Brasil pode chegar a 2030 emitindo mais gases de efeito estufa do que em 2005

Projeções indicam que país não cumprirá metas estabelecidas no Acordo de Paris se próximo governo não fizer mudanças radicais na agenda ambiental

Por Agostinho Vieira | ODS 13 • Publicada em 15 de setembro de 2022 - 16:33 • Atualizada em 29 de novembro de 2023 - 10:06

Área de floresta destruída em Rondônia: Coalizão Brasil Clima, Agricultura e Florestas alerta que combate ao desmatamento ilegal é fundamental para Brasil reduzir emissões (Foto: Vinicius Mendonça / Ibama – 28/08/2019)

Em 2015, em Paris, o Brasil assumiu um compromisso formal diante da comunidade internacional de reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa (GEE). A promessa, feita espontaneamente, através do que os países chamam de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), previa uma redução de 37% das emissões totais até 2025 e de 50% até 2030. Sempre tomando como base as emissões registradas e comprovadas em 2005, que foram de 2,6 Gt (gigatoneladas ou bilhões de toneladas) de CO2eq. Passados sete anos desde o Acordo de Paris, o Brasil conseguiu a proeza de se afastar cada vez mais da meta. Agora, um estudo feito pela Coppe/UFRJ mostra que o país não só corre o risco de ultrapassar a meta estabelecida em 137% como pode chegar a 2030 com emissões da ordem de 3 bilhões de toneladas, acima portanto, do que tínhamos em 2005. Uma vergonha mundial e uma ameaça concreta ao esforço de todos os países para limitar o aquecimento global a 1,5°C.

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Vale ressaltar que, em 2015, quando os representantes do governo brasileiro assumiram o compromisso de reduzir as emissões, eles chegaram a ser criticados por falta de ambição. À época, prometer reduzir as emissões de 2,6 Gt para 1,3 Gt, em 2030, parecia uma meta tranquila demais de ser alcançada. Afinal de contas, em 2010, cinco anos antes, o Brasil já havia chegado a 1,3 Gt de emissões, graças à redução radical do desmatamento na Amazônia. De lá para cá, todos os indicadores pioraram. As projeções para 2030 levam em conta uma eventual continuidade das políticas ambientais que o atual governo vem adotando nos últimos quatro anos.

Com o nome “Cenário Continuidade”, o estudo científico foi desenvolvido por pesquisadores do Centro de Estudos Integrados Sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (Centro Clima), da Coppe/UFRJ, como parte da iniciativa Clima & Desenvolvimento – uma articulação em prol de um novo projeto de desenvolvimento nacional apoiado na economia de baixo carbono. A iniciativa foi idealizada pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS), pelo Instituto Talanoa e pelo próprio Centro Clima.

Os pesquisadores trabalharam duas hipóteses de cenários de continuidade. No primeiro, o crescimento do desmatamento, principal causa das emissões, segue o ritmo do período 2018-2021 nos biomas Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica e se estabiliza em 2026. No segundo, o desmatamento nestes biomas continua crescendo no mesmo ritmo até 2030.

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O trabalho mostra que a permanência das atuais políticas ambientais na esfera federal – ou a ausência de ações efetivas – potencializa também os riscos para a sobrevivência da Floresta Amazônica. O estudo leva em conta que o desmatamento do bioma passou de 754 mil hectares em 2018 para 1,3 milhão de hectares em 2021. Isso representa uma elevação média de 183 mil hectares por ano.

A manutenção deste ritmo levaria a região ao que os cientistas chamam de ponto de não retorno. Com o risco de savanização da floresta e consequências graves não só para o meio ambiente no Brasil, especialmente recursos hídricos, mas para todo o planeta. A continuidade da devastação observada nos últimos quatros anos levaria a floresta Amazônica a um desmatamento acumulado de quase 20 milhões de hectares no período 2022-2030, elevando sobremaneira as emissões brasileiras de gases de efeito estufa.

