Apicultura agroecológica aumenta lucro e combate mudanças climáticas

Produtores ensinam que alimentar abelhas com florada de espécies nativas da Caatinga custa menos para o bolso e para o meio ambiente

Por Adriana Amâncio | ODS 12 • Publicada em 6 de novembro de 2024 - 07:47 • Atualizada em 11 de novembro de 2024 - 09:49

Seu Petrônio mostra a florada da jurema preta, resultado do seu trabalho de reflorestamento na Caatinga. Foto Arquivo Pessoal

De acordo com o MapBiomas, em 2023, houve registro de pelo menos um evento de desmatamento em 87% dos municípios que compõem o bioma Caatinga. Na contramão dessa estatística, apicultores agroecológicos do Semiárido vêm preservando e recuperando a mata nativa para formar pasto apícola. Eles buscam conhecimento sobre o tempo de florada de cada vegetação para manter os enxames alimentados o ano todo. A mata em pé retém CO², principal gás causador do aquecimento global.

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O apicultor Petrônio Pereira, de 46 anos, possui 400 colmeias na Fazenda Doce Mel, área rural de Araripina, no Semiárido de Pernambuco. Ele costumava migrar para os estados do Maranhão e do Ceará na época de estiagem em busca da florada para alimentar as abelhas. Passava os meses de estiagem longe da família para garantir a produção e a manutenção dos enxames. Hoje, após identificar as espécies e mapear o tempo de florada de cada uma, ele assegura que, na Caatinga, tem alimento saudável para as abelhas de janeiro a dezembro. “Nós temos plantas que dão florada no inverno, e, também temos aquelas que dão florada na estiagem. É o caso da Baraúna e da Aroeira, que brotam flores de agosto para setembro. Outubro já é a época do Umbuzeiro”, explica. Esse mergulho no universo da flora da Caatinga fez Seu Petrônio acreditar que “todo apicultor de verdade precisa se tornar um botânico”, resume.

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Segundo ele, o mel de cada florada incorpora as propriedades nutritivas e medicinais da planta que alimentou as abelhas. “O mel da florada da aroeira é anti-inflamatório, é bom para curar feridas”, complementa. Em 2023, Seu Petrônio colheu 12 toneladas de mel. Para 2025, a previsão é ampliar o número de caixas para 600 e elevar a produção para 16 toneladas. O produto do apicultor foi o primeiro a receber o selo do Serviço de Inspeção Municipal (SIM), do Consórcio Intermunicipal do Sertão do Araripe de Pernambuco (CISAPE). Esse selo atesta a qualidade sanitária da produção do mel e derivados da Fazenda Doce Mel, nome comercial da agroindústria, onde o mel de Seu Petrônio é beneficiado.

Para atingir os objetivos, o apicultor está reflorestando 3 hectares da sua área, com espécies nativas, tais como catingueira, aroeira, braúna e frutíferas como manga, goiaba, cajú, umbú e siriguela. Nessa empreitada, o agricultor conta com a ajuda do público de pesquisadores acadêmicos e estudantes, que visitam a sua área. “Todo mundo que vem aqui traz uma muda, planta e batiza com o seu nome”, detalha.

Uma das 87 caixas de abelhas que compõe o apiário agroecológico de Auricleia Gomes. Foto Arquivo Pessoal
Uma das 87 caixas de abelhas que compõe o apiário agroecológico de Auricleia Gomes. Foto Arquivo Pessoal

Sequestro de carbono

O bioma que Seu Petrônio vem recuperando para garantir  a sua produção de mel é o mais eficiente no sequestro de carbono, revelam estudos produzidos pelo Observatório Nacional da Caatinga, ligado ao Instituto Nacional do Semiárido (INSA), ao longo de uma década. O bioma tem uma capacidade de reter entre 45% e 60% de cada 100 toneladas de CO² capturada. É por essa razão, que a Caatinga é considerada um sumidouro dos gases de efeito estufa. De forma surpreendente, a Amazônia retém apenas de 2% a 11% do gás carbônico que captura.

Segundo o engenheiro agrônomo Renato Souza, coordenador da Associação dos Apicultores do Vale do Jequitinhonha (AApivaje), “a apicultura é uma atividade sustentável, que quase não gera danos ao meio ambiente. Além disso, ela é fundamental para a reprodução de espécies vegetais”. As abelhas cultivadas na apicultura são exóticas, pois produzem mel de qualidade com custo mais barato.

Para se ter uma ideia, abelhas nativas como a jataúba produzem menos mel. Por essa razão, cada quilo do produto é comercializado, em média, por 100 reais. Já as espécies do tipo Ápice produzem mais mel ao longo do ano e custam, em média 15 reais cada quilo. Renato explica que essa diferença entre as variedades de abelhas é a responsável pelo único impacto negativo da apicultura. “As espécies exóticas disputam alimento com as espécies nativas na floresta”, explica.

A retenção de CO² não é o único benefício da apicultura agroecológica, explica Renato. As raízes das árvores ajudam o solo a reter água. Os membros da Associação que ele integra estão reflorestando uma área para formação de pasto. “Nós estamos descompactando o solo com retroescavadeira, reflorestando com a técnica de muvuca para alimentar as abelhas e, ao mesmo tempo, reter CO²”, conta.

Inovação e sustentabilidade

Aos 14 anos, Auricleia Gomes, da Comunidade C3, na área rural de Petrolina, cidade do Semiárido de Pernambuco, a 712 km do Recife, começou a ajudar o pai na apicultura. “Eu ficava mais com a parte de beneficiar o mel”, relembra. À época, na entressafra, as abelhas eram alimentadas com uma mistura de mel, extrato de soja e whey. Há quatro anos, desde que assumiu os apiários após a morte do pai, a apicultora, hoje, com 34 anos, resolveu aderir ao manejo agroecológico. Ela possui 87 apiários, distribuídos em áreas de produção de frutas nos arredores da sua casa e na cidade de Mirandiba, a 473 km de Recife.

Ela realizou um curso sobre apicultura e passou a conhecer que espécies da Caatinga havia na sua área e o tempo de florada de cada uma. “Eu passei a deixar uma quantidade de mel para alimentar as abelhas no período de estiagem e complementar com a própria florada das plantas da minha área”, detalha.

Auricleia também passou a produzir a própria cera alveolada, eliminando mais um resíduo da cadeia produtiva e reduzindo custos com esse produto na renovação do apiário. Dentro dos apiários são usadas lâminas de cera alveolada, que auxiliam as abelhas a produzirem os favos. Em geral, produtores de mel jogam essa cera fora, gerando resíduo e compram um novo produto, que custa, em média, de R$ 78 a R$ 715 o quilo. Na tentativa de economizar, muitos apicultores compram cera de origem duvidosa, que leva outros componentes no preparo.

Ela decidiu reaproveitar o opérculo e produzir a sua própria cera. Opérculo é um tampo de cera usado pelas abelhas para fechar os favos quando o mel já está pronto para coleta. “Hoje, se nós precisarmos de 10 quilos de cera, conseguimos reaproveitar 8kg da nossa produção e compramos apenas dois quilos”, comemora.

Adriana Amâncio

Jornalista, nordestina do Recife. Tem experiência na cobertura de pautas investigativas, nas áreas de Direitos Humanos, segurança alimentar, meio ambiente e gênero. Foi assessora de comunicação de parlamentares na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Foi assessora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, como freelancer, contribuiu com veículos como O Joio e O Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo e The Brazilian Report.

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