COP30: povos indígenas querem equiparação de líderes a chefes de estado

Organizações da Amazônia, Pacífico e Austrália lançam declaração no Acampamento Terra Livre pedindo também fim dos combustíveis fósseis e financiamento direto

Por #Colabora | ODS 13ODS 15 • Publicada em 8 de abril de 2025 - 10:30 • Atualizada em 11 de abril de 2025 - 16:48

Indígenas no Acampamento Terra Livre em Brasília: povos querem equiparação de seus líderes a chefes de estado na COP30 (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

O Acampamento Terra Livre (ATL) 2025 começou, nesta segunda (07/04) em Brasília, com cerimônias e pronunciamento histórico na tenda da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que uniu Povos Indígenas da Amazônia, Ilhas do Pacífico e Austrália. “A partir de agora, estaremos unidos, declarando ao mundo que, se depender de nós, a COP na Amazônia será o símbolo de uma virada decisiva nas negociações e mobilizações climáticas”, afirma o documento.

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Entre as organizações indígenas signatárias, estão os Pacific Climate Warriors (Guerreiros Climáticos do Pacífico, em inglês), historicamente vozes marcantes em conferências climáticas da ONU, bem como alianças que se formaram no ano passado, como o G9, formado por organizações indígenas dos nove países da Bacia Amazônica, e a Troika Indígena, articulação com lideranças do Brasil, Ilhas do Pacífico e Austrália que busca garantir continuidade e protagonismo indígena nas COPs 29, 30 e 31. “As maiores autoridades climáticas somos nós, os guardiões da Terra, as lideranças indígenas. Hoje é um dia histórico, em que os povos da maior floresta do mundo se unem com os povos do maior oceano do mundo para enfrentar o maior desafio planetário hoje, as mudanças climáticas”, afirmou Toya Manchineri, coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), integrante do G9

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Nesta 21ª edição do ATL, o tema da tenda da Coiab, “Pelo Clima e Pela Amazônia: A Resposta Somos Nós”, busca dar a dimensão internacional do evento este ano em que a maior conferência do clima mundial, a COP30, será sediada em Belém. No texto, os grupos indígenas dos ecossistemas que mais regulam as terras e os mares do planeta, a floresta Amazônia e o Oceano Pacífico, declaram que a “COP30, na Amazônia, não pode ser marcada pela falta de soluções. Este é o momento de fazer história, de agir com coragem e justiça”.

O documento “Unidos pela Força da Terra: A Resposta Somos Nós” (íntegra no fim do texto) também alerta para as ameaças às florestas e aos oceanos. “Os Pacific Climate Warriors sabem o que significa lutar por uma parte do planeta que sustenta a vida de milhões de pessoas. Grande parte da sobrevivência global está ligada ao Oceano Pacífico, assim como está ligada à Amazônia, e ainda assim os guardiões de ambas as entidades estão sendo negligenciados. Hoje viemos dar as mãos à nossa família indígena no Brasil enquanto eles se preparam para sediar as negociações climáticas da ONU”, afirmou George Nacewa, liderança dos Pacific Climate Warriors. “Sabemos que a verdadeira liderança climática existe dentro dessas paredes, por que os líderes do mundo não podem se espelhar nisso? Se eles não têm a vontade política de colocar nosso clima de volta nos trilhos para garantir a sobrevivência de todos, então nos levem para a mesa de discussão e nós os ajudaremos a chegar lá”, acrescentou.

As lideranças indígenas enfatizaram a importância da COP30, marcada para Belém, em novembro. “A COP30 é um espaço crucial para fazermos essa virada de chave na discussão climática global, mas nossa aliança com os povos originários das Ilhas do Pacífico e da Austrália vai além disso. Queremos continuar fortalecendo a solidariedade com os parentes indígenas e aliados do mundo inteiro, pois o que nos une é mais forte que qualquer fronteira. Avançaremos juntos, pelo futuro do planeta. A resposta somos nós, todos nós”, destacou Toya Manchineri.

Nesta terça-feira (8/4), o ATL promoverá uma marcha ao Congresso Nacional em defesa dos Direitos dos Povos Indígenas. Segundo a APIB, mais de 6 mil indígenas deverão participar da mobilização. A Câmara dos Deputados receberá mais de 500 lideranças indígenas para uma sessão solene em homenagem aos 20 anos da entidade. À tarde, o movimento indígena discutirá uma proposta de Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV) e os conflitos territoriais. Um ato contra a violência contra os Povos Indígenas também será realizado na tenda principal do acampamento.

As lideranças indígenas garantem que a crise climática e a COP30 estarão no centro das discussões do ATL, aproveitando a presença de representante dos povos originários de outros países. “Nós, os povos indígenas, viemos a este mundo com um mandato sagrado: cuidar da vida e viver em equilíbrio com ela, guiados por nossos princípios e fundamentos culturais. Mas hoje, a vida de todos nós está em risco. A Amazônia está sangrando até a morte. Na Colômbia, nossos territórios estão sendo invadidos pelo garimpo, plantações ilícitas, violência armada e economias criminosas que ameaçam nossos povos”, disse Patricia Suarez, da Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (Opiac). “Decisões globais sobre clima e biodiversidade, tomadas sem a participação plena e obrigatória dos povos indígenas, estão acelerando nosso desaparecimento físico, cultural e territorial. Estamos aqui hoje, como Povos Indígenas de toda a Amazônia, para dizer ao mundo e aos governos: chega de discursos vazios! Está na hora de nossos direitos serem plenamente reconhecidos”.

