Chuvas no Sul: “Quando vi a Katana em uma foto no Instagram senti que era ela. E quando vi ela pessoalmente fui tomada por uma alegria tão generosa que nem sabia que poderia sentir, os olhinhos dela me olhando e o seu focinho gelado me cheirando: foi amor à primeira vista”, descreve Maria Chicatte. A bióloga, moradora de Santa Maria (RS), foi uma das pessoas que abriu as portas da casa para uma das “refugiadas climáticas caninas” do desastre que atinge o Rio Grande do Sul. Katana foi resgatada pelo grupo de voluntários SOS Comunidades UFSM após seu antigo tutor perder a casa e ficar sem condições de cuidar dela.
Leu essa? Chuvas no Sul: resgate de animais mobiliza bombeiros e voluntários
Além das pessoas desabrigadas e desalojadas (em número que ultrapassa 650 mil, de acordo com boletim da Defesa Civil estadual nesta terça, 21/09), muitos animais também foram afetados pelas chuvas e enchentes que deixaram o estado em situação de calamidade pública. Neste contexto, equipes de bombeiros e voluntários começaram a se mobilizar para salvar pets, como cães e gatos domésticos, e animais de sítios e fazendas: galinhas, bois, vacas, porcos, ovelhas, cavalos, entre outros. Até esta terça (21/09), pelo menos 12.358 animais já tinham sido salvos.
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Veja o que já enviamosUm dos exemplos mais emblemáticos e repercutidos foi o resgate de um cavalo, batizada de Caramelo, realizado em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre. Após ficar quatro dias ilhado e se equilibrando em um telhado cercado por água, o cavalo gerou comoção e levou ao esforço conjunto bombeiros, militares e Defesa Civil para superar desafios logísticos e realizar o resgate.
“Está sendo um desafio diário, Katana tem muita energia, é uma filhotona, gosta de brincar, correr e morder tudo o que vê pela frente”, diz Maria, que faz doutorado em Agronomia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e também é tutora da gatinha chamada Bella. A bióloga conta que já tinha a intenção de adotar um cachorro e diante da situação, sentiu que era hora de acolher um novo animal. “Tenho muito que aprender com ela, tenho certeza que seremos uma ótima dupla. Já não me vejo mais sem ela”, acrescenta. Depois do socorro inicial, encontrar um local para esses outros refugiados climáticos do desastre tem se tornado o foco de muitas iniciativas.
Mobilização para encontrar tutores ou novos lares
Em Santa Maria, a mobilização para resgatar animais atingidos pela tragédia levou à criação de um centro de acolhimento veterinário na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e de uma página no instagram: @animaissm, com o objetivo de encontrar os tutores dos pets salvos, lares temporários e/ou estimular a adoção daqueles cujos donos não são identificados ou ficaram sem condições de cuidar dos animais.
“A gente está partindo do princípio que todos os animais têm dono, então fazemos publicações no @animaissm e procuramos os donos desses animais. A partir do momento que quem os trouxe fala que foi resgatado de uma situação de abandono e nos dá o ok, colocamos esses animais para adoção”, explica a médica veterinária Isadora Debeluck Plentz, uma das voluntárias do abrigo.
Todos os animais recolhidos recebem um microchip logo na chegada ao abrigo, além de serem examinados e receberem vermífugos, antipulgas e anticarrapatos. “Tem sido muito gratificante, saber que os animais estão bem, quentinhos, felizes, porque a nossa ideia aqui é que isso é uma passagem de animais”, destaca Isadora. Na semana passada, o abrigo em Santa Maria interrompeu o recebimento de animais e passou a focar no destino deles. Ao todo, foram 156 animais acolhidos, entre cães e gatos com diferentes idades, sendo uma grande parte de filhotes.
Professora do departamento de clínica de pequenos animais da UFSM, Anne Amaral tem sido uma das coordenadoras das atividades do centro de acolhimento para os pets. “Muitas famílias foram embora, outras foram deslocadas, e muitos animais já estavam numa condição pré-existente de fragilidade, antes da enchente”, afirma.
Por conta disso, o local também está servindo para centralizar doações de ração, destinadas tanto para os animais do abrigo, como para serem distribuídas aos tutores afetados pelas enchentes. “Essa ração está sendo fracionada e dispensada também para a própria prefeitura, porque ela continua fornecendo ração para as ONGs e para as pessoas que pedem”, complementa Anne Amaral.
Educador físico e morador de Santa Maria, Leonardo Posser Nunes foi uma das pessoas que se sensibilizou com a ação e decidiu doar rações para o abrigo. “Não conseguimos deixar os animais de lado”, afirma ele, que junto da biomédica Thayze Fontela, cuidam de dois cachorros: Garoto e Fred. “Os animais não têm como se autoproteger, então dependem da nossa atitude. Sentimos muito, o cachorro acaba se tornando um membro da nossa família”, ressalta Leonardo.
Formada em direito e com uma atuação voltada para casos de defesa dos animais, Anne Amaral lembra que são necessárias políticas públicas para facilitar o acesso a tratamentos veterinários, por exemplo, para populações de baixa renda que são tutoras. “Muito do que é classificado como maus-tratos, na verdade, é falta de condição e falta de conhecimento das pessoas de qual a melhor forma de lidar com esses animais. E temos um problema extra que os medicamentos necessários para cuidar do animal são muito caros”, explica a professora. Segundo ela, essa é uma questão a ser debatida, principalmente diante de um cenário em que as pessoas mais pobres e, consequentemente seus companheiros animais, são mais afetadas pelas mudanças climáticas e eventos extremos.
Outras iniciativas de apoio aos refugiados climáticos de diferentes espécies
Além das ações da Defesa Civil, de bombeiros e das forças de segurança, o Grupo de Resposta a Animais em Desastres (GRAD) mobilizou voluntários para salvar animais afetados pelas enchentes na região metropolitana de Porto Alegre e no Vale do Taquari. Pela plataforma do GRAD é possível cadastrar informações sobre animais perdidos e solicitar apoio do grupo para encontrá-los.
Ao mesmo tempo, surgiram iniciativas coletivas e individuais para ajudar os pets e demais bichos atingidos pelo desastre, como o projeto “Toda Vida Importa”, da protetora de animais Keissy Dagostin, e o “Vem Adotar”, organizado pela ex-esgrimista e ativista Deise Falci. Em Canoas, uma das principais cidades inundadas pela cheia do Guaíba, a iniciativa “Meu bichinho tá Salvo” e o abrigo “Animais Resgatados Agostinho Cavasotto” também realizam o socorro e buscam encontrar lares para os refugiados climáticos de diferentes espécies.
Clínicas veterinárias e outros abrigos de animais estão envolvidos no resgate e acolhimento temporário. O Conselho Estadual de Medicina Veterinária do RS, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) também participam das ações, assim como voluntários de outros estados.
Confira a lista com perfis do Instagram de outras ONGs e iniciativas que estão atuando para cuidar e encontrar tutores para os animais resgatados no RS:
@pets_resgatadospoa
@acheseupetrs
@animaisperdidossaoleo
@animaisdaenchente_nh
@dogs_enchenters
@animaisalcidescunha
@caes_resgatados_
@resgatadosdasilhas
@gatosdacortenh
@amaparoanimalnh
@farmsdoghotel
@resgatados_liberato
@enchentecaescampobom