Militar do Exército com toras de madeira extraída ilegalmente na Terra Karipuna, em Rondônia: indígenas processam Funai, União e estado por invasão e desmatamento (Foto: Divulgação/25º BIS -Batalhão de Infantaria da Selva - 02/05/2019)
Militar do Exército com toras de madeira extraída ilegalmente na Terra Karipuna, em Rondônia: indígenas processam Funai, União e estado por invasão e desmatamento (Foto: Divulgação/25º BIS -Batalhão de Infantaria da Selva – 02/05/2019)

Na conta das termoelétricas

O documento também analisa as emissões de outros setores da economia, como a agricultura, a pecuária, a energia, os transportes, as indústrias e o setor de resíduos. Em relação à energia, os pesquisadores apontam o aumento das emissões de GEE caso se concretize a implantação de 8 GW de termelétricas a gás natural a ciclo combinado, em decorrência da Lei de Privatização da Eletrobras, com aumento nos custos da energia e nas emissões da geração elétrica até 2030. O estudo também projeta o panorama de desaceleração da penetração de biocombustíveis no setor de Transportes, devido à postergação dos prazos de aumento das metas de descarbonização impostos às distribuidoras de combustíveis líquidos para o setor de transportes terrestres.

No entanto, o impacto do desmatamento é sempre o mais preocupante. Os pesquisadores consideraram duas hipóteses de taxas de desmatamento. Em ambos os cenários, as políticas públicas adotadas no período de 2019 a 2022 indicam a retomada do crescimento das emissões de GEE. Neste Cenário de Continuidade, as emissões de GEE prosseguem na tendência de aumento registrada de 2019 a 2022, atingindo 2,2 GtCO2eq em 2025, apenas 13% abaixo do nível de 2005  – aquém da meta de redução de 37% em relação a 2005, o ano base. Em 2030, as emissões de GEE atingem 2,4 GtCO2eq no Cenário de Continuidade 1 – apenas 5% abaixo do nível de 2005 – e 3,0 GtCO2eq no Cenário de Continuidade 2 – 19% acima do nível de 2005. Nos dois cenários, comparadas às metas da NDC de abril de 2022 assumidas no Acordo de Paris, as emissões de GEE ficam 39% acima da meta de 2025. Em 2030, os dois cenários se diferenciam: no cenário onde a partir de 2026 o desmatamento para de crescer, as emissões ficam 91% acima da meta (-50% que no ano-base). No quadro mais alarmante, com o desmatamento crescendo até o final da década, o descumprimento da meta de 2030 extrapola os 137%.

“Será necessária uma reversão da tendência crescente das emissões de GEE do país para se poder cumprir as reduções prometidas na NDC brasileira até 2025 e 2030, e colocar a economia no rumo de alcançar emissões líquidas zero em 2050, objetivo último do Acordo de Paris, com o qual o Brasil se comprometeu. Para isso, é decisivo conter a elevação e reduzir as taxas anuais de desmatamento, principalmente na Amazônia”, afirmam os pesquisadores no documento.

Cenário Mitigação

 O relatório traz também o Cenário de Mitigação (dividido em duas hipóteses, CMA1 e  CMA2), elaborado pela iniciativa Clima & Desenvolvimento em 2021 e apresentado na COP26, em Glasgow, no ano passado. O documento apresenta estratégias para a retomada do desenvolvimento socioeconômico, com transição justa para o alcance da neutralidade climática do país em 2050. Assim, a trajetória de emissões de GEE seguida até 2030 é compatível com o objetivo geral do Acordo de Paris de alcançar emissões líquidas zero em 2050. São dois os pontos fundamentais:

  • Radical redução do desmatamento e aumento de sumidouros de carbono: no CMA1 e no CMA2, a área anual desmatada em 2023 é 17% superior à de 2019. Após 2023, no CMA1, entre 2023 e 2025 é simulada uma queda de 10%. Entre 2026 e 2030 há uma redução de 34%. Já no CMA2, os biomas Amazônia e Mata Atlântica atingem desmatamento zero em 2030, e os demais biomas uma redução de 20%, em relação a 2023, rumo ao desmatamento zero em todos os biomas em 2050.
  • Precificação do carbono, abrangendo uma parte das emissões de GEE: o uso de energia fóssil e de processos/produtos industriais (IPPU); a precificação se faz de duas formas: um mercado de cotas comercializáveis de emissões para o setor industrial; e uma taxa de carbono sobre as emissões do uso de combustíveis fósseis nos demais setores da economia, crescendo anualmente até atingir 9,5 US$/tCO2e em 2025 e 19 US$/tCO2e em 2030.
Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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