A posição do Brasil no Índice de Desempenho Ambiental das Universidades de Columbia e Yale mostra que o país vai ter que se apressar para cumprir a parte que lhe cabe na meta de restauração de 30% dos ecossistemas. Dentre 180 países, o Brasil está na posição 114. Esse índice mede o cuidado com a saúde ambiental. Cientistas do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS) defendem que para ganhar tempo e otimizar resultados, o Brasil precisa planejar ações de restauração e priorizar partes estratégicas dos biomas Cerrado e Amazônia.
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O geógrafo Eduardo Lacerda, coordenador da equipe de modelagem Espacial do IIS, afirma que o planejamento é importante para ganhar eficiência com baixo custo no processo de restauração. “A gente perde mais do que ganha na restauração, pois uma planta leva anos para começar a compensar a supressão, além disso, muitas vezes, se coloca espécies diferentes da vegetação nativa. E há ainda a falta de planejamento espacial que leva a reflorestar áreas sem o critério de prioridade. Quando se planeja, os resultados são potencializados”, explica.
A Plangea Web, plataforma desenvolvida pelo IIS reunindo imagens obtidas por meio de geoprocessamento, aponta que partes do Cerrado e da Amazônia estão contidas nas áreas consideradas prioritárias para restauração global. O mapa mostra que, levando em conta a meta global de conservação de 30% do ecossistemas, no Cerrado e na Amazônia, estão quase um terço das áreas mais importantes.
Essa meta de conservação foi estipulada durante da COP15 da Biodiversidade (a 15ª Conferência da Convenção da Biodiversidade da ONU), realizada em 2022, em Montreal, Canadá. Os dados chamam atenção também para a importância de evitar o desmatamento ilegal, pois os biomas Cerrado e Amazônia, juntos, compõem 11,3% das áreas prioritárias para a meta global, revela o Plangea Web.
Urgência de proteção no Matopiba
A plataforma indica áreas estratégicas dentro dos biomas. É o caso da região do Matopiba, que se estende pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Majoritariamente área de Cerrado, O Matopiba é palco de um proeminente avanço do cultivo de soja, cana-de açúcar, algodão e milho, muitas vezes sem planejamento e avaliação de impacto, o que tem como consequência a extinção de diversas espécies da fauna e da flora.
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Veja o que já enviamosEsse avanço do agronegócio na região compromete, além da saúde ambiental, a sobrevivência de povos e comunidades tradicionais comprovadamente essenciais para a conservação da biodiversidade. “São muitas nascentes mortas, tem nascentes que estão aterradas. No Vale do Arrojado, as únicas nascentes vivas estão nas áreas da nossa comunidade”, afirma o agricultor Jamilton Santos, do município de Correntina, no oeste da Bahia.
Jamilton vive, ao lado de outras 19 famílias, na comunidade de Fundo e Fecho de Pasto Gado Bravo, e, há anos, presencia o desaparecimento de nascentes e a perda de volume de água nos córregos locais. Ele conta que os moradores das comunidades plantam e criam animais, preservando a biodiversidade. Mas percebe que o avanço no desmatamento tem causado danos ambientais. A comunidade tem como característica criar gado, caprino e ovinos em áreas coletivas.
A cada ano, os dados revelam aumento significativo na expansão da fronteira agrícola no Matopiba, sinalizando a intensificação dos problemas relatados por Jamilton. Os pesquisadores do ISS defendem que “é possível aumentar a produção agrícola sem afetar a vegetação natural, especialmente através da viabilização de tecnologias para plantios em pastagens subutilizadas”, como afirma trecho de documento enviado à reportagem do Colabora.
O geógrafo Eduardo Lacerda reforça que áreas onde há extensas atividades produtivas, quase sempre, a plataforma mostra a inviabilidade da restauração decorrente do alto custo por estarem, há anos, sendo espaço de monocultivo. “A Plangea identifica áreas abandonadas, que merecem atenção no que se refere à realizar algum tipo de restauração”, observa.
Estimativas indicam que o Cerrado possui 6 mil espécies de árvores e 800 espécies de aves, além de diversas espécies de abelhas endêmicas, que não se encontram em outro bioma. Além disso, o Cerrado reúne 8 das 12 principais bacias hidrográficas que abastecem o país, razão pela qual é denominado Berço das Águas.
