ODS 1
Temperatura global bateu novo recorde nos últimos 12 meses
Mesmo com o enfraquecimento do fenômeno El Niño, média global é a mais alta já registada, ficando 1,64°C acima da era pré-industrial de 1850-1900
“Sou um cientista climático. Se você soubesse o que eu sei, você também ficaria apavorado”
Bill McGuire
O mês de junho de 2024 bateu mais um recorde de temperatura global, constituindo o 13º mês consecutivo mais quente no registo de dados meteorológicos internacionais. O limite mínimo do Acordo de Paris foi superado neste período e essas marcas históricas são motivo de grande preocupação para os cientistas climáticos.
Mesmo com o enfraquecimento do fenômeno El Niño, o mês de junho de 2024 teve uma temperatura média do ar de 16,7°C, com uma variação de 0,14°C acima do máximo anterior estabelecido em junho de 2023. O mês esteve 1,50°C acima da média estimada para os meses de junho para o período de referência pré-industrial, designado como 1850-1900.
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Os dados são do Copernicus Climate Change Service (C3S, na sigla em inglês), Instituto implementado pelo Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo, que publica regularmente boletins climáticos mensais que informam sobre as alterações observadas nas temperaturas globais. A maioria das informações relatadas baseia-se no conjunto de dados de reanálise ERA5, fornecendo uma reconstrução detalhada e consistente das condições atmosféricas globais, utilizando bilhões de medições de satélites, navios, aeronaves e estações meteorológicas em todo o mundo.
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Veja o que já enviamosO gráfico abaixo, do Instituto Copernicus (C3S), mostra como subiu a anomalia da temperatura em relação ao período pré-industrial, para os meses de junho, entre 1979 e 2024. Na década de 1980, as anomalias estavam em média em torno de 0,5ºC, subindo para 1,36ºC em 2023 e atingindo 1,5ºC em 2024.
O gráfico abaixo, também do Instituto Copernicus (C3S), mostra que a anomalia da temperatura de todos os 12 meses entre julho de 2023 e junho de 2024 ficou igual ou acima de 1,5ºC e a temperatura média global destes 12 meses é a mais alta já registada, ficando 1,64°C acima da média pré-industrial de 1850-1900.
Nota-se que os 12 meses de julho de 2023 a junho de 2024 são mostrados com uma linha vermelha grossa, enquanto todos os outros períodos de 12 meses são mostrados com linhas finas sombreadas de acordo com a década, do azul (década de 1940) ao vermelho claro (década de 2020).
A anomalia de 1,64ºC registrada nos últimos 12 meses é preocupante, mas não significa que a temperatura global já tenha ultrapassado definitivamente o limite inferior do Acordo de Paris. A comunidade científica considera que os dados mensais e anuais são importantes, mas uma tendência estrutural deve ser analisada com base em um período mais longo, de preferência abarcando três décadas.
Neste sentido, o Instituto Copernicus fornece uma ferramenta que permite analisar a evolução da temperatura global considerando a média de 30 anos e projetando a data para se atingir definitivamente o limite de 1,5ºC.
O gráfico abaixo mostra a média de 30 anos da temperatura global, entre dezembro de 1970 e dezembro de 2000. A anomalia em relação ao período pré-industrial (1850-1900) foi de 0,70ºC em dezembro de 2000 e, mantendo a tendência, a anomalia de 1,5ºC seria atingida definitivamente em maio de 2045.
Já o gráfico abaixo mostra a média de 30 anos da temperatura global, entre abril de 1994 e abril de 2024. A anomalia em relação ao período pré-industrial (1850-1900) foi de 1,28ºC em abril de 2024 e, mantendo a mesma tendência, a anomalia de 1,5ºC seria atingida definitivamente em maio de 2033.
O que estes gráficos mostram, de maneira inequívoca, é que a temperatura global está aumentando e aumentando de forma acelerada, pois considerando a média de 30 anos entre dezembro de 1970 e dezembro de 2000, o limite de 1,5ºC seria atingido em maio de 2045 e considerando a média de 30 anos de abril de 1994 a abril de 2024, o limite de 1,5ºC seria atingido em maio de 2033. Portanto, houve uma antecipação de 12 anos na projeção para se alcançar o limite mínimo do Acordo de Paris.
A aceleração do aquecimento global e os riscos climáticos
A temperatura global dos últimos 12 meses ficou 1,64ºC acima da média do período pré-industrial (1850-1900). O Planeta não via uma temperatura tão elevada nos últimos 125 mil anos. Provavelmente, a temperatura global deve apresentar uma redução em 2025 e 2026, em função do fenômeno La Niña. Porém, nas tendências atuais, a marca de 1,5ºC deve ser ultrapassada definitivamente no início da década de 2030.
