Uma nova era de ativismo empresarial no Brasil

Movimento com mais de 70 empresas trabalha para mostrar o quanto o Brasil perde e deixa de ganhar por não aderir a práticas mais sustentáveis

Por Marina Grossi | ODS 12ODS 9 • Publicada em 15 de setembro de 2020 - 08:03 • Atualizada em 17 de setembro de 2020 - 09:48

A preservação da Amazônia é um dos focos do ativismo empresarial: executivos têm se reunido com autoridades (Foto: Florence Goisnard/AFP)

O Brasil vive um momento crucial, de cobranças internacionais sobre o cumprimento de compromissos de redução de emissões e combate ao desmatamento ilegal. É, também, uma chance de acelerar a transição para uma nova economia descarbonizada e posicionar o País para o tema que vai dominar os negócios nos próximos anos. Uma chance única de elevar o País ao papel de protagonista mundial em sustentabilidade.

Não poderia ser mais oportuno o momento para o início desta coluna, que passo a publicar, para abordar o viés da sustentabilidade no mundo dos negócios. Há muito o que falar. No dia 5 de setembro, celebramos o dia da Amazônia e, se por um lado o dia registra nossa preocupação com o avanço da devastação da Amazônia e outros biomas, por outro podemos celebrar um despertar conjunto para a importância da causa, não mais restrita a ambientalistas e manifestantes partidários.

Demos início a uma nova era de ativismo empresarial no Brasil.

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São companhias que perceberam que adotar práticas sustentáveis melhora o negócio e, por isso, são as mais bem-sucedidas e serão cada vez mais. Um exemplo é o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), criado em 2005, e que possui em 2020 uma carteira que engloba 37,62% (R$ 1,64 trilhão) do valor total do mercado acionário do Brasil, segundo dados da B3. Em geral, as ações destas empresas estão à frente das que ainda não adotaram os critérios ESG.

O movimento também vinha crescendo entre investidores. Em 2018, acionistas praticamente obrigaram a gigante petroleira ExxonMobil a investir em energias renováveis para compor seu portfólio, e compensar emissões para uma eventual precificação do carbono no mercado global. No ano passado, vimos ações emblemáticas, como o Banco Mundial deixando de financiar combustíveis fósseis. Em janeiro de 2020, pouco antes do mundo ser abatido pela pandemia de covid-19, Larry Fink, CEO da BlackRock, maior gestora de fundos investimentos no mundo, sentenciou que critérios ESG norteiam suas avaliações sobre o desempenho de empresas. Depois dele, outros fundos seguiram essa trajetória, asfixiando cada vez mais os negócios que não estejam em linha com premissas socioambientais.

A pandemia acelerou processos que esperávamos ver acontecer ao longo dos próximos anos. A generalização do home office demonstrou que um executivo não mais precisa passar horas no avião para um encontro do outro lado do mundo, por exemplo. Além da queda nos custos da empresa, otimizações de produtividade como essa proporcionam redução das emissões de carbono em viagens desnecessárias, sem contar ganhos na saúde de executivos por evitar o desgaste de longos percursos em pouco tempo.

O isolamento social e a redução drástica da atividade econômica também trouxeram imagens impressionantes de rápida regeneração natural: mares, céus e rios mais limpos. Percebo, ainda, uma maior consciência no consumo, aceleração da digitalização e de processos inovadores.

Porém, a pandemia também explicitou mazelas que estavam visíveis, mas, de tão banalizadas, não mobilizavam os agentes financeiros. A falta de saneamento básico ficou ainda mais evidente, quando vimos que boa parte da população não poderia cumprir as recomendações básicas de lavar as mãos, por não dispor de uma torneira em casa. As submoradias demonstraram de modo claro a dificuldade de isolamento social em comunidades carentes de todas as regiões do País. E o sistema público de saúde, tão sucateado, mostrou-se mais que nunca necessário, e revelou a fundamental importância do papel do Estado nesta gestão. Ao mesmo tempo, líderes empresariais também passaram a fazer mais pela saúde, uma área que tem enorme potencial de parceria e trabalho conjunto com o poder público.

Com todos esses sinais, o setor empresarial, que desde 2015 se vê imbuído da aplicação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em suas operações, pôde enfim entender que seu papel vai além leis e das obrigações. Seu papel extramuros é fundamental, inclusive, para a sobrevivência dos seus negócios, o que traz novos desafios para a atuação empresarial. De que adianta, por exemplo, fazer uma boa gestão operacional sem direcionamento correto de resíduos que se acumulam nos afluentes na bacia hidrográfica e podem inviabilizar o uso deste recurso natural num futuro próximo? A gestão dos impactos sociais das atividades no meio em que a empresa atua e junto a todos os seus públicos de interesse passa a ser mais abrangente e deixa de ser uma via de mão única: é sistêmica. Cada elo dessa cadeia movimenta toda engrenagem e não é mais possível atuar de maneira isolada.

A construção dessa consciência culminou com uma decisão do Conselho de Líderes do CEBDS, formado por CEOs de 60 das maiores empresas do País, em maio deste ano. Fórum onde discutimos estratégias de atuação conjunta em prol da sustentabilidade, o Conselho de Líderes identificou a necessidade de um posicionamento público e inequívoco de empresários sobre a proteção da Amazônia e outros biomas. Em parceria com a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e a Rede Brasil do Pacto Global das Nações Unidas lançamos um Comunicado Empresarial, pedindo atenção à agenda necessária. Uma agenda de Estado e não de governo ou partido.

Mais de 70 empresas aderiram a este movimento. Desde julho, temos nos reunido com as cúpulas do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e de governos estaduais para apresentar esta agenda e mostrar o quanto o Brasil perde e deixa de ganhar por não aderir a práticas mais sustentáveis. Estudo recente liderado pela WRI Brasil e que também contou com a participação do CEBDS, apontou perspectivas de negócios de R$ 2,8 trilhões, com a geração de dois milhões de empregos até 2030, a partir da adoção da economia verde no período pós-pandemia.

Marina Grossi

Marina Grossi, economista, é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade com mais de 100 empresas associadas cujo faturamento somado equivale a quase 50% do PIB brasileiro. Foi negociadora do Brasil na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima entre 1997 a 2001 e coordenadora do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas entre 2001 e 2003.

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