o fim da exploração de petróleo na Amazônia, o compromisso com o desmatamento zero e o reconhecimento dos direitos das populações amazônidas.

Frustração e esperança

Os ambientalistas que acompanham a cúpula da Amazônia compartilharam, na maioria, um sentimento de frustração sobre a Declaração de Belém. “A declaração presidencial da 4ª Cúpula da Amazônia repete a sina de outras declarações multilaterais e nivela compromissos por baixo. Ao fazê-lo, num contexto de emergência climática, ela falha com a floresta e o planeta”, afirma a nota divulgada pelo Observatório do Clima. “Os 113 parágrafos operativos da declaração são uma bonita carta de intenções, que tem o mérito de reavivar a esquecida OTCA (Organização para o Tratado de Cooperação da Amazônia) e reconhecer que o bioma está sob ameaça de atingir um ponto de não-retorno, mas que não oferece soluções práticas e um calendário de ações para evitá-lo”, acrescenta a nota. “Em resumo, o documento pecou pela falta de contundência. Ele é uma lista de desejos, e os desejos são insuficientes”, adicionou Marcio Astrini

Integrante do Grupo Estratégico da Coalizão Clima, Marcelo Furtado lembrou que o momento é de ações emergenciais. “É um conjunto de boas notícias e um pouco de frustração, uma vez que vemos há muitos anos os governos fazendo promessas importantes e estratégicas, mas, no momento da implementação, faltam recursos”, lamentou, mesmo considerando a carta de Belém ampla e inclusiva. “O problema é que estamos a 24 meses da COP 30 e a menos de 6 meses da presidência do Brasil no G20. Precisamos, então, de ações concretas, especialmente voltadas para mecanismos financeiros e mudanças da matriz econômica atual para outra que seja positiva para o meio ambiente, o clima e as pessoas”, destacou Furtado.

Outros ambientalistas reagiram com mais otimismo. “A Cúpula nos deixou com muita esperança de que os países amazônicos estejam se unindo por um melhor caminho para a floresta e seus habitantes, impulsionando um movimento global por uma economia mais sustentável”, disse Adriana Lobo, diretora-geral de Presença Global e Ação Nacional do WRI. A Declaração de Belém é um importante primeiro passo. Agora os países amazônicos precisam colocar essas ideias em prática – criando um plano com ações específicas, políticas públicas e marcos
temporais. E uma estratégia para a atração dos investimentos necessários para tornar isso realidade”, acrescentou.

Rachel Biderman, vice-presidente na Conservação Internacional, usou tom semelhante. ““A Declaração de Belém é um compromisso importante das lideranças públicas, evidenciando um caminho para evitar o ponto de não retorno da Amazônia. Mas a maneira como a Cúpula será lembrada depende, em última instância, do que será feito a seguir”, frisou. Há ainda muitas perguntas por responder. Mas algo se tornou claro nesta Cúpula: não há mais tempo a perder ou agendas a serem adiadas. Qualquer coisa menor que a ação imediata e transformadora vai nos deixar sem floresta em pé, ameaçando a saúde global e das comunidades que dela dependem”, adicionou.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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