Crise climática: 2024 quebra todos os piores recordes em terra, mar e ar

Relatório da Organização Meteorológica Mundial aponta que impactos nos oceanos e na atmosfera do ano mais quente já registrado e o primeiro acima do limite estabelecido no Acordo de Paris

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 19 de março de 2025 - 11:55 • Atualizada em 19 de março de 2025 - 12:36

Embarcações encalhadas no leito seco do Rio Negro: trecho que banha Manaus registrou a maior seca desde 1902, ano em que se iniciaram as medições no local (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace)

Novo relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência da ONU, escancara os sinais de que a crise climática provocada pelo ser humano atingiu novos patamares em 2024 e destaca as enormes convulsões econômicas e sociais causadas pelo clima extremo. Globalmente, cada um dos últimos dez anos foram individualmente os dez anos mais quentes já registrados. E 2024 foi o ano mais quente nos 175 anos de medições.

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O relatório State of the Global Climate (Estado do Clima Global) da OMM confirmou ainda que 2024 foi o primeiro ano a ficar mais de 1,5 °C acima da era pré-industrial, com uma temperatura média global próxima à superfície de ± 0,13 °C acima da média de 1850-1900 – o primeiro ano com temperatura média acima do limite previsto no Acordo de Paris. “Embora um único ano acima de 1,5 °C de aquecimento não indique que as metas de temperatura de longo prazo do Acordo de Paris estejam fora de alcance, é um alerta de que estamos aumentando os riscos para nossas vidas, economias e para o planeta”, disse a climatologista Celeste Saulo, secretária-geral da OMM.

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O documento de 42 páginas reúne uma lista de recordes ruins atingidos pelo pobre planeta em 2024: concentração atmosférica de dióxido de carbono está nos níveis mais altos dos últimos 800 mil anos; cada um dos últimos oito anos estabeleceu um novo recorde para o índice de calor do oceano; as 18 menores extensões de gelo marinho do Ártico já registradas ocorreram nos últimos 18 anos; as três menores extensões de gelo da Antártida ocorreram nos últimos três anos; a maior perda de massa de geleira em três anos já registrada ocorreu nos últimos três anos; e a taxa de elevação do nível do mar dobrou desde que as medições por satélite começaram.

O relatório aponta que as temperaturas globais recordes registradas em 2023 e quebradas em 2024 foram provocadas, principalmente, pelo aumento contínuo nas emissões de gases de efeito estufa, juntamente com uma mudança do fenômeno de resfriamento La Niña para o evento de aquecimento El Niño. “Nosso planeta está emitindo mais sinais de socorro — mas este relatório mostra que limitar o aumento da temperatura global a longo prazo a 1,5 graus Celsius ainda é possível. Os líderes devem se esforçar para que isso aconteça — aproveitando os benefícios de energias renováveis ​​baratas e limpas para seus povos e economias — com novos planos climáticos nacionais previstos para este ano”, disse o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, em mensagem para a apresentação do relatório.

Os recordes de temperatura são apenas um sinal da gravidade da crise climática em um panorama global muito maior. “Os dados de 2024 mostram que nossos oceanos continuaram a aquecer e os níveis do mar continuaram a subir. As partes congeladas da superfície da Terra, conhecidas como criosfera, estão derretendo a uma taxa alarmante: as geleiras continuam a recuar e o gelo marinho da Antártida atingiu sua segunda menor extensão já registrada. Enquanto isso, o clima extremo continua a ter consequências devastadoras em todo o mundo”, disse a cientista argentina Celeste Saulo, que assumiu a secretaria-geral da OMM no ano passado.

