*Elaíze Farias e Fábio Pontes
Manaus (AM) e Rio Branco (AC) – No dia 19 de agosto completará um ano em que o Brasil viu, assustado, uma enorme fumaça das queimadas da Floresta Amazônica pairar pela atmosfera de São Paulo. Em 2019, o monitoramento por satélite realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 89.176 focos ativos de calor no bioma. Coincidentemente, o aumento das queimadas na Amazônia neste ano, aconteceu na mesma semana em que Bolsonaro decretou a proibição da queima de floresta para a agropecuária por 120 dias. A medida não fala em punição para quem desobedecer a ordem. O decreto 10.420 foi publicado no dia 16 de julho de 2020 no Diário Oficial da União.
De 1º de janeiro a 8 de agosto deste ano, o Inpe detectou 34.393 focos de queimadas na Amazônia, um aumento de 1% em relação ao mesmo período de 2019, que foi de 33.999 focos neste período. Mas quando são comparados os índices de queimadas nestes períodos por estados da região, é possível identificar a dimensão do seu alcance. O Pará teve alta de 73% no número de queimadas; o Amazonas, de 48% e o Mato Grosso e o Maranhão, de 8%, cada. E especialistas temem mais fogo com a tendência de aumento e os meses de seca na maior parte da região.
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Veja o que já enviamosA chamada “temporada do fogo” ou “temporada de queimadas” começa a ficar mais intensa no mês de agosto, quando a Região Amazônica está na estação da seca e acontece a vazante dos rios ou descida das águas. São os meses com diminuição de chuva na região ou estiagem, potencializando as queimadas e os incêndios florestais, a maioria deles provocado por produtores rurais e invasores de terras públicas.
No início da semana passada, o Inpe identificou nuvens de até 100 quilômetros de extensão em áreas dos municípios de Altamira e Jacareacanga, no Pará, ao longo da BR-163. “Para se gerar uma nuvem de fumaça tão densa, não é apenas uma queimada de pastagem ou uma roça. Tem que ser de muita matéria orgânica e floresta”, explicou Setzer.
Outro município do Pará crítico durante o período das queimadas – Novo Progresso – já apresenta grandes focos neste período. No temporada do fogo de 2019, a região ficou conhecida internacionalmente quando fazendeiros e madeireiros organizaram, em dia 10 de agosto, o Dia do Fogo. Um ano depois, ninguém foi preso por atear combustível nas florestas. “Está ocorrendo uma extensa queimada e um grande desmate no sul do Pará, na região de Novo Progresso. Os números são grandes e vistos por satélites que estão muito distantes, que só pegam situações mais intensas. Isso mostra que é um evento muito grande”, destacou Alberto Setzer.
As chances de o fogo colocado em áreas agrícolas ou recém-desmatadas sair do controle e entrar na floresta são altas por conta dos dias prolongados sem chuvas, das temperaturas elevadas e da baixa umidade relativa do ar. Levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) aponta que no ano passado, o fogo na vegetação derrubada havia pouco tempo representou 34% do total de focos registrados. O número é próximo do detectado para fins de agricultura e pecuária: 36%.
Segundo Ane Alencar, pesquisadora do Ipam e especialista na dinâmica do fogo, ainda não é possível medir o quanto das queimadas de 2020 ocorreram em áreas de novos desmatamentos. Ela diz que, a maioria das queimas este ano é em áreas abertas, usadas para agricultura ou criação de animais. Uma das constatações do estudo coordenado por ela é a incidência de fogo em médias e grandes propriedades. “Este ano temos uma proporção de queimadas mais em áreas abertas porque ainda não começou a temporada do fogo. O que nos surpreendeu é que grande parte, 70% de todo o fogo que ocorreu [até junho] em imóveis rurais, e neste montante a grande maioria em imóveis rurais acima de quatro módulos fiscais. Isso significa que a maior parte do fogo registrado nos seis primeiros meses do ano foi em médias e grandes propriedades”, diz Ane Alencar.
Militares no combate ao desmatamento
Cobrado internacionalmente para impedir o avanço da destruição da floresta, o presidente Jair Bolsonaro autorizou o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Os militares já combateram 1.835 focos de incêndios na Amazônia numa operação que custou aos cofres públicos, inicialmente, R$ 123,3 milhões. A GLO foi prorrogada por Bolsonaro até 6 de novembro de 2020, mas os principais responsáveis pelo fogo – os fazendeiros do agronegócio, os grileiros, os garimpeiros e madeireiros ilegais -, continuam impunes, queimando a floresta sob o aval do Ministério do Meio Ambiente, chefiado pelo ministro Ricardo Salles.
A ostensiva presença de militares na Amazônia é questionada por ambientalistas e fiscais ambientais. À reportagem, um servidor do Ibama, que pediu sigilo no nome, disse que o pior está por vir. “A fiscalização como está sendo feita, sob comando militar, não vai funcionar. Não acredito num formato em que o menos qualificado não gosta de receber orientações do mais qualificado para lidar com delitos ambientais”, disse.
Carlos Durigan, diretor da ONG conservacionista WCS Brasil (sigla de Wildlife Conservation Society), duvida da eficiência da operação de combate às queimadas e desmatamento coordenada pelo Exército e aponta a fragilização de órgãos ambientais, como Ibama, ICMBio, além da Fundação Nacional do Índio (Funai), no caso das terras indígenas.
Para Durigan, o que vem acontecendo é uma inversão de papeis na qual as Forças Armadas exercem uma função de combate a ilícitos ambientais para a qual não têm expertise ou experiência. “Isso é meio ideológico. Perde-se a qualidade e isso acaba refletindo nesse aumento exacerbado das queimadas. Essa inversão de papéis está causando uma série de empecilhos na hora de implementar as ações na região”, afirmou o diretor da WCS.