A pandemia do coronavírus devastou a economia e bateu mais pesadamente nos pobres. Milhões de brasileiros ficaram desempregados e sem alternativa de renda, como acontece com trabalhadores informais, que perderam sua receita pela diminuição do fluxo de pessoas, especialmente nas periferias. Além disso, a própria retração econômica freou o consumo – e, como em toda crise, as pessoas com menos recursos sofrem mais.
No entanto, as iniciativas de apoio surgem justamente das comunidades populares de todo o país. E mais, de startups. De acordo com a Associação Brasileira de Startups, o Brasil conta com mais de 10 mil delas. Dentro das periferias não existe um dado de quantas são. Pois é daqui que iniciativas surgem para mitigar os impactos da crise
Rede de ajuda
A Agência Solano Trindade no bairro Capão Redondo, na zona sul da capital paulista, transformou-se de um centro de apoio à economia em rede de apoio e articulação para doações de alimentos. Inicialmente um polo para o desenvolvimento da economia solidária e criativa, a agência foi lançada em 2012 e cinco anos depois inaugurou o primeiro espaço de coworking da periferia em maio de 2017. Eventos culturais, aulas de culinária e outras atividades reuniam em média 100 pessoas todos os dias.
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Veja o que já enviamosMas devido à crise, a agência assumiu outra frente. “Assim que foi anunciada a pandemia pelo governo de São Paulo fechamos o espaço. Mas ao mesmo tempo já pensando em alternativas para continuar nosso trabalho de apoio à comunidade”, relata Alex Barcelos, 40 anos, diretor.
Duas frentes ganham destaque. O projeto Família Ajuda Família e o Éditodos. O Família Ajuda Família procura unir famílias da periferia, poupados pela pandemia, para a doação de alimentos e itens de higiene aos mais afetados.
A princípio era na zona sul da capital, mas se espalhou para outros bairros periféricos, outras cidades da grande São Paulo e até aldeias indígenas. Cerca de 130 famílias foram atendidas na primeira etapa com o recebimento de três cestas básicas e kits de higiene, além de uma cesta de comida orgânica e vale gás.
Na segunda etapa, já são 233 famílias prontas para receber apoio direto da agência, que agora conta com a parceria de empresas dos mais variados setores. Já foram doados livros infantis para ajudar no aprendizado de crianças e até 22 mil pares de chinelos.
“Nossos doadores e voluntários das redes em outras favelas estão trabalhando direto para atender mais gente. Segundo nossas estimativas mais de 25 mil pessoas já foram ajudadas com nossas ações e na próxima etapa podemos dobrar o número”, afirma Alex.
E não para por aí. A agência faz parte com mais cinco empresas de fomento econômico na periferia do fundo Éditodos para auxiliar microempreendedores. O fundo quer doar, não emprestar, dinheiro para 500 empreendedoras negras de periferia que tiveram seus negócios abalados na pandemia. “Estávamos criando uma plataforma junto com nossa rede de fomento no Brasil para facilitar nossas ações e ajudar microempreendedores. Mas era para outra finalidade. Pela crise, tivemos outro propósito. Ajudar de forma direta, com dinheiro, empreendedoras negras nas periferias de todo o Brasil”, conta Alex Barcellos.
Economia local
Sobre empreendedorismo, o baiano Iago Silva dos Santos, 27 anos, criou o delivery TrazFavela para fortalecer a economia das periferias de Salvador. Com pouco mais de um ano de existência, a startup começou as operações em dezembro de 2019 com entregas de itens dentro de 15 bairros na capital baiana. “Quando ia pedir comida ou qualquer outra coisa em aplicativos de entrega eles não faziam meu bairro. Dão a volta, mas não entregam”, explica Iago. Hoje a empresa tem 15 empreendimentos cadastrados e o que mais entregam são alimentos e produtos de sex shop.
No meio da pandemia, a startup criou um crowdfounding solidário para ajudar na geração de renda de mais de 100 comércios e motoboys em periferias de Salvador, além de estar elaborando plataforma online para empreendedores locais mostrarem seus produtos e aumentar a chance de vendas nas comunidades. “Acredito muito no comercio periférico, a favela tem que levantar dinheiro para a própria favela e gerar emprego ainda mais nessa crise”, conta Iago. Hoje, mais de 10 motoristas estão cadastrados e 45 seguem na fila de espera para o TrazFavela.
Iago trabalha com mais três colegas, todos com ocupações paralelas enquanto tocam o projeto. O aplicativo segue em desenvolvimento, mas recentemente o TrazFavela participou do ecossistema de startups do Google Brasil.
Esquecidas historicamente pelo poder público, as favelas encontram suas soluções dentro de si mesmas, na força de seu povo.