Poluição escurece a China

Carvão responde por 70% da matriz energética do país, que teve alerta vermelho acionado durante a COP-21

Por Gilberto Scofield | ArtigoODS 13 • Publicada em 13 de dezembro de 2015 - 18:16 • Atualizada em 16 de dezembro de 2015 - 11:12

Alerta vermelho é acionado em Beijing, na China, durante COP-21

Quem acompanhou a cobertura da imprensa chinesa oficial – Xinhua, CCTV, People’s Daily, China Daily, etc, todas estatais – sobre a Conferência do Clima em Paris, a COP-21, teve a nítida impressão de que o maior emissor de CO2 do planeta hoje é incansável defensor de um planeta mais limpo. Eu, que morei na China de 2004 a 2008 e acompanhei de perto todo o tipo de atrocidade climática possível num país que não se importa com o preço do desenvolvimento, desde que seus mais de 1 bilhão de chineses possam viver com mais dinheiro, duvidei de cara de tanto empenho.

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Quando Mao inaugurou sua era comunista na China, uma das primeiras medidas foi proibir os enterros em caixões. E por quê? Porque não há madeira que dê conta de tanto caixão para enterro num país de 1,3 bilhão de pessoas

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Li e reli na imprensa mundial o compromisso unilateral do país com o que os chineses consideram tolerável em termos de redução do aquecimento global, meta estabelecida na virada do governo do ex-presidente Hu Jintao para o atual, Xi Jinping, quando eu ainda morava no país: cortar a emissão de CO2, por unidade de PIB (Produto Interno Bruto, toda a riqueza produzida num país), entre 60% e 65% em relação às emissões de 2005, quando a China crescia a taxas anuais acima de 11%. Além disso, a China vem investindo pesado – US$ 89 bilhões, segundo bancos de investimento – em fontes renováveis de energia nos seus vários novos projetos de infraestrutura, indústria e energia por todo o país. É um esforço louvável: o país quer que essas fontes cheguem a 20% da matriz energética em 2030, ano em que a China alega que atingirá o pico de emissão de gases do efeito estufa.

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Tá tudo muito bonito, tudo muito bacana, mas há controvérsias. Em primeiro lugar, é preciso destacar que o super poluidor carvão ainda representa cerca de 70% da matriz energética do país. E apesar do compromisso assumido no encontro de cúpula da China com os EUA ano passado – os dois maiores poluidores do planeta, aliás -, a China não tirou do papel nenhum projeto de captura e armazenamento de carbono (CAC), que poderia ajudar o país a reduzir o impacto de sua matriz energética imunda. Desde os anos 80, a China consome metade do carvão produzido no mundo.

A China, e de resto todos os países pobres ou em desenvolvimento, como o Brasil, têm todo o direito a tornarem suas economias e populações prósperas. O problema não é o desenvolvimento ou a prosperidade. O problema é a forma como os países querem chegar a esse patamar. Explorar os recursos naturais à exaustão não é sustentável. Consumir enlouquecidamente como forma de manter de pé uma economia, como pregam os EUA, não é sustentável. Quando Mao Zedong inaugurou sua era comunista na China, uma das primeiras medidas foi proibir os enterros em caixões e determinar a cremação como “despedida fúnebre oficial”, digamos. E por quê? Porque não há madeira que dê conta de tanto caixão para enterro num país de 1,3 bilhão de pessoas. Alguém consegue imaginar a que ponto de exaustão o planeta vai chegar se os 1,3 bilhão de chineses e os 1,1 bilhão de indianos tiverem, todos, o mesmo padrão de consumo dos americanos? Todo mundo morando em McMansions no subúrbio e andando de SUV para cima e para baixo? Compra a TV, a TV quebra, o sujeito joga fora e compra outra? Isso não vai dar certo.

Eu entendo muito a preocupação do G-77 – um saco de gatos que reúne países emergentes da América do Sul, Central, África, Sudeste Asiático e Oriente Médio (China e Índia incluídos) – com o chamado “princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, acolhido na Convenção do Rio de 1992, segundo o qual os países desenvolvidos devem realizar mais esforços para reduzir emissões e ainda ajudar econômica e tecnologicamente os países em desenvolvimento a fazerem o mesmo. Afinal, se o planeta chegou aonde chegou, foi porque lá atrás os países enriqueceram destruindo seus recursos naturais de forma insustentável. Mas isso não tira dos membros do G-77 suas próprias responsabilidades.

Segundo um estudo de Harvard recentemente divulgado, a China emite hoje a mesma quantidade de CO2 que os EUA e a União Europeia juntos. Eu me lembro de dias em Pequim em que a poluição era tanta que os olhos ardiam e a cidade parecia tomada por um fog eterno. O consumo de carvão na China caiu ano passado, mas não está claro se a redução se deu por conta de mudança na matriz energética ou porque a economia simplesmente desacelerou. Então é aí que está o fator que fará toda a diferença: como a China planeja produzir a energia que turbinara seu crescimento no futuro? Na província de Gansu, o país monta o que é considerado o maior parque de geração de energia eólica do mundo. É sensacional, mas segundo o Climate Action Tracker – uma colaboração entre vários institutos de pesquisas climáticas –, não é suficiente e o esforço do país para reduzir suas emissões é taxado apenas como “mediano”.

A COP-21 terminou com as promessas de sempre. Faltam metas claras e verificáveis. Sem isso, tudo não passa de um momento de boas intenções muito, mas muito alienado para a catástrofe climática que se avizinha.

Gilberto Scofield

É jornalista e, atualmente, trabalha como consultor de comunicação da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, em Brasília. Além de ser sócio-fundador da empresa Butique Comunicação e marca. Foi editor do jornal O Globo e repórter especial da sucursal de São Paulo após ter passado cinco anos como correspondente em Pequim, na China, e dois anos como correspondente em Washington, nos EUA. retornando ao Brasil em 2010. É colaborador da Globonews, comentarista da rádio CBN e autor do livro "Um brasileiro na China", publicado em 2006. Autor dos blogs "No Império – impressões de um brasileiro na capital dos EUA" e "No Oriente diário de um brasileiro na China“ (Globo Online). Ao longo de sua carreira, escreveu para o Jornal do Commercio, do Rio, Revista Exame, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo, Revista Época, IG Finance, O Globo e Globo Online.

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