Em 2015, em Paris, o Brasil assumiu um compromisso formal diante da comunidade internacional de reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa (GEE). A promessa, feita espontaneamente, através do que os países chamam de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), previa uma redução de 37% das emissões totais até 2025 e de 50% até 2030. Sempre tomando como base as emissões registradas e comprovadas em 2005, que foram de 2,6 Gt (gigatoneladas ou bilhões de toneladas) de CO2eq. Passados sete anos desde o Acordo de Paris, o Brasil conseguiu a proeza de se afastar cada vez mais da meta. Agora, um estudo feito pela Coppe/UFRJ mostra que o país não só corre o risco de ultrapassar a meta estabelecida em 137% como pode chegar a 2030 com emissões da ordem de 3 bilhões de toneladas, acima portanto, do que tínhamos em 2005. Uma vergonha mundial e uma ameaça concreta ao esforço de todos os países para limitar o aquecimento global a 1,5°C.
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Vale ressaltar que, em 2015, quando os representantes do governo brasileiro assumiram o compromisso de reduzir as emissões, eles chegaram a ser criticados por falta de ambição. À época, prometer reduzir as emissões de 2,6 Gt para 1,3 Gt, em 2030, parecia uma meta tranquila demais de ser alcançada. Afinal de contas, em 2010, cinco anos antes, o Brasil já havia chegado a 1,3 Gt de emissões, graças à redução radical do desmatamento na Amazônia. De lá para cá, todos os indicadores pioraram. As projeções para 2030 levam em conta uma eventual continuidade das políticas ambientais que o atual governo vem adotando nos últimos quatro anos.
Com o nome “Cenário Continuidade”, o estudo científico foi desenvolvido por pesquisadores do Centro de Estudos Integrados Sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (Centro Clima), da Coppe/UFRJ, como parte da iniciativa Clima & Desenvolvimento – uma articulação em prol de um novo projeto de desenvolvimento nacional apoiado na economia de baixo carbono. A iniciativa foi idealizada pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS), pelo Instituto Talanoa e pelo próprio Centro Clima.
Os pesquisadores trabalharam duas hipóteses de cenários de continuidade. No primeiro, o crescimento do desmatamento, principal causa das emissões, segue o ritmo do período 2018-2021 nos biomas Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica e se estabiliza em 2026. No segundo, o desmatamento nestes biomas continua crescendo no mesmo ritmo até 2030.
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Veja o que já enviamosO trabalho mostra que a permanência das atuais políticas ambientais na esfera federal – ou a ausência de ações efetivas – potencializa também os riscos para a sobrevivência da Floresta Amazônica. O estudo leva em conta que o desmatamento do bioma passou de 754 mil hectares em 2018 para 1,3 milhão de hectares em 2021. Isso representa uma elevação média de 183 mil hectares por ano.
A manutenção deste ritmo levaria a região ao que os cientistas chamam de ponto de não retorno. Com o risco de savanização da floresta e consequências graves não só para o meio ambiente no Brasil, especialmente recursos hídricos, mas para todo o planeta. A continuidade da devastação observada nos últimos quatros anos levaria a floresta Amazônica a um desmatamento acumulado de quase 20 milhões de hectares no período 2022-2030, elevando sobremaneira as emissões brasileiras de gases de efeito estufa.
Na conta das termoelétricas
O documento também analisa as emissões de outros setores da economia, como a agricultura, a pecuária, a energia, os transportes, as indústrias e o setor de resíduos. Em relação à energia, os pesquisadores apontam o aumento das emissões de GEE caso se concretize a implantação de 8 GW de termelétricas a gás natural a ciclo combinado, em decorrência da Lei de Privatização da Eletrobras, com aumento nos custos da energia e nas emissões da geração elétrica até 2030. O estudo também projeta o panorama de desaceleração da penetração de biocombustíveis no setor de Transportes, devido à postergação dos prazos de aumento das metas de descarbonização impostos às distribuidoras de combustíveis líquidos para o setor de transportes terrestres.
No entanto, o impacto do desmatamento é sempre o mais preocupante. Os pesquisadores consideraram duas hipóteses de taxas de desmatamento. Em ambos os cenários, as políticas públicas adotadas no período de 2019 a 2022 indicam a retomada do crescimento das emissões de GEE. Neste Cenário de Continuidade, as emissões de GEE prosseguem na tendência de aumento registrada de 2019 a 2022, atingindo 2,2 GtCO2eq em 2025, apenas 13% abaixo do nível de 2005 – aquém da meta de redução de 37% em relação a 2005, o ano base. Em 2030, as emissões de GEE atingem 2,4 GtCO2eq no Cenário de Continuidade 1 – apenas 5% abaixo do nível de 2005 – e 3,0 GtCO2eq no Cenário de Continuidade 2 – 19% acima do nível de 2005. Nos dois cenários, comparadas às metas da NDC de abril de 2022 assumidas no Acordo de Paris, as emissões de GEE ficam 39% acima da meta de 2025. Em 2030, os dois cenários se diferenciam: no cenário onde a partir de 2026 o desmatamento para de crescer, as emissões ficam 91% acima da meta (-50% que no ano-base). No quadro mais alarmante, com o desmatamento crescendo até o final da década, o descumprimento da meta de 2030 extrapola os 137%.
“Será necessária uma reversão da tendência crescente das emissões de GEE do país para se poder cumprir as reduções prometidas na NDC brasileira até 2025 e 2030, e colocar a economia no rumo de alcançar emissões líquidas zero em 2050, objetivo último do Acordo de Paris, com o qual o Brasil se comprometeu. Para isso, é decisivo conter a elevação e reduzir as taxas anuais de desmatamento, principalmente na Amazônia”, afirmam os pesquisadores no documento.
Cenário Mitigação
O relatório traz também o Cenário de Mitigação (dividido em duas hipóteses, CMA1 e CMA2), elaborado pela iniciativa Clima & Desenvolvimento em 2021 e apresentado na COP26, em Glasgow, no ano passado. O documento apresenta estratégias para a retomada do desenvolvimento socioeconômico, com transição justa para o alcance da neutralidade climática do país em 2050. Assim, a trajetória de emissões de GEE seguida até 2030 é compatível com o objetivo geral do Acordo de Paris de alcançar emissões líquidas zero em 2050. São dois os pontos fundamentais:
- Radical redução do desmatamento e aumento de sumidouros de carbono: no CMA1 e no CMA2, a área anual desmatada em 2023 é 17% superior à de 2019. Após 2023, no CMA1, entre 2023 e 2025 é simulada uma queda de 10%. Entre 2026 e 2030 há uma redução de 34%. Já no CMA2, os biomas Amazônia e Mata Atlântica atingem desmatamento zero em 2030, e os demais biomas uma redução de 20%, em relação a 2023, rumo ao desmatamento zero em todos os biomas em 2050.
- Precificação do carbono, abrangendo uma parte das emissões de GEE: o uso de energia fóssil e de processos/produtos industriais (IPPU); a precificação se faz de duas formas: um mercado de cotas comercializáveis de emissões para o setor industrial; e uma taxa de carbono sobre as emissões do uso de combustíveis fósseis nos demais setores da economia, crescendo anualmente até atingir 9,5 US$/tCO2e em 2025 e 19 US$/tCO2e em 2030.