Um umbuzeiro no quintal de casa é o grande orgulho da produtora rural Clarice da Silva Duarte Evangelista, 57 anos. Moradora da comunidade Curral Novo, no distrito de Massaroca, em Juazeiro (BA), a 506 km de Salvador, ela foi quem plantou a muda da árvore que hoje faz sombra e dá frutos. “Eu plantei em 2012, tem mais de dez anos. Aqui, antes o povo fazia era arrancar. A gente participou de um projeto de recaatingamento e eu fiquei com uma muda que quis plantar do lado de casa”, conta.
Leu essa? Quilombolas recuperam área de Caatinga no interior de Pernambuco
A árvore símbolo do Sertão, como afirma Euclides da Cunha no clássico livro “Os Sertões” (1905), é reconhecida pela sua resistência aos grandes períodos de escassez de chuvas na região semiárida. Em suas raízes, tem a capacidade de conservar até mil litros de água. Dessa característica, também se originou seu nome, derivado da palavra tupi-guarani “y-mb-ú”, que significa “árvore que dá de beber”.
Durante muitos anos, os umbuzeiros sofreram com a degradação da Caatinga, motivada pela falta de entendimento de suas potencialidades. Atualmente, cooperativas formadas por grupos de agricultura familiar utilizam de seus frutos para a produção de diversos alimentos, como a fabricação de sucos, picolés e a famosa umbuzada – bebida láctea reconhecida na região.
Cleide é uma das agricultoras que se dedicam à fábrica Aroma da Caatinga, que produz doces, geleias e licores com o umbu. Trabalhando no campo desde criança, ela só aprendeu após muito tempo que cuidar do bioma Caatinga poderia lhe gerar uma renda melhor. “Hoje, a gente cuida. Não cortamos árvores, porque somos uma comunidade tradicional de fundo de pasto. Só tiramos madeira seca. O umbuzeiro a gente não destrói, nem gosta de tirar abelha”, explica a agricultora, que intervém quando alguém da comunidade mexe na mata.
A pequena fábrica branca, construída ao lado da Associação Comunitária Água Pastoril de Curral Novo Jacaré, que gere o projeto, é comandada por Cleide e a amiga Marineide Arcanjo de Lima Dias, 53, conhecida por todos como Neide. As atividades foram iniciadas em 2012 e são compartilhadas entre membros de 65 famílias da comunidade, tornando- se um espaço de trabalho e geração de renda comunitário.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosNeide cresceu em Curral Novo e lembra que, antes de aprenderem como fazer o beneficiamento da fruta, a realidade era outra. “A vida antes era meio complicada, era puxada. Agora, tudo melhorou, porque a renda aumentou”, conta.
O umbu até era aproveitado na época de safra, mas acabava sendo vendido através de atravessadores, a preço baixo. “A gente tirava o umbu no mato, durante a safra, e ganhava uma mixaria. Mas era a única chance de ter uma renda extra. Hoje, não mais. Através de um saco, a gente trabalha com ele e rende muito mais”, pontua Neide.
Fábrica de sonhos
Além do umbu, elas também trabalham com outro fruto bem conhecido na região semiárida, o tamarindo. Em casa, já faziam doces e outros produtos caseiros para vender na comunidade, mas a partir de formações pelo Irpaa (Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada) começaram o projeto da fábrica.
A produção é contínua, durante todo o ano. O umbu da safra é transformado em portas que são congeladas para garantir o funcionamento da fábrica e atender às encomendas que chegam de outras cidades.
A gestão da unidade é feita pela Coofama (Cooperativa Agropecuária Familiar de Massaroca e Região), criada em 2017, que une a associação com outras comunidades que também têm produções da agricultura familiar. A comercialização é, ainda, feita pelos moradores na região, mas também em cadeia maior através do Cesol Juazeiro (Centro Público de Economia Solidária Sertão do São Francisco).
Com o aumento da produção, a Aroma da Caatinga começou a comprar sacos de umbu em comunidades vizinhas e contribuir para a renda de mais famílias. Neide diz que a realidade na região tem mudado. A renda possibilita a realização de sonhos, como a compra de transportes e reforma das casas. “Antigamente, quem morava aqui na roça era outra pessoa. Hoje é totalmente diferente, não é aquele povo que não entendia de nada. A gente agora sabe de muita coisa”, orgulha-se.
A consciência de preservação da Caatinga é compartilhada por todos os moradores e, através do exemplo, passada para novas gerações. “O povo está aprendendo a dar mais valor à Caatinga. Antes, tiravam a madeira, era uma destruição mesmo. Hoje, todos têm mais cuidado. E, nós que já estamos sabendo, estamos passando para os outros”, diz Neide.
Cooperativas unem agricultores
A mais de 126 km de Cleide e Neide, na Fazenda Serra da Besta, no município de Uauá, Maria Perpétua Barbosa, 64, também trabalha com o umbu e seu beneficiamento. “Desde novinha que eu trabalhava com o umbu, tirava pra vender, mas era baratinho”, lembra.
A trabalhadora rural integrou um grupo que, depois de um curso de produção de doces, começou a comercializar alguns produtos em suas comunidades. As vendas, difíceis no começo, não fizeram o projeto acabar. Em 2004, uniram-se a outras comunidades e criaram a Coopercuc (Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá), em 2004. “No começo foi muito difícil, mas a gente conseguiu melhorar as vendas e graças a Deus está tudo dando certo”, diz Perpétua.
A cooperativa contempla os três municípios que integram a sigla, com moradores de várias comunidades rurais que se organizaram para produção e comercialização dos produtos. O cunhado de Dona Perpétua, Antônio Gonçalves da Silva, 59, também integrou o grupo que originou a Coopercuc. Ele se aproximou das atividades por conta dos movimentos sindicais. Hoje, fornece para a cooperativa, além de umbu, maracujá e acerola.
O agricultor viu de perto as mudanças na região a partir da preservação da Caatinga. A organização comunitária permitiu que eles buscassem acesso à políticas públicas que antes não chegavam. “Os recursos hídricos melhoraram e as condições financeiras também. A gente vivia a pé ou de jegue, hoje as pessoas já tem moto e carro”, cita.
Todos juntos pela Caatinga
Seu Antônio conta que a sua relação com o bioma foi mudando ao longo dos anos. “A gente arrancava a catinga, tocava fogo e fazia tudo acabar. Era a cultura do pessoal mais antigo. Mas, depois que a gente passou a participar das atividades e fomos descobrindo que era um equívoco, tudo começou a mudar”, diz.
Atualmente, eles têm a missão de conscientizar a comunidade para preservar os umbuzeiros e a mata nativa. “Os umbuzeiros que nós temos na Caatinga são todos bem antigos. A gente tá tentando plantar mudas de umbu para poder continuar tendo essa árvore sagrada por muito tempo. É uma preocupação manter ela viva no Sertão”, conta.
Mãe de sete filhos e com sete netos, Perpétua compartilha com a família a paixão pelos umbuzeiros. “O sonho dos que foram embora é voltar aqui pra comunidade e eu acho que é o certo. Por mim, não saia nenhum daqui”, afirma.
A trabalhadora rural conta que ficam acompanhando para não deixar que nenhuma área seja desmatada. “Colocamos regras. Se cortar umbuzeiro aqui, tem punição. Quem quiser madeira, só se tiver seca. Se a gente não zelar, quem é que vai zelar? É igual a nós, se não cuidarmos da saúde, a gente morre”, alerta.