Odiney Pedroso fez 90 anos em 1º de agosto, justamente no dia em que eu bati à sua porta para conversar sobre a avalanche de emoções que invadiu sua vida. Alfaiate há 75 anos, ele virou notícia depois que um desabafo sobre a situação de sua camisaria, no bairro da Lapa, em São Paulo, viralizou. “Na verdade, eu já era famoso, só fiquei um pouco mais”, me disse, bem-humorado e leonino que é. Seu Pedroso viu seus pedidos caírem de 20 a 25 camisas para apenas cinco ou seis por mês, desde o início da pandemia. Depois do post, as encomendas surpreenderam: “Não merecia tudo isso, mas estou muito grato”. Com o plano de trabalhar até os 100 anos, Seu Pedroso se diz feliz e realizado com o carinho que recebeu. É reconfortante saber que, juntos, nós contribuímos para dar fim à sua aflição – mas ele é apenas um dentro de uma classe inteira de trabalhadores que precisa de nossa ajuda para manter os negócios e sustentar as famílias.
Floriza Pinheiro tem 61 anos e costura desde os 21. A vida estava agitada e cheia de projetos até dia 11 de março, quando tudo parou. “Agora estou em casa, quase sem receber pedidos e sem saber como vou conseguir pagar o aluguel”, conta ela, moradora do Jardim Miriam. No início da pandemia, Floriza produziu e vendeu máscaras, mas logo a oferta aumentou e a procura caiu. Está fazendo agora moletons, cuecas, saias e blusas, que anuncia na sua página no Instagram (@florizapinheiro). Ela, que sempre pagou as contas em dia, hoje mal consegue dinheiro para comprar creme dental, sabonete e xampu.
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Veja o que já enviamosItaima Soares e Aparecida Inácio Pereira, outras duas costureiras paulistanas, vivem realidades semelhantes. Dona Ita tem 70 anos, mora no Taboão da Serra e vem de família tradicional de costureiros – os pais, os avós e as tias eram mestres da agulha e da linha. Até a pandemia estourar, ela fazia figurinos para teatro, clipes e eventos. Teve que parar tudo. Ela mora sozinha e precisou enxugar as despesas ao máximo para conseguir se sustentar. “Se tudo der certo, logo isso passa e eu volto a trabalhar”, diz, esperançosa. É o que também espera Aparecida – a Dona Cidinha –, 63 anos, que fechou as portas do seu ateliê no bairro dos Jardins e ficou em casa, no Sacomã, durante os primeiros meses da pandemia. “Negociei o aluguel e vivi da aposentadoria, junto a uma pequena economia que não vai durar muito”, conta. Agora, de volta ao trabalho, torce para a clientela também reaparecer. “Tenho atendido a um ou dois clientes por semana, quando muito”.
Manter as Florizas, as Cidinhas e as Itas ativas é mais fácil e vantajoso do que pode parecer. Comprando uma peça confeccionada por esses profissionais, você pode participar ativamente da criação da roupa, da escolha do modelo e do tecido. O resultado é um produto personalizado e único, que atende perfeitamente às medidas do seu corpo, já que cada um de nós tem suas próprias características. Esse tipo de consumo tem ainda uma grande vantagem: o processo de produção é transparente. Uma peça de roupa pode incluir até 100 processos, entre moldes, cortes, costuras e beneficiamentos, como silks e bordados. As marcas muitas vezes terceirizam todos esses processos, então fica difícil rastrear se as roupas são produzidas de forma ética, e se os colaboradores têm condições dignas de trabalho. (LEIA MAIS: Como saber se minha roupa foi feita por trabalho escravo?)
Até a pandemia estourar, Dona Ita, de 70 anos, fazia figurinos para teatro, clipes e eventos. Teve que parar tudo (Foto: Arquivo Pessoal)Para valorizar o trabalho dos pequenos produtores, comece conhecendo quem são os costureiros de seu bairro e levando peças para consertar. Além de aliviar o peso do seu bolso, estender a vida útil de uma roupa por 9 meses pode representar uma economia mundial de oito bilhões de dólares! Quem fez essa conta foi Frances Corner, historiadora e acadêmica britânica de arte e design, autora do livro “Why fashion matters” (“Por que a moda importa”, ainda não lançado no Brasil), que eu recomendo de olhos fechados. Imagine se o mundo inteiro fizesse isso, o quão agradecido ficaria nosso planeta! Mais uma coisa superbacana do consumo local: os produtos se deslocam menos e, assim, gastam menos combustível para chegar até você.
Não estou dizendo que você não possa comprar roupas de marca. Sou da indústria da moda, apoio os milhões de trabalhadores que fazem parte dela e digo: é possível consumir produtos industrializados de forma sustentável e consciente.