Mercado de carbono: decreto dá o 1º passo, mas é preciso avançar

Setor empresarial vê pontos positivos em iniciativa do governo mas alerta para lacunas e questões em aberto

Por Marina Grossi | ArtigoODS 12 • Publicada em 16 de junho de 2022 - 07:21 • Atualizada em 30 de novembro de 2023 - 15:28

Em maio, o Brasil deu um primeiro passo na direção da regulamentação de um mercado doméstico de créditos de carbono, com a publicação do decreto 11.075/2022 do governo federal. O texto, ancorado na Política Nacional sobre Mudança do Clima (a PNMC, lei 12.187/2009), pode ser um ponto de partida para a precificação dos gases do efeito estufa no Brasil, mas precisa ser aperfeiçoado tanto nas propostas como para um direcionamento de um projeto de lei do Executivo federal.

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A construção de um marco regulatório para o mercado de créditos de carbono tem sido uma bandeira do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) desde 2016, e historicamente somos reconhecidos como uma das principais organizações trabalhando para trazer esses avanços. Participamos ativamente da primeira proposta nessa direção, no âmbito do Projeto PMR (Partnership for Market Readiness), parceria entre o Ministério da Economia e o Banco Mundial, e apresentada em 2017 ao governo federal. Depois, realizamos quase uma dezena de workshops sobre o tema, colhendo contribuições de empresas dos mais variados segmentos para a construção de um projeto positivo para o Brasil.

Assim, desde o ano passado, o setor empresarial vem discutindo o tema de forma mais robusta com a Câmara dos Deputados ao analisar, via projeto de lei, as condições para a construção desse mercado regulado. Esse processo teve a participação de vários segmentos do setor produtivo, do governo e de especialistas, produzindo consensos sobre pontos muito relevantes, com ampla participação da sociedade. Defendemos um processo participativo, com implementação gradual e que crie as condições ideais para maximizar oportunidades para o Brasil e ampliar as vantagens do país em acordos comerciais e cooperação internacional.

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O decreto publicado pelo Executivo traz alguns pontos positivos. Contempla questões relevantes para os projetos de lei de mercado de carbono que tramitam no Congresso, como a definição de metas setoriais e a criação do Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare) como um registro centralizado de projetos de mitigação de emissões, créditos de carbono e das transações resultantes desse sistema.

O Sinare aceitará, sem a necessidade de certificação dos créditos, o registro de pegadas de carbono, de carbono de vegetação nativa, de carbono no solo, do carbono azul e de unidade de estoque de carbono. Esses registros contemplam atividades que são também objetos dos créditos de carbono, mas o decreto não especifica como tais registros participariam do sistema de comércio de emissões.

O decreto institui ainda o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), já previsto na PNMC de 2009, como instrumento de cumprimento dos planos setoriais de mitigação por meio do comércio de créditos de carbono.

Por outro lado, o setor empresarial vê com cautela o fato de o decreto não estabelecer um sistema “cap & trade”, utilizado pelos países onde o mercado de carbono está mais consolidado, onde as metas definidas pelo regulador são cumpridas com licenças de emissão e não somente com créditos de carbono. Além disso, há questões que ficaram em aberto, como os prazos para implementação, e não está clara a participação mandatória dos setores econômicos que serão regulados pelo mercado ou se haverá consequências para o descumprimento das metas. São lacunas que implicam desafios e incertezas para a execução efetiva de um mercado regulado.

Observamos ainda que a criação de um mercado de carbono regulado via decreto pode implicar insegurança jurídica, já que pode ser facilmente alterado por vontade unilateral do Executivo federal, sem a necessidade de debate parlamentar e de consulta pública à sociedade.
O setor empresarial acredita que um marco regulatório por decreto não possui a previsibilidade e estabilidade necessárias para incentivar os investimentos de longo prazo necessários ao processo de descarbonização e pode, inclusive, inibir as ações que já estão sendo feitas pelo setor produtivo.

É mandatório observarmos o que os países e regiões com mercados de carbono mais maduros estão tecendo. Internacionalmente, existem mais de 60 iniciativas de governos locais, nacionais e regionais que adotam mecanismos de precificação de carbono, seja por meio de taxação ou comércio de emissões. Em 2019, a precificação de carbono foi responsável por movimentar US$ 45 bilhões globalmente, e mais da metade desse montante foi direcionado a projetos relacionados a meio ambiente ou desenvolvimento. Países da União Europeia, África, América Latina e Oceania têm aumentado sua ambição na redução de gases de efeito estufa, de modo que o Brasil não pode perder esse timing e ficar para trás.

Dada a densidade e complexidade do assunto, o CEBDS segue debatendo as condições regulatórias para um mercado de carbono. Estamos realizando uma série de workshops sobre os mercados regulado e voluntário, reunindo especialistas e empresas para debater e preparar o setor produtivo para essa importante ferramenta. Continuamos também dialogando com os Poderes Executivo e Legislativo, com o conhecimento adquirido desde 2016.

Acreditamos que o país já está preparado para adotar a precificação de carbono com integridade climática, proteção à competitividade e governança transparente e participativa. Se bem feita, a regulamentação do mercado de créditos de carbono no Brasil nos dará uma ferramenta a mais para o ingresso na economia de baixo carbono, com maior proteção aos nossos biomas e incorporação de tecnologias baseadas na natureza. É o que precisamos para atrair capital e revigorar a imagem do país como destino de investimentos verdes.

Marina Grossi

Marina Grossi, economista, é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade com mais de 100 empresas associadas cujo faturamento somado equivale a quase 50% do PIB brasileiro. Foi negociadora do Brasil na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima entre 1997 a 2001 e coordenadora do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas entre 2001 e 2003.

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