Ciclones tropicais, inundações, secas e outros perigos em 2024 levaram ao maior número de novos deslocamentos registrados nos últimos 16 anos, contribuíram para o agravamento das crises alimentares e causaram enormes perdas econômicas. “Em resposta, a OMM e a comunidade global estão intensificando esforços para fortalecer os sistemas de alerta precoce e serviços climáticos para ajudar os tomadores de decisão e a sociedade em geral a serem mais resilientes a condições climáticas e meteorológicas extremas. Estamos progredindo, mas precisamos ir mais longe e mais rápido. Apenas metade de todos os países do mundo têm sistemas de alerta precoce adequados. Isso deve ar”, acrescentou a climatologista, apontando para a necessidade urgente de investimentos em serviços meteorológicos, hídricos e climáticos para enfrentar o desafio da crise climática e construir comunidades mais seguras e resilientes.

Destruição provocada pelo furacão na Flórida: com águas mais quentes pela crise climática, Helene foi de furacão categoria 1 para 4, avançou mais pelo continente e provocou chuvas mais intensas (Foto: Chandan Khanna / AFP - 28/09/2024)
Destruição provocada pelo furacão na Flórida: com águas mais quentes pela crise climática, Helene foi de furacão categoria 1 para 4, avançou mais pelo continente e provocou chuvas mais intensas (Foto: Chandan Khanna / AFP – 28/09/2024)

Seca na Amazônia e enchentes no Saara

O relatório destaca ainda que eventos climáticos extremos em 2024 levaram ao maior número de novos deslocamentos anuais desde 2008 e destruíram casas, infraestrutura crítica, florestas, terras agrícolas e biodiversidade. A seca e os incêndios na Amazônia e a enchente no Rio Grande do Sul estão entre os eventos extremos, provocados pela crise climática, citados no relatório. “O Rio Negro em Manaus e o Rio Paraguai em Assunção atingiram níveis recordes de baixa, e o número de incêndios florestais na Amazônia brasileira foi o maior desde 2010. Uma exceção às condições geralmente secas na América do Sul foi a inundação no início de maio no estado do Rio Grande do Sul, no sul do Brasil. Chuvas fortes e persistentes resultaram em inundações que inundaram grandes partes da cidade de Porto Alegre e muitas áreas vizinhas com efeitos significativos na agricultura e pesca, bem como mais de 200 mortes”, aponta o documento da OMM.

Em setembro de 2024, o supertufão Yagi matou centenas e causou danos generalizados nas Filipinas, China e Vietnã. Semanas depois, o ciclone Chido atingiu Mayotte e Moçambique, causando o deslocamento de mais de 100 mil pessoas. Centenas morreram no Afeganistão, Irã e Paquistão devido às inundações de primavera após uma onda de frio incomum. Inundações igualmente incomuns atingiram partes do árido Sahel e até mesmo o deserto do Saara. Enquanto isso, a pior seca em um século atingiu o sul da África, devastando pequenos agricultores e levando ao aumento da fome.

O relatório também destaca que, nos Estados Unidos, os furacões Helene e Milton em outubro atingiram a costa oeste da Flórida como grandes furacões, com perdas econômicas de dezenas de bilhões de dólares. Mais de 200 mortes foram associadas às chuvas e inundações excepcionais de Helene, o maior número em um furacão continental dos Estados Unidos desde a passagem do Katrina em 2005.

Gelo marinho no Ártico: cobertura combinada de gelo marinho das regiões polares caiu para uma extensão mínima recorde em fevereiro (Foto: Wikimedia Commons)
Gelo marinho no Ártico: cobertura combinada de gelo marinho das regiões polares caiu para uma extensão mínima recorde em fevereiro (Foto: Wikimedia Commons)

Recordes no atmosfera, nos oceanos e na superfície

O documento da OMM detalha o avanço da crise climática provocada pela ação humana. A concentração atmosférica de dióxido de carbono, assim como outros gases de efeito estufa como metano e óxido nitroso, estão nos níveis mais altos dos últimos 800 mil anos. As concentrações de dióxido de carbono em 2023 (o último ano para o qual há números anuais globais consolidados) foram de 420,0 ± 0,1 partes por milhão (ppm) – 2,3 ppm a mais que em 2022 e 151% acima do nível pré-industrial (em 1750). De acordo com a OMM, dados em tempo real de locais específicos mostram que os níveis desses três principais gases de efeito estufa continuaram a aumentar em 2024.

