ODS 1
Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares. Conheça as reportagens do Projeto Colabora guiadas pelo ODS 1.
Veja mais de ODS 1As sinalizações emitidas pelo Planalto dão conta de que o Velho Oeste está de volta, desta vez na Floresta Amazônica. O desmatamento não para de crescer – só em julho, ele aumentou 278%, segundo o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), e, no último sábado 17, fazendeiros do Pará instituíram o “dia do fogo” e incendiaram pastos e áreas em processo de desmate. Se o ritmo de derrubada da floresta não for desacelerado, o país corre o sério risco de perder o título de potência agrícola mundial, nos próximos 30 anos. O alerta foi feito pelo climatologista e pesquisador brasileiro Carlos Nobre, ontem, na abertura da Semana do Clima da América Latina e Caribe 2019, em Salvador – evento preparatório da Conferência do Clima da ONU, a COP 25, que vai ocorrer no Chile, em dezembro.
Caso o desmatamento chegue a 50% da floresta, diz Nobre, a Amazônia atinge seu ponto de ruptura: “Estamos alterando vários aspectos, como temperatura, fertilidade do solo, aquecimento dos oceanos, elevação do nível do mar, degelo do oceano ártico. Tenho esperança que o Acordo de Paris possa resolver essa situação climática”. Três quartos das emissões brasileiras vêm do uso da terra, o que coloca o país na posição de sexto maior emissor de gases de efeito estufa. O interesse pelo encontro, que não tem poder decisório, superou as expectativas: eram esperadas 3 mil pessoas, mas a reunião contou com 5 mil inscritos, entre representantes dos governos locais, agência multilaterais, organizações do terceiro setor e acadêmicos.
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Dos cerca de 1 milhão de Km² de área da Amazônia já desmatados, 800 mil estão no território brasileiro. Exploração de madeira (a maior parte ilegal), pecuária, agricultura e mineração estão por trás do desmatamento na região. Ainda é cedo para afirmar se o Brasil conseguirá ou não cumprir com os compromissos, ou metas voluntárias, assumidos durante a Acordo de Paris – o maior tratado já firmado a favor do combate às mudanças climáticas e pela estabilização da temperatura no planeta. “Ainda há tempo”, defende Nobre, chamando atenção, que, no entanto, o ritmo está muito lento. “Estamos notando um movimento anticiência, mas o fato de alguns ignorarem a ciência não quer dizer que o problema desaparecerá”, cutucou.
Estamos notando um movimento anticiência, mas o fato de alguns ignorarem a ciência não quer dizer que o problema desaparecerá
Se dependesse do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o encontro sequer estaria ocorrendo. Ele chegou a cancelar a reunião em maio último, logo que o presidente Bolsonaro anunciou a desistência de o país sediar a COP-25 — um recuo que tira do país um protagonismo nas discussões climáticas construído pela diplomacia brasileira, setor privado e organizações do terceiro setor, nas últimas duas décadas. “O Brasil exerceu um papel fundamental no acordo do clima”, lembra André Guimarães, diretor da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)
Ontem, na abertura do encontro, esteve presente a coordenadora-geral de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, Ana Luiza Champloni. Ela participou de um debate sobre precificação de carbono: “O governo vê o mercado de carbono como uma alternativa mais viável para se precificar o carbono do que a taxação”. Dada a postura errática e negacionista do governo quanto às mudanças climáticas, a declaração oficial deixou dúvidas se era uma posição pessoal ou institucional. A criação de um mercado de carbono é um tema polêmico e um dos grandes desafios das negociações globais.
O país se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal até 2030, reflorestar 12 milhões de hectares de florestas e restaurar mais 15 milhões de hectares de pastagens degradas até 2030 e a melhoria de 5 milhões de hectares de sistemas integrados de lavoura-pecuária-floresta. Esse conjunto de medidas faz parte da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) dos países, que, no caso brasileiro, significou o compromisso de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 43% em relação ao nível registrado em 2005.
Somos uma potência ambiental e é impossível pensar no futuro do planeta sem levar em conta os rios, as florestas e a biodiversidade brasileira. E para isso temos metas claras – cumprir o Código Florestal, alcançar o desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira e restaurar 12 milhões de hectares de florestas
Duas iniciativas vêm ajudando o país cumprir as metas do Acordo de Paris – ainda que não sejam suficientes, dado que o principal telhado de vidro é o acelerado desmatamento da Amazônia. O Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil (MapBiomas), que surgiu em 2015 com o objetivo de contribuir para o entendimento da dinâmica do uso do solo no Brasil e em outros países. O outro projeto é Caminhos da Semente, que visa disseminar e alavancar a adoção da semeadura direta, que é uma técnica de baixo custo e alta eficácia, para a restauração florestal no Brasil.
“Somos uma potência ambiental e é impossível pensar no futuro do planeta sem levar em conta os rios, as florestas e a biodiversidade brasileira. E para isso temos metas claras – cumprir o Código Florestal, alcançar o desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira e restaurar 12 milhões de hectares de florestas”, diz Renata Piazzon, gerente do programa Mudanças Climáticas, do Instituto Arapyaú.
Um dos objetivos do encontro em Salvador é, justamente, aumentar a ambição das metas voluntárias dos país. É que as atuais NDCs levariam a um aquecimento entre 2,7 e 3,7 graus Celsius, e o compromisso assumido na conferência do clima de 2015, era que os países mantivessem o aquecimento abaixo de 2 graus Celsius. Entre o grupo do G-20, a Argentina foi o único país que, até agora, já se comprometeu a rever seus compromissos, assumindo metas mais arrojadas. Dois outros países que sinalizaram a possibilidade de adotar mais ambição para enfrentar a crise climática: México e a África do Sul. Do Brasil se espera pouco ou quase nada.
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.