A situação é extremamente grave, pois o aquecimento global é uma ameaça existencial para a civilização humana e para a vida da Terra, por várias razões:
- Aumento acelerado das temperaturas globais: O aquecimento global resulta no aumento das temperaturas médias da Terra, o que eleva a frequência e a intensidade das ondas letais de calor causando mortes, doenças e impactos negativos na infraestrutura econômica, na agricultura e na cadeia produtiva global.
- Derretimento das calotas polares e glaciares: O aumento das temperaturas está causando o derretimento das calotas polares e glaciares, o que resulta na elevação do nível do mar. Isto pode inundar amplas áreas costeiras densamente povoadas, levando à perda de habitação, infraestrutura e terras agrícolas, além das inundações catastróficas.
- Eventos climáticos extremos: O aquecimento global está associado a um aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como furacões, tempestades, inundações e secas. Estes eventos podem causar devastação em larga escala, afetando milhões de pessoas e resultando em grandes perdas econômicas. O furacão Beryl, o maior a atingir o Caribe para o mês de julho, prenuncia uma temporada de furacões muito perigosa.
- Impactos na agricultura e segurança alimentar: Mudanças climáticas podem afetar os padrões de precipitação e as condições de cultivo, resultando em falhas de colheitas e redução da produtividade agrícola. Isto aumenta o preço dos alimentos e ameaça a segurança alimentar global, podendo levar à fome e conflitos por recursos.
- Perda de biodiversidade: O aquecimento global está levando à extinção de muitas espécies e à degradação de ecossistemas. A perda de biodiversidade afeta os serviços ecossistêmicos essenciais para a sobrevivência humana, como a polinização de culturas, a purificação da água e a regulação do clima. A acidificação dos oceanos ameaça a vida marinha.
- Impacto na saúde humana: O aquecimento global contribui para a propagação de doenças tropicais, como a malária e a dengue, e pode exacerbar problemas respiratórios devido ao aumento da poluição do ar. Também pode aumentar o estresse térmico e a desidratação, especialmente em populações vulneráveis.
- Deslocamento e conflitos humanos: A elevação do nível do mar, desastres naturais e a degradação dos recursos naturais podem forçar milhões de pessoas a se deslocarem, criando refugiados climáticos. Esses deslocamentos podem aumentar a tensão social e política, resultando em conflitos e instabilidade.
Esses fatores combinados representam uma ameaça significativa para a civilização humana, pois afetam diretamente a capacidade da natureza de sustentar a vida, a economia global e a estabilidade social. É por isso que é crucial tomar medidas imediatas e eficazes para mitigar as mudanças climáticas e adaptar-se aos seus impactos inevitáveis. Nós brasileiros estamos testemunhando o desequilíbrio climático em 2024, com as inundações catastróficas no Rio Grande do Sul e a seca acompanhada de queimadas trágicas no Pantanal.
Como mostrei no artigo “Alguns países do G20 estão reduzindo as emissões per capita de CO2 e outros não”, publicado aqui no # Colabora (Alves, 24/06/2004), as soluções são conhecidas, mas o que falta é a vontade da governança global em abandonar o blá-blá-blá e a procrastinação e adotar medidas pertinentes para a mitigação da crise climática global.
O Brasil terá duas oportunidades excepcionais de contribuir para a efetivação de medidas concretas para implementar e aprofundar as metas do Acordo de Paris. Nos dias 18 e 19 de novembro de 2024, terá lugar no Rio de Janeiro, a 19ª Cúpula de Líderes do G20. Em novembro de 2025, a cidade de Belém, no Pará, sediará a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30).
A comunidade nacional e mundial espera que o Governo Brasileiro se coloque à altura do momento histórico e consiga contribuir para a formatação de acordos globais sólidos nestes dois importantes eventos da governança internacional, evitando que a continuidade do aquecimento global evolua para um colapso climático catastrófico.
Referências:
ALVES, JED. Alguns países do G20 estão reduzindo as emissões per capita de CO2 e outros não, # Colabora, 24/06/2004 https://projetocolabora.com.br/ods13/alguns-paises-do-g20-estao-reduzindo-emissoes-de-co2-outros-nao/
Bill McGuire. I’m a climate scientist. If you knew what I know, you’d be terrified too, CNN, 07/03/2024
https://edition.cnn.com/2024/03/07/opinions/climate-scientist-scare-doom-anxiety-mcguire/index.html
News. Latest news on the Copernicus Climate Change Service https://climate.copernicus.eu/news
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José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.