A temperatura média global próxima à superfície também foi recorde em 2024. Em todos os meses entre junho de 2023 e dezembro de 2024, as temperaturas médias globais mensais excederam todos os recordes mensais anteriores a 2023. E, reitera o relatório, além de 2024 ter estabelecido novo recordo como o ano mais quente, cada um dos últimos dez anos, 2015-2024, foram individualmente os dez anos mais quentes
já registrados.

O documento também destaca que, em 2024, o conteúdo de calor do oceano atingiu seu nível mais alto no registro observacional de 65 anos. Cada um dos últimos oito anos estabeleceu um novo recorde. A taxa de aquecimento oceânico nas últimas duas décadas, 2005-2024, é mais que o dobro daquela do período 1960-2005. Cerca de 90% da energia capturada pelos gases de efeito estufa no sistema terrestre é armazenada no oceano. “O aquecimento oceânico leva à degradação dos ecossistemas marinhos, perda de biodiversidade e redução do sumidouro de carbono oceânico. Ele alimenta tempestades tropicais e contribui para a elevação do nível do mar. É irreversível em escalas de tempo centenárias a milenares. As projeções climáticas mostram que o aquecimento oceânico continuará pelo menos até o resto do século XXI, mesmo para cenários de baixa emissão de carbono”, afirma a OMM.

O State of the Global Climate alerta ainda que a crise climática segue causando a acidificação da superfície oceânica, mostrado pela diminuição constante do pH médio global da superfície oceânica. As reduções regionais mais intensas ocorrem no Oceano Índico, no Oceano Antártico, no Oceano Pacífico equatorial oriental, no Pacífico tropical norte e em algumas regiões do Oceano Atlântico. De acordo com a OMM, os efeitos da acidificação oceânica na área de habitat, biodiversidade e ecossistemas “já foram claramente observados”, assim como seus impactos perversos sobre a produção de alimentos da aquicultura de moluscos e da pesca e sobre os recifes de corais.

O relatório aponta ainda que, em 2024, o nível médio global do mar foi o mais alto desde o início do registro de satélite em 1993 e a taxa de aumento de 2015-2024 foi o dobro daquela de 1993-2002, aumentando de 2,1 mm por ano para 4,7 mm por ano. A elevação do nível do mar, lembra a OMM, tem impactos prejudiciais em cascata nos ecossistemas e infraestrutura costeiros, com impactos adicionais de inundações e contaminação de águas subterrâneas por água salgada.

O recuo da geleiras também é destacado no relatório sobre a crise climática. O período de 2022-2024 representa o balanço de massa de geleiras de três anos mais negativo já registrado. Sete dos dez anos de balanço de massa mais negativos desde 1950 ocorreram desde 2016. Balanços de massa excepcionalmente negativos foram experimentados na Noruega, Suécia, Svalbard e nos Andes tropicais. “O recuo das geleiras aumenta os riscos de curto prazo, prejudica economias e ecossistemas e a segurança hídrica de longo prazo”, alerta a OMM.

As 18 menores extensões mínimas de gelo marinho do Ártico no registro de satélite ocorreram todas nos últimos 18 anos. O mínimo e o máximo anuais da extensão do gelo marinho da Antártica foram cada um o segundo menor no registro observado de 1979. A extensão diária mínima do gelo marinho no Ártico em 2024 foi de 4,28 milhões de km2, a sétima menor extensão no registro de satélite de 46 anos. Na Antártica, a extensão diária mínima empatou com o segundo menor mínimo na era do satélite e marcou o terceiro ano consecutivo em que a extensão mínima do gelo marinho da Antártida caiu abaixo de 2 milhões de km2. Esses são os três menores mínimos de gelo da Antártida no registro de satélite.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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