Mais de 100 organizações da sociedade civil e 135 cientistas divulgaram nota técnica com duras críticas ao Decreto Presidencial 10.833/2021, que facilita a aprovação de agrotóxicos no Brasil, inclusive produtos já proibidos nos Estados Unidos e na Europa. “O decreto presidencial de 7 de outubro incorporou o que de mais crítico havia no ‘Pacote do Veneno’. Agora, o uso de agrotóxicos torna-se ainda mais ameaçador para a saúde e o meio ambiente. Além disso, o decreto coloca a agricultura brasileira mais longe de alcançar as exigências de importantes mercados consumidores preocupados com as crises hídrica, energética e climática e com a proteção da saúde e do meio ambiente”, alerta o documento.
O ‘Pacote do Veneno” refere-se ao Projeto de Lei nº 6.299/2002, que tramita há quase duas décadas no Congresso Nacional com objetivo de alterar a Lei dos Agrotóxicos, de 1989, exatamente para flexibilizar a proibição de produtos associados a doenças graves e retirava a participação das áreas de saúde e meio-ambiente nas decisões sobre esses pesticidas, entre outras medidas. O decreto assinado por Bolsonaro incorpora essas diretrizes. “Estamos indo na contramão de outros países que buscam fortalecer a produção de alimentos de forma saudável, para quem come e quem planta”, afirmou a biomédica Karen Friedrich, pesquisadora da Fiocruz e integrante do grupo temático Saúde e Ambiente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).
A nota técnica, em sua análise do decreto, lista 16 pontos com graves impactos à saúde humana, ao meio ambiente e à agricultura brasileira. ““As alterações trazidas pelo Decreto 10.833/21 são muito preocupantes. Dificultam o acesso a informações relevantes para a sociedade, mas principalmente, permitem que sejam registrados no país produtos muito tóxicos para a saúde das pessoas, em especial de grupos mais suscetíveis, como agrotóxicos reconhecidamente cancerígenos, que causam problemas hormonais e reprodutivos, além de malformações em bebês”, acrescentou a pesquisadora.
Entre os pontos considerados críticos, os autores destacam que “diferentes dispositivos resultam na menor transparência nos pedidos e processos de registro”; o decreto “elimina a obrigatoriedade do Ministério da Saúde de avaliar a eficácia de produtos agrotóxicos utilizados no controle de animais, insetos e microorganismos transmissores de doenças”; a lista de prioridade para análise dos pedidos de registro passa a ser definida pelo Ministério da Agricultura: “questões de toxicidade para a saúde humana e periculosidade ambiental deixam de ser, necessariamente, consideradas na definição de prioridades”; e a nova norma “torna ineficaz o dispositivo da Lei 7.802/1989 que determina a proibição do registro de produtos que possam causar câncer, mutação genética, problemas reprodutivos, hormonais e malformações de bebês”.
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Veja o que já enviamosDe acordo com a nota técnica, o decreto prejudica a atuação dos órgãos essenciais para a proteção da saúde e do meio ambiente e reduz o acesso à informação para a população em geral e também para os órgãos municipais e estaduais. “O decreto torna o mercado brasileiro o paraíso dos agrotóxicos mais tóxicos, ineficazes e obsoletos. Este cenário impactará sobremaneira a população, principalmente a agricultura brasileira, por não ser um mercado de interesse para que fabricantes ofereçam produtos com maior tecnologia de eficácia e segurança”, alerta o documento.
Os autores apontam ainda que o decreto não diferencia os produtos com maior potencial de induzir doenças como o câncer daqueles que causam efeitos menos graves, permitindo que esses produtos mais prejudiciais obtenham registro com mais facilidade e abre caminho para que países com legislação mais protetora contra o uso de agrotóxicos e com legislações restrinjam a importação de produtos brasileiros. “O decreto, é mais uma medida do governo brasileiro que segue a passos largos na intensificação de um modelo de produção e consumo de alimentos que traz prejuízos à saúde das pessoas e do planeta”, afirma o nutricionista Rafael Arantes, analista de regulação do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec, uma das organizações que assina a nota ao lado da Abrasco, do Instituto Sociedade, População e Natureza, do Greenpeace Brasil, da Fundação Osvaldo Cruz, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário, entre mais de 100 entidades.
A nota técnica também vê inconstitucionalidade no decreto presidencial, argumentando que, ao facilitar o registro de substâncias cancerígenas, mutagênicas e causadores de distúrbios hormonais ou reprodutores, pontos apontados como críticos, a norma infralegal editada por Bolsonaro violaria os direitos fundamentais e sociais garantidos pela Constituição. “O instrumento utilizado, um Decreto Presidencial, extrapola as competências do Poder Executivo ao inovar e usurpar o disposto na Lei 7.802/1989, sendo, portanto ilegal e eivado de inconstitucionalidade em forma e conteúdo”, afirmam os autores.
O documento vai ser encaminhado ao Congresso Nacional, que tem a competência de sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa, e ao Supremo Tribunal Federal, responsável pelo controle de constitucionalidade de atos normativos federais (art. 102, inciso I da Constituição Federal).