Dita há mais de cem anos, em 1897, a célebre frase do escritor americano Mark Twain parece resumir as discussões sobre o possível fim do capitalismo. Ao ser informado de que estava morto, Twain ironizou: “Os boatos sobre minha morte são exagerados”. Que o capitalismo ultrapassou praticamente todos os limites morais aceitáveis ao longo das últimas décadas não há dúvidas – o que fez suas contradições internas virem à tona. Daí a antecipar seu obituário é ignorar sua enorme capacidade de regeneração e seu poder incalculável de adaptabilidade.
Não é de hoje que surgem, aqui e ali, experiências que demonstram o potencial do capitalismo em transformar limão em limonada. Nos anos 80, enquanto a então primeira-ministra britânica Margareth Thatcher comandava o Reino Unido com mão de ferro, um pequeno restaurante na cidade portuária de Poole, ao Sul da Inglaterra, inaugurava uma experiência inédita: um cardápio sem preço. Isso mesmo. O cliente chegava, sentava, comia e, na hora de pagar, decidia se queria pagar e quanto pagaria.
O Penn Central protagonizou uma experiência radical ao elevar ao paroxismo a transparência nos negócios e, sobretudo, subverter a máxima de que o lucro é a única responsabilidade social das empresas. Desde então, o movimento que ficou conhecido informalmente como “pague o que quiser” vem lentamente ganhando adeptos. No Brasil, as iniciativas são ainda esparsas, mas os poucos exemplos demonstram o vigor da ideia e, sobretudo, a oportunidade de experimentar um negócio sustentável do ponto de vista econômico num momento de crise.
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Veja o que já enviamosÉ em um ambiente informal, sem paredes divisórias, balcão, mesas ou cadeiras – substituídas por almofadas e pufes –, que a cafeteria carioca Curto Café, no Centro do Rio, vem surpreendendo a clientela com um negócio gerido de maneira inovadora e, pasmem, lucrativa. Estão à venda três produtos: café expresso, cappuccino e pacote de café torrado. O volume mensal de venda chega a 700 xícaras por mês. A contribuição é espontânea e é o próprio cliente quem deposita o valor em uma caixinha sobre o balcão, e, se achar que pagou demais – ou acima das suas possibilidades financeiras -, pega o troco.
Afinal, qual é o preço justo a ser pago em um café? Um pingado pode custar um real, enquanto em algumas cafeterias da cidade se paga 10 reais por um cappuccino. Com tamanha elasticidade de preço, fica difícil fixar um valor monetário a ser pago pelo cafezinho. Nas paredes, quadros negros mostram com giz coloridos o balanço mensal do negócio: custo de material, mão de obra, aluguel da loja. O Wi-Fi é gratuito. A meta é fechar o mês no azul, mas, quando isso não ocorre, a clientela fica ciente do balanço financeiro do empreendimento comercial.
O custo fixo do negócio é de 32 mil reais mensalmente, dos quais 20 mil reais são para bancar o salário dos seis sócios. Em setembro último, as vendas não foram suficientes para zerar os investimentos feitos anteriormente, o que levou o Curto Café a fechar com um prejuízo de cerca de 4 mil reais.
Gabriel Magalhães, um dos sócios, não se assusta com o balanço do mês. Seus conhecimentos de finanças – adquiridos na faculdade de Economia, que abandonou no sexto período – o tranquilizam. “Temos como cobrir o buraco”, garante ele, lembrando que não foi a primeira vez que o balanço foi tingido de vermelho desde que a cafeteria aderiu ao movimento “pague o que quiser”. “E nem será a última”, garante, com a autoridade de quem sabe que um eventual prejuízo não é suficiente para comprometer toda a operação.