A biodiversidade da América do Sul será uma das mais afetadas do mundo pelas mudanças climáticas, com até 30% de suas espécies endêmicas em alto risco de extinção, aponta estudo publicado pela nova edição da revista Biological Conservation. No Brasil, espécies de mico-leões podem perder mais de 70% de seu habitat até 2080, enquanto a maioria das plantas endêmicas das ilhas do Caribe podem desaparecer até 2050.
[g1_quote author_name=”Stella Manes” author_description=”Bióloga e pesquisadora da UFRJ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]O nosso Mico leão está ameaçado de ‘perda de seu habitat climaticamente adequado’, ou seja, com a mudança do clima, áreas onde o mico é encontrado atualmente podem não ser mais adequadas, potencialmente afetando sua distribuição
[/g1_quote]Uma equipe internacional de pesquisadores, liderada pelas biólogas Stella Manes e Mariana Vale, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisou quase 300 hotspots de biodiversidade — lugares com números excepcionalmente altos de espécies animais e vegetais — em terra e no mar. “A mudança climática ameaça áreas transbordantes de espécies que não podem ser encontradas em nenhum outro lugar do mundo. O risco de que tais espécies se percam para sempre aumenta mais de dez vezes se falharmos os objetivos do Acordo de Paris”, disse Stella Manes, autora principal do estudo. doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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Veja o que já enviamosEm entrevista por email, a pesquisadora explica que, dos mais de 300 pontos analisados no mundo inteiro, há cinco ou seis no Brasil, inclusive grandes biomas como Mata Atlântica e Cerrado. “O Cerrado e principalmente, a Mata Atlântica estão no top de regiões mais estudadas dentre todas as 300, que avaliamos”, explicou.
A perda de floresta nativa – mais de 80% da Mata Atlântica já foi desmatada – é a principal ameaça a espécies. E as mudanças climáticas tendem a acelerar essa perda de vegetação. “O nosso Mico leão está ameaçado de ‘perda de seu habitat climaticamente adequado’, ou seja, com a mudança do clima, áreas onde o mico é encontrado atualmente podem não ser mais adequadas, potencialmente afetando sua distribuição”, afirmou a pesquisadora da UFRJ, que atualmente também é autora contribuinte do capítulo de Biodiversity Hotspots do 6º Assessment Report (Relatório de Avaliação) do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) a ser lançado em 2021.
Stella Manes listou outras espécies tipicamente brasileiras ameaçadas pelas mudanças climáticas: mutum-de-bico-vermelho (Crax blumenbachii), “pássaro praticamente extinto na natureza mas endêmico da Mata Atlântica, só é encontrado aqui”, papagaio-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis), papagaio endêmico para uma área pequena de Mata Atlântica, no Sudeste do Brasil, e ameaçado de extinção; micos Callithrix, endêmicos do leste e centro-oeste do Brasil, principalmente na Mata Atlântica. A crise climática também ameaça espécies de plantas como Ipê-amarelo-do-cerrado, da espécie Tabebuia áurea, e campos rupestres do Cerrado.
As políticas atuais colocam o mundo no caminho de 3°C de aquecimento. Neste cenário, desenhado pelo estudo, um terço das espécies endêmicas que vivem em terra e cerca da metade das espécies endêmicas que vivem no mar enfrentarão a extinção. Nas montanhas, 84% dos animais e plantas endêmicas podem ser extintas a essas temperaturas, enquanto nas ilhas esse número sobe para 100%. Em geral, 92% das espécies endêmicas terrestres e 95% das endêmicas marinhas sofrerão consequências negativas, como redução de populações.
“Quanto maior for a diversidade de espécies, maior será a saúde da natureza. A diversidade também protege contra ameaças como as mudanças climáticas”, explicou a pesquisadora Stella Manes. “Uma natureza saudável fornece contribuições indispensáveis às pessoas, como água, alimentos, materiais, proteção contra desastres, recreação e conexões culturais e espirituais”.
As espécies endêmicas incluem alguns dos animais e plantas mais icônicos do mundo, como os mico-leões do Brasil, que podem perder mais de 70% de seu habitat até 2080, segundo o estudo. A América do Sul será uma das regiões mais afetadas exatamente por ter importantes hotspots de biodiversidade, com até 30% de todas as suas espécies endêmicas em alto risco de extinção. “Confirmamos nossas suspeitas de que espécies endêmicas estariam particularmente ameaçadas pelas mudanças climáticas. Isto poderia aumentar muito as taxas de extinção em todo o mundo, uma vez que essas regiões ricas em biodiversidade estão repletas de espécies endêmicas”, adicionou a pesquisadora Mariana Vale, uma das autoras do estudo e professora adjunto no Departamento de Ecologia da UFRJ.
As tartarugas marinhas, encontradas em muitas praias da América do Sul e Central, são vulneráveis ao aumento da temperatura. No Havaí, plantas nativas, como a palavra-de-prata Haleakalā, poderiam ser extintas, bem como aves nativas típicas, como honeycreepers (trepadeiras-de-mel) havaianos. Espécies ameaçadas de extinção pelas mudanças climáticas incluem lêmures, exclusivos de Madagascar, o leopardo da neve, característico dos Himalaias, além de plantas medicinais como o líquen Lobaria pindarensis, usado para aliviar a artrite. “”Infelizmente, nosso estudo mostra que esses pontos ricos de biodiversidade não poderão atuar como porto seguro contra as mudanças climáticas”, disse Mariana Vale.
O estudo aponta que espécies exóticas introduzidas em um determinado habitat se beneficiam quando as espécies endêmicas são extintas e prevê um mundo bem menos diverso com a crise climática. As espécies endêmicas, por natureza, não conseguem se deslocar facilmente para ambientes mais favoráveis.
Mas os cientistas ressaltam que é possível evitar essa extinção em massa. “Se os países reduzirem as emissões em conformidade com o Acordo de Paris, então a maioria das espécies endêmicas sobreviverá”, afirmam os pesquisadores no estudo publicado na Biological Conservation. No total, apenas 2% das espécies endêmicas terrestres e 2% das espécies marinhas endêmicas enfrentarão a extinção se a aumento da temperatura ficar em 1,5ºC, esse número dobra para 4% de cada uma (terrestres e marinhas) se o aumento for a 2ºC.