(De Belém, Pará) – Os moradores de Barcarena vivem em um território de constante resistência. Importante polo de mineração no Pará, a cidade – distante cerca de 120 quilômetros de Belém, sede da COP30 – abriga 94 empresas, muitas delas mineradoras multinacionais, responsáveis por cerca de 30 crimes ambientais, cometidos entre 2000 e 2025.
Somos bom de briga e estamos nessa peleja há nove anos contra essa multinacional
Duas dessas empresas, a norueguesa Norsk Hydro, controladora da Alunorte, e produtora de bauxita, e a francesa Imerys, vendida para a americana Artemyn, que produz caulim, serão julgadas no Tribunal dos Povos contra o Ecogenocídio durante a Conferência do Clima. O banco dos réus simbólico está marcado para esta quinta-feira, (13/11) na Universidade Federal do Pará (UFPA), localizada na vizinhança da Zona Azul, onde se encontram os negociadores da COP30.
A poluição provocada pelas mineradoras transtorna a rotina de centenas de moradores da vizinhança. Dia sim, outro também, Cleise Rabelo acorda e os móveis da casa estão coberto de um pó branco. Mesmo lavada, as roupas brancas da família ficam sempre amareladas. A água de beber tem um gosto estranho, que lembra alumínio.
Moradora da Comunidade Quilombola, Indígena e Agroextrativista do Rio Tauá, área rural de Barcarena, município com quase 140 mil habitantes, Cleise Rabelo é uma das vítimas dos impactos causados pelo beneficiamento da bauxita feita pela Hydro nos arredores do território.
Nuvens de fuligem, fumaça tóxica, transbordamento de rejeitos, água contaminada são alguns dos crimes listados e que serão julgados pelos 11 juízes populares reunidos Tribunal dos Povos contra o Ecogenocídio, que vai analisar, no total, 21 casos de violências socioambientais.
Zona de sacrifício
Barcarena já foi uma típica cidade do interior do país; hoje, está no epicentro de uma disputa pela água, pelo ar e pela terra – deslocamentos forçados foram relatados aos pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas “Sociedade, Território e Resistências na Amazônia (Gesterra), da UFPA.
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Veja o que já enviamosA mudança começou a ocorrer na época da ditadura militar, quando o governo decidiu integrar a Amazônia à rota dos grandes projetos de desenvolvimento. A Albrás/ Alunorte, atualmente Hydro/ Alunorte, iniciou sua instalação em Barcarena nos anos 1980, ocupando, inicialmente, uma área total de 40 mil hectares — essa ocupação deu início a transformação do território em zona industrial, ou, como preferem chamar seus moradores, “zona de sacrifício.”
As instalações da Imerys ocupa uma área de 100 hectares e sua capacidade de produção é de 1,6 milhão de toneladas anuais. Como a produção do caulim produz uma grande quantidade de rejeitos, o que acaba demandando a construção de novos depósitos.
“A investigação revela que os desastres ambientais em Barcarena não são meros acidentes de percurso, mas uma expressão da própria lógica que estrutura o modelo de desenvolvimentos imposto à região“, diagnostica João Gomes, coordenador da FASE em Belém.
Montanha de rejeitos em Barcarena
A convite da FASE, o #Colabora participou do “Toxic Tour Barcarena – Territórios em Resistência à Mineração” que ocorreu no último sábado (08/11), um dia depois do fim da Cúpula dos Líderes, que precedeu o início da COP30.
Na delegação, estavam pesquisadores, representantes de organizações da sociedade civil, como o Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAM), e lideranças comunitárias.
Há uma constante luta das comunidades pelo reconhecimento de seus territórios, pelo direito à reparação por danos provocados pela contaminação e pela garantia do direito à água
O grupo não intimidou as empresas: Carlos Espindola, líder comunitário do Tauá, chegou a ser abordado enquanto mostrava a bacia de rejeito da Hydro. Um carro da polícia seguiu o comboio em praticamente todos os percurso. “Somos bom de briga e estamos nessa peleja há nove anos contra essa multinacional”, comentou Espindola, que está acostumado a ser intimidado
Foi um dia inteiro de visita as duas comunidades tradicionais: Tauá, onde moram Rabelo e Espindola, e Curuperé, um território marcado por abundância hídrica onde os moradores dependem de carro-pipa, porque a Imerys/ Artemyn, responsável pelo beneficiamento do caulim, contaminou os rios e igarapés com metais pesados.
Devido aos altos volumes de produção da Hydro/ Alunorte, a empresa, que possui dois grandes depósitos de resíduos sólidos, já foi responsável por quatro vazamento. À época, em 2003, uma lama vermelha e altamente tóxica se espalhou pelas ruas da cidade. Vieram outros acidentes em 2009 e 2018 — este último teve grande projeção nacional.
Crime além fronteiras
Como a França sancionou em 2017 a Lei do Dever de Vigilância, que obriga as empresas francesas se responsabilizarem por crimes de direitos humanos e danos ambientais dentro e fora do país, a ONG Comitê Católico Francês – Terra Solidária (CCFD) está estudando as medidas cabíveis para denunciar a Imerys na França.
“Há uma constante luta das comunidades pelo reconhecimento de seus territórios, pelo direito à reparação por danos provocados pela contaminação e pela garantia do direito à água”, comenta Marco Apolo, assessor jurídico da comunidade e presidente Sociedade Paraense de Defesa de Direitos Humanos.
Até agora invisibilizados, os territórios afetados pelas mineradoras em Barcarena vão aproveitar a COP30 para denunciar o envolvimento do estado do Pará com os crimes cometidos especialmente pela Hydro.
Levantamento feito pela FASE constatou que a empresa desfruta de pelo menos 15 outorgas concedidas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Clima e Sustentabilidade (Semas) para captação de 18,5 bilhões de litros de água por ano, o que equivale a 2,5 vezes o consumo da população de Barcarena.
A Imerys, por sua vez, protagonista de, ainda segunda a FASE, um longo histórico de derramamento de rejeito de caulim nos rios da cidade desfruta de 14 outorgas, o que soma 3,3 bilhões de litros de água por ano.
