Os estados do Sudeste e do Centro-Oeste enfrentam uma onda de calor incomum para maio, com temperaturas chegando perto dos 40 graus – e essa anomalia meteorológica está diretamente ligada aos temporais no Rio Grande do Sul, que, até domingo, com uma semana de chuvas intensas, já tinham provocado, pelo menos, 75 mortes. “Frentes frias vêm da Argentina, chegam rapidamente à Região Sul e não conseguem avançar. Temos uma sucessão de frentes frias que se tornaram estacionárias e estão mantendo as chuvas intensas durante vários dias”, explicou o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operação e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em entrevista à TV Brasil.
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Seluchi explicou que a onda de calor localizada na região central do Brasil com alta pressão atmosférica leva à formação de um ar seco e quente, que acaba por bloquear a passagem das frentes frias para o norte do país. Assim, o Rio Grande do Sul foi atingido por um volume de chuva muito acima do padrão. “É um volume inédito para o estado, essa chuva tão intensa e tão abrangente. Já houve registro de precipitações maiores – como recentemente em São Sebastião, em São Paulo, e Petrópolis e Angra, no Rio – mas nunca no Rio Grande do Sul”, relatou o meteorologista.
O coordenador do Cemaden explicou ainda que outros fatores vêm influenciando na sequência de temporais no Sul do país. Apesar de ainda em sua etapa final, o fenômeno El Niño mantém as águas do Oceano ainda muito quentes que provocam mais chuvas na região. Marcelo Seluchi disse ainda que as mudanças climáticas com o aquecimento maior da atmosfera e das águas dos oceanos também contribuem para essa situação. “Temos esse ar quente, potencializado pelo evaporação das águas, que facilita a precipitação”, afirmou. Meteorologistas têm destacado também que a onda de calor na região central do Brasil, nesta época do ano, é muito incomum e deve ter ligação com a crise climática.
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Veja o que já enviamosDe acordo com as previsões do Cemaden, as chuvas no Rio Grande do Sul devem persistir durante a semana, mas com menos intensidade. Na entrevista, Marcelo Seluchi explicou que as frentes devem passar a oscilar, podendo ir mais ao sul do continente, para o Uruguai, ou subir para Santa Catarina. A partir daí, as chuvas devem ser menos volumosas e com período maior sem chuva. O meteorologista lembrou, contudo, que o processo para absorção do volume de água também levará dias. “Toda a água que já caiu no estado vai ser drenada, o que vai levar vários dias para se normalizar”, alertou.
Desastre climático
O número oficial de mortos no desastre climático no Rio Grande do Sul chegou a 75 de acordo com boletim da Defesa Civil. O número de óbitos superou a última catástrofe ambiental do estado em setembro de 2023, quando 54 pessoas morreram após a passagem de um ciclone extratropical pelo estado.
De acordo com a Defesa Civil, 155 pessoas ficaram feridas e há ainda 101 desaparecidos. As chuvas também obrigaram 95,7 mil pessoas a abandonarem suas casas: 80,5 mil desalojados e 15,1 mil desabrigados. Ao todo, os temporais já afetaram 707,1 mil pessoas no estado. Dos 497 municípios gaúchos, 332 foram afetados pelas fortes chuvas, o que representa 66% das cidades do estado.
O Governo do Rio Grande do Sul informou, no início da tarde de domingo, que mais de 420 mil pontos no estado seguem sem energia elétrica e 839 mil residências estão com o abastecimento de água interrompido. As chuvas também provocam danos e alterações nas rodovias estaduais gaúchas: são 113 trechos em 61 rodovias com bloqueios totais e parciais, entre estradas e pontes. Há também uma série de pontos das rodovias federais com o tráfico interrompido pela destruição provocada pelas chuvas. Até o sábado, mais de 10 mil pessoas já haviam sido resgatados pelas ações de bombeiros, policiais, e militares do Exército, da Aeronáutica e da Marinha que atual no socorro às vítimas.
Em Porto Alegre, bairros inteiros foram inundados após o Lago Guaíba, que atravessa a cidade, ter ultrapassado a cota de inundação e superado os cinco metros, maior nível já registrado. O prefeito Sebastião Melo pediu no fim de semana para que a população racione o consumo de água, diante da interrupção no funcionamento de quatro das seis estações de tratamento de água operadas pela Departamento Municipal de Água e Esgotos. As aulas estão suspensas pelo menos até quarta-feira.
Em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, onde mais de 50 mil pessoas vivendo em áreas de risco, a prefeitura orientou a população de todo o lado oeste da cidade a deixar suas casas e buscar abrigo em locais mais altos e seguros do município. “Este é o episódio mais trágico da história de Canoas. Uma situação além da nossa capacidade de resposta”, disse o prefeito Jairo Jorge. “A água acabou avançando muito rápido e, por isso, determinamos a evacuação de todo o lado oeste da cidade”, acrescentou. Canoas tem 348 mil habitantes.