A Caatinga prevalece no Semiárido brasileiro, ocupando mais de 734 mil km², em diversos estados. Sua biodiversidade – única no mundo, só no Brasil se celebra o Dia Nacional da Caatinga (28 de abril) – vem sendo ameaçada pelas mudanças climáticas e atividades degradativas. No Semiárido pernambucano, quilombolas estão atuando na recuperação do bioma e combate à desertificação.
Nas margens do Rio São Francisco, o estudante Armando Lima Teixeira, 35 anos, cultiva mudas no no viveiro instalado no Quilombo Cupira. Na comunidade, da zona rural de Santa Maria da Boa Vista (PE), a 605 km de Recife, famílias se reúnem para o plantio de espécies nativas em áreas desmatadas. Bosques ecológicos, construídos nos quintais das casas, são espaços de preservação mantidos pela própria comunidade. “A gente mesmo é quem planta no viveiro e em outras áreas da região”, explica.
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O estudante e agricultor conta que a comunidade já desejava cuidar melhor da mata nativa, mas não sabiam como. A oportunidade veio com as formações do projeto “Recupera Caatinga”, que há dois anos acompanha três comunidades quilombolas da região. “A gente vê que pode ser feito algo para que a natureza não seja destruída tão depressa. A gente pode plantar uma semente para que, no futuro, a gente possa colher alguns frutos”, diz Armando.
Cerca de 270 famílias quilombolas participam do projeto, realizado pelo Centro de Habilitação e Apoio ao Pequeno Agricultor do Araripe (Ong Chapada). São crianças, jovens, adultos e idosos, que participaram de formações para atuar no combate à desertificação.O trabalho, que começa em palestras e intercâmbios para entendimento dos sistemas agroflorestais, já tem dois anos. Eles buscam sementes nativas da região e, no viveiro, produzem as mudas que serão utilizadas nas áreas desmatadas.
A estudante Taciany Coelho, 27, atuou como agente de proteção ambiental no projeto, após uma seleção entre os jovens de sua comunidade, e teve papel fundamental na articulação das famílias, desde o cadastramento. “O grande desafio foi que éramos comunidades sem o costume de trabalhar temas de meio ambiente”, diz.
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Veja o que já enviamosPedagoga, Taciany diz que mudou seu olhar sobre a Caatinga, depois das experiências. “Transformou 80% dos meus pensamentos sobre a Caatinga. Não só os meus, mas os de toda comunidade. Por isso, eu considerei e considero muito importante as formações”, afirma. Além de Cupira, há ações em Inhamum, no mesmo município, e em Jatobá II, de Cabrobó (PE). São comunidades certificadas como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares.
Guardiões da Caatinga
No território, já foram recuperados cerca de 30 hectares de áreas degradadas da Caatinga. O plantio de espécies nativas também foi realizado em trechos de mata ciliar do Rio São Francisco e do Riacho Boqueirão, totalizando mais de 6 km recuperados.
Além de atuar na recuperação das grandes áreas que estavam desmatadas em suas comunidades, as famílias cederam terrenos em seus quintais para a criação dos bosques climáticos, que reúnem exemplares das plantas nativas. Foram 115, ocupando uma área de 73,8 hectares.
Fabiana da Silva Medrado, 33, se orgulha de ser uma das que tem um bosque no quintal de casa, em Cupira. Sua família agora aproveita o cajueiro, marmeleiros e várias outras plantas. “Pra mim é uma diversão e, ao mesmo tempo, é um tempo para dedicar a uma plantação que muitas vezes não vemos mais na Caatinga. Esse bosque é um envolvimento”, diz.
A quilombola lembra que quase ficou fora do projeto, porque estava de “resguardo”, mas assim que pôde ingressou na equipe, inicialmente procurando sementes para resgatar espécies. “Foi muito bacana porque é um desenvolvimento para a comunidade. Hoje estamos com pessoas que antes não tinham nada plantado e agora tem um bosque no terreno”, conta.
Bombas de sementes
Em cada comunidade, é também instalada uma casa de sementes, que reúne algumas espécies já extintas na localidade, para criar um banco reserva. Com essa produção, 180 moradores já tiveram suas áreas arborizadas, colaborando com o clima e usufruindo de seus frutos.
Nas extensões de difícil acesso, a exemplo das reservas legais, 90 hectares já estão em processo de recuperação. Quando os agentes da comunidade não conseguem chegar aos locais, usam uma técnica de bombas de sementes. Já foram lançadas mais de 18 mil delas com ajuda de baladeiras, como são chamados os estilingues na região.
Armando é um dos voluntários da ação em áreas de difícil acesso. Atua desde a criação, ao plantio na mata. Durante as formações, mudou sua percepção do bioma que conviveu desde criança. “A fauna e a flora dependem da gente. Não é só destruir e achar que está tudo certo. Tem consequências graves”, alerta.
Fabiana aproveitou o bosque para manter também uma horta que tem ajudado na rotina e gastos da sua família. “Lá dentro mesmo, tenho a minha horta. Tem coentro, beterraba, alface… de tudo. Isso é muito proveitoso”, afirma.
Além de espécies para alimentação, algumas das cultivadas têm uma importância cultural para as comunidades, pois durante anos foram utilizadas como medicinais pelos quilombolas. São marmeleiros, aroeira e muitas outras plantas que já não se encontravam na região. “Muitas delas estavam difíceis por aqui. Encontrava um pezinho aqui, outro alí. Mas, já era um pé seco. Era preciso ir pra caatinga fechada para encontrar e, agora, é muito proveitoso saber que tem ao lado da casa da gente”, diz Fabiana.
Para Taciany, a hoje agente de proteção ambiental, que nasceu na comunidade, o grande trunfo está na conscientização das pessoas. Ela notou que a comunidade inteira mudou e está mais engajada com a Caatinga.
“Hoje em dia, eu tenho orgulho de dizer que qualquer planta que você chegar aqui na comunidade e me perguntar, eu consigo dizer o que é com muita propriedade. As crianças chegam com uma plantinha pequenininha e vem aqui em casa perguntar qual é. Isso é de uma gratificação muito grande, é um retorno que a gente tem do grande esforço”, afirma.