No Cerrado, segundo documento enviado pelo IIS a nossa reportagem, enquanto são registrados 324 mil estabelecimentos agrícolas, há apenas 46 unidades de conservação, 35 terras indígenas e 36 áreas quilombolas. “Esses números demonstram a necessidade de incentivos e ações para garantir a identificação e a proteção de áreas estratégicas para conservação da natureza e mitigação das mudanças climáticas”, diz trecho do documento.
Ameaça do garimpo na Bacia do Tapajós
Rumo ao norte do país, no bioma amazônico, o município de Itaituba, no Sudoeste do Pará, concentra 2,3 milhões de hectares, ou seja, 37% do território municipal está contido nas áreas consideradas prioritárias para a meta global de restauração. A área total do município de prioridade para conservação soma 6,2 milhões de hectares, dos quais dois terços, ou cerca de 4,13 milhões, integram os 10% de áreas cruciais para a conservação da biodiversidade global.
É na região de Itaituba que se encontra a aldeia Sawré Muybu, território do povo Munduruku. Se no Cerrado, a vegetação nativa do bioma foi substituída por monocultura, na Amazônia, a floresta vem sendo desmatada para dar lugar ao garimpo ilegal. De acordo com dados recém divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o garimpo cresceu 787%, entre os anos 2016 e 2022. O território Munduruku é uma das terras em que o Inpe identificou crescimento da atividade.
Com sua aldeia cercada por áreas de garimpo ilegal, Aldira Akay Munduruku – mulher indígena, mãe de três filhos – afirma que, nos últimos anos, percebeu o avanço da degradação ambiental. “Conviver com o garimpo é muito difícil, conviver com o rio sujo como o Rio Tapajós onde a gente vive. Acabaram com as nossas ilhas onde a gente pescava. Hoje, na nossa aldeia, é só draga; a gente tem medo de comer peixe porque tá contaminado com mercúrio”, relata.
O mercúrio a que se refere Aldira é usado como amálgama na extração do ouro durante a atividade garimpeira. Assim como outros povos tradicionais, os indígenas sobrevivem dos recursos naturais, ao mesmo tempo em que cuidam do meio ambiente. Secularmente, esses povos mantêm uma relação íntima com a natureza, o que lhes garante capacidade de observação e percepção do avanço da degradação ambiental.
Segundo a pesquisadora do IIS, ligada à área de desenvolvimento sustentável e ciência aplicada, Bruna Pavani, a participação do Estado é essencial para garantir que o Brasil intensifique sua ação para o cumprimento da meta de restauração global. “Além de haver o crescimento do mercado de carbono, que vem se desenvolvendo no Brasil, é importante zerar o desmatamento. O Estado precisa oferecer incentivos aos pequenos produtores para desenvolver ações de reflorestamento e conservação da natureza”, destaca.
Plataforma para pesquisadores e autoridades públicas
Apontar essas áreas prioritárias para conservação e restauração de ecossistemas é uma das utilidades da plataforma desenvolvida pelo Instituto Internacional para a Sustentabilidade. No mapa interativo da Plangea Web, é possível escolher critérios para simular a priorização de áreas para conservação ou restauração em escala global ou nacional.
A ferramenta pode ajudar pesquisadores, governos e empresas a otimizar o planejamento estratégico do uso da terra e seus impactos socioambientais, de acordo com o diretor-adjunto do IIS, Paulo Branco. “A plataforma ampliará a capacidade de pessoas e instituições de avaliar áreas prioritárias para restauração e conservação de ecossistemas, permitindo decisões mais acertadas e sustentáveis em longo prazo, aspectos fundamentais para enfrentar os desafios das crises de clima e biodiversidade”, afirma o cientista.
Além de mapas com as áreas prioritárias para ações de restauração ou conservação, a Plangea permite o download de gráficos, tabelas, imagens e relatórios com resultados das pesquisas realizadas, incluindo o acesso a dados matriciais. No caso da meta da COP-15 da Biodiversidade, de conservar 30% dos ecossistemas até 2030, a plataforma indica as áreas prioritárias para ações de conservação que podem resultar na redução de 65% das ameaças à biodiversidade.
Com base na ferramenta, o ISS exemplifica que a restauração de apenas 10% da área degradada da Amazônia de forma planejada, a partir dessas áreas prioritárias, reduziria em 25% o risco de extinção de 544 espécies. A maior parte das áreas prioritárias para restauração no mundo estão nas Américas do Sul e Central, na África Subsaariana e no Sudeste Asiático.