Nascida no interior do estado do Rio e de origem rural, a engenheira florestal Evelyn Miranda, formada pela Universidade Federal de Viçosa, trabalhou como consultora ambiental para grandes empresas em Belo Horizonte e Florianópolis até cinco anos atrás quando decidiu “vir para o mato” e investir na produção agrícola. “Nós queríamos trabalhar diretamente com a terra e cultivar produtos saudáveis com os conhecimentos que tínhamos”, conta Evelyn, de 35 anos – o “nós” inclui o marido, Rômulo Arruda, gestor ambiental, seu parceiro também na Fazenda Meio Hectare, projeto de agricultura familiar, com produção orgânica, baseada em princípios agroecológicos.
Só no lado fluminense do Vale do Paraíba, são mais de 600 produtores rurais certificados como orgânicos pelo SPG (Sistema Participativo de Garantia) da Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (Abio). São mais centenas do lado paulista do Vale do Paraíba e outras centenas no Sul de Minas Gerais, do outro lado da Serra da Mantiqueira, que fica na divisa entre os três estados. “Há uma nova geração de produtores rurais interessados em investir em agroecologia e produtos orgânicos. Muitos têm raízes rurais e estão reencontrando suas raízes, mas há também aqueles que deixaram a cidade e buscam um novo modo de vida”, afirma Cinthia Mendonça, uma das idealizadoras do CaipiraTech Lab, iniciativa desenvolvida pela Silo – Arte e Latitude Rural, para aproximar produtores e consumidores da Serra da Mantiqueira e do Vale do Paraíba.
O objetivo do CaipiraTech é integrar sistemas agroalimentares locais dessas regiões desde as primeiras etapas produtivas até a chegada aos consumidores. A primeira etapa do programa começou com o mapeamento e a campanha de divulgação das famílias produtoras rurais da região e de pequenos estabelecimentos de manufatura/beneficiamento de produtos locais, um trabalho ainda em andamento. Entre setembro e outubro, foram selecionados 15 produtores rurais – de municípios como Resende, Volta Redonda e Valença, no Rio de Janeiro; Bocaina de Minas, Carvalhos e Camanducaia, em Minas Gerais; e Taubaté, São Paulo – para cursos online sobre finanças, gestão e comunicação.
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Veja o que já enviamosPara Evelyn Miranda, o curso é valioso não apenas pelos temas, mas também pela troca de experiência. “Nós temos muitos problemas em comum, principalmente com a logística de armazenamento dos produtos e de transporte”, explica a agricultora, que produz verduras, frutas e leite na Meio Hectare. O nome da fazenda – no vilarejo de Dorlândia, no município de Barra do Piraí, perto da divisa com Volta Redonda, no Vale do Paraíba – é uma homenagem ao pequeno sítio da avó de Evelyn, que tinha exatamente este tamanho. Foi para lá que a engenheira florestal se mudou com o marido e o enteado há cinco anos. “Muita gente disse que era impossível produzir num lugar tão pequeno. Mas nós conseguimos, ganhamos clientes para a nossa produtos e conseguimos uma fazenda maior”, conta, orgulhosa.
A Meio Hectare hoje tem quatro hectares para plantações – alternadas – de feijão e milho; dois hectares para horta, onde são plantados brócolis, couve-flor, abóbora tomate, alho-poró, alface, manjericão, cheiro verde, alecrim; dois hectares para frutas (morango, cereja, framboesa, amora; meio hectare para um bananal; e uma área para criação de gado leiteiro. Antes da pandemia, os principais clientes da fazenda eram escolas da região – a produção também era vendida nas muitas feiras da região. Com as escolas fechadas e as aulas suspensas, Evelyn reforçou o serviço de entrega direta aos consumidores de cidades da região: além de Barra do Piraí, também Volta Redonda e Resende. “O objetivo é chegar a mais consumidores interessados em produtos orgânicos, mas as dificuldades de transporte, armazenamento e embalagem são grandes desafios a serem superados”, afirma a produtora rural.
O curso do CaipiraTech também teve a participação de uma representante de assentamentos do MST (Movimento dos Sem Terra). “Os assentamentos produzem muito tomate, tudo de forma orgânica, sem veneno. E contradizem a regra, porque dizem que não dá para cultivar tomate sem veneno”, afirma Edneia Araújo, de 43 anos, filha e neta de trabalhadores rurais. A agricultora faz parte do coletivo Alaíde Reis, que reúne integrantes de três assentamentos – Irmã Dorothy, em Quatis, Roseli Nunes e Terra da Paz, em Piraí – frutos de reforma agrária no Vale do Paraíba fluminense. Os assentamentos também produzem frutas, como abacaxi e banana, verduras e hortaliças. Os problemas – de infraestrutura e logística – são semelhantes aos de outras produções com base agroecológica na região.
Para Cinthia Mendonça, o CaipiraTech Lab funciona como um laboratório de desenvolvimento para os processos de produção. “Nosso objetivo é lançar no segundo semestre de 2021 uma plataforma reunindo produtores e consumidores e também outras pessoas dessa cadeia produtiva, responsáveis por embalagens, armazenamento, transporte…”, afirma a fundadora e diretora do Silo, organização com sede na Serrinha do Alambari, uma Área de Proteção Ambiental, em Resende, na divisa do Rio com São Paulo, e que atua, além da agroecologia, em projetos nas áreas de arte, ciência e tecnologia.
A diretora do Silo explica que a construção da plataforma será feita em conjunto com os produtores rurais do Vale do Paraíba e da Serra da Mantiqueira. “Nosso objetivo é estimular e divulgar a produção local e também o consumo de produtos orgânicos na própria Queremos usar a tecnologia para desenvolver essa rede”, explica Cinthia Mendonça, afirmando acreditar que o modelo ideal teria a participação de todos, com os consumidores e outros atores participando também da produção. Dados da Associação de Promoção da Produção Orgânica e Sustentável (Organis) mostram que, atualmente, os orgânicos não representam nem 1% dos alimentos produzidos no país. O Brasil tem hoje 22 mil produtores de orgânico, que movimentam anualmente cerca de R$ 4,5 bilhões, com de crescimento médio de 15% a 20% ao ano.