Unidos pela Força da Terra: A Resposta Somos Nós

Declaração da Aliança entre os Povos Indígenas da Amazônia, do Pacífico e Austrália

Nós, os Povos Indígenas da Amazônia, com o apoio da Representação Indígena do Pacífico e dos Povos originários da Austrália, unidos pela força ancestral da Terra, pela sabedoria que sustenta a vida, e pela luta incansável em defesa de um futuro possível, lançamos esta declaração como um chamado ético urgente: a crise climática não espera, e os governos falham em agir diante da maior ameaça à humanidade.

Nós, com nossas culturas e saberes milenares, somos os guardiões das terras e mares que regulam o equilíbrio do planeta. A floresta Amazônica e o Oceano Pacífico se conectam pela urgência de salvar o que há de mais precioso: a vida. No entanto, a ganância e a exploração desenfreada ameaçam destruir o que mantivemos vivo por milênios. A indiferença dos governos, longe de proteger, expõe nossas ilhas e florestas ao risco da extinção, mas não nos silenciarão.

Sempre estivemos aqui.

Enquanto os governos seguem a lógica egoísta de “cada um por si”, nós, em uma união de povos, tecemos uma rede de resistência e esperança entre as terras da Amazônia e os mares do Pacífico. Nossos saberes ancestrais e nossos corações batem juntos, protegendo a terra, o ar e as águas, garantindo que o canto das florestas e oceanos nunca se apague.

Nós, do Pacífico, temos levantado nossas vozes nas COPs, mas a inação e a indiferença dos governantes são incompreensíveis. Nossas ilhas estão à beira do desaparecimento, e nossos anciãos têm levado nossas soluções para a comunidade internacional. E, ainda assim, a gravidade do nosso destino não parece tocar os corações dos que sentam à mesa para decidir a nossa existência. Mas não vamos desistir.

Lutamos, não afundamos.

Nós, da Amazônia, temos feito a nossa parte na defesa da floresta e seguimos de perto a luta de nossos irmãos e irmãs do Pacífico, no clamor por uma vida digna nas conferências climáticas. Este ano, a conferência acontecerá em nossa casa, na Amazônia. Uma coisa é certa: o eco do seu chamado ético ressoa em nós como aliados firmes, comprometidos com a defesa da vida.

A partir de agora, estaremos unidos, declarando ao mundo que, se depender de nós, a COP na Amazônia será o símbolo de uma virada decisiva nas negociações e mobilizações climáticas. Nossa mensagem é simples e direta: não podemos mais tolerar a falta de ambição diante da maior crise de todos os tempos. Sentimos uma responsabilidade ética de levar nossa voz aos centro da decisão política.

A presidência brasileira da COP30 atendeu ao clamor dos Povos Indígenas da Amazônia e do Brasil e propôs a criação do Círculo de Liderança Indígena. Agora, aguardamos que essa instância se torne real e eficaz, e que tenha peso nos mais altos níveis. Não queremos uma instituição meramente simbólica e performática, sem impacto político concreto. Ninguém mais tem o privilégio de esperar que promessas se tornem ação no futuro: nossas vidas estão em risco agora.

Nós, Povos Indígenas da Amazônia, do Pacífico e da Austrália exigimos:

– Que as lideranças indígenas e das comunidades locais tenham voz e poder iguais aos Chefes de Estado na COP30, com a mesma legitimidade, poder de decisão e respeito que as representações dos países.

– A redução urgente das emissões de gases de efeito estufa com a transição para fontes de energia limpa e a eliminação dos combustíveis fósseis, garantindo que as comunidades mais vulneráveis participem ativamente de um futuro mais justo e sustentável.

– Que os povos que vivem em harmonia com a natureza devem receber financiamento direto, pois seus conhecimentos milenares são essenciais para a preservação da biodiversidade e a justiça climática. E a compensação pelos danos que sofrem deve ser justa, transparente e imediata.

– A proteção integral das florestas, oceanos e solos, os maiores sumidouros naturais de carbono do planeta, assim como o reconhecimento fundamental dos povos indígenas e comunidades locais como preservadores de seus territórios. Isto deve estar refletido na revisão das metas climáticas dos países (NDCs).

Este é o ponto de partida para qualquer discussão sobre o Balanço Ético Global. A floresta Amazônica e o Oceano Pacífico são essenciais para a preservação da biodiversidade global e atuam como barreiras naturais contra as mudanças climáticas.

A COP30, na Amazônia, não pode ser marcada pela falta de soluções. Este é o momento de fazer história, de agir com coragem e justiça. As mobilizações globais de 2019, impulsionadas pela juventude, clamaram por um futuro onde a vida fosse reverenciada. Agora, cinco anos depois, chegou a nossa vez de liderar essa luta e de exigir limites!

Precisamos traçar uma linha clara para um mundo em crise – não podemos mais ignorar as questões urgentes que ameaçam o nosso futuro.
Damos este passo juntos e chamamos a todas as pessoas para se aliarem conosco.

A resposta somos nós. Todos nós!

G9 da Amazônia indígena, Troika indígena e Pacific Climate Warriors (Guerreiros Climáticos do Pacífico)

#Colabora

Texto produzido pelos jornalistas da redação do #Colabora, um portal de notícias independente que aposta numa visão de sustentabilidade muito além do meio ambiente.

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