Amazônia: é hora de um novo modelo de desenvolvimento

A ministra Marina Silva nos Diálogos Amazônicos: debates necessários para entender e construir novos modelos de desenvolvimento para a região (Foto: Carlos Tavares / Agência Pará – 04/08/2023)

O tradicional e o disruptivo podem conviver, gerar riquezas e valor compartilhado a partir da compreensão da lógica da floresta e das pessoas que vivem nela

Por Marina Grossi | ArtigoODS 12 • Publicada em 31 de agosto de 2023 - 09:09 • Atualizada em 21 de novembro de 2023 - 19:32

A ministra Marina Silva nos Diálogos Amazônicos: debates necessários para entender e construir novos modelos de desenvolvimento para a região (Foto: Carlos Tavares / Agência Pará – 04/08/2023)

No início de agosto, dois eventos colocaram a cidade de Belém no mapa das grandes conferências ligadas ao desenvolvimento sustentável. A Cúpula da Amazônia, que reuniu representantes dos oito países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), e os Diálogos Amazônicos, organizados pela sociedade civil e que antecederam o encontro dos líderes, sinalizaram ao mundo que grandes decisões vão passar pelas metrópoles amazônicas nos próximos anos. Já é grande a expectativa para a COP30, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas prevista para 2025, que deve movimentar ainda mais a capital paraense com obras de infraestrutura e reforços em comércio e serviços para comportar o movimento.

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A Cúpula da Amazônia terminou com a Declaração de Belém, documento assinado pelos presidentes dos oito países que compõem a OTCA que, entre vários pontos, cria o Painel Intergovernamental Técnico Científico da Amazônia, reafirma a necessidade de demarcação de terras indígenas e também estabelece a Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento, mas sem trazer metas conjuntas e específicas para a contenção do desmatamento. Por outro lado, marca a posição do bloco detentor da maior floresta tropical do mundo de que poderá assumir posições conjuntas nas negociações climáticas. A falta de consenso sobre questões sensíveis, como a exploração de combustíveis fósseis, deixa claro que há muito debate ainda a ser feito, especialmente sobre o modelo de desenvolvimento que se quer para a região.

A Amazônia não é uma coisa só: são pelo menos quatro Amazônias coexistindo, que exigem políticas específicas, segundo análise da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia: há a Amazônia que concentra áreas de florestas bem conservadas, que demanda a manutenção de sua biodiversidade intacta; a Amazônia das áreas já convertidas em outros usos, que precisam de ferramentas de rastreabilidade de seus produtos para reduzir as externalidades negativas; a Amazônia das áreas de transição, que devem passar por contenção do desmatamento e regeneração dos ecossistemas; e a Amazônia urbana, que demanda políticas para sanar, de forma sustentável, os desafios de infraestrutura, saneamento, mobilidade e circularidade.

Gerar soluções passa por entender e construir novos modelos de desenvolvimento para a região, com o devido reconhecimento das necessidades das populações amazônicas e suas particularidades. É preciso investir em infraestrutura e geração de energia de fontes renováveis, garantindo o acesso das pessoas aos serviços essenciais – na Amazônia Legal, existem 990 mil pessoas sem eletricidade em suas casas, segundo estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). O mesmo vale para a infraestrutura, que deve considerar tecnologias amigáveis ao bioma amazônico, como as soluções baseadas na natureza, especialmente nas cidades.

Os novos modelos de desenvolvimento para a Amazônia precisam, sobretudo, dialogar com os ativos culturais, ambientais e sociais da região. Pesquisas arqueológicas recentes mostram como os povos originários que habitaram a região há cerca de 12 mil anos modificaram o bioma, contribuindo para a agrobiodiversidade. Foi por meio do cultivo de árvores e raízes, com experimentação e diversificação de plantios por parte desses antepassados, que existe a floresta como a conhecemos hoje. Ao longo dos milênios, os antigos amazônidas cultivavam espécies de ciclo de vida longo, como a castanheira, e também faziam roças em sistemas agroecológicos. Culturas como a abóbora, o feijão, a mandioca e o tucumã são manejados há 5,8 mil anos.

Hoje, a Amazônia é peça chave para que a humanidade alcance o objetivo do Acordo de Paris, que é evitar que a temperatura média global se eleve acima de 1,5ºC até o final do século. Mas é preciso ganhar escala a partir da conexão com políticas que combatam de modo firme o desmatamento e que gerem os incentivos econômicos certos para essa nova economia amazônica que precisa emergir e será um grande diferencial para o Brasil no cenário global. É no seio da Amazônia que se encontram as soluções para a crise climática que países do Norte global, como EUA e as nações europeias, não detém, por isso a união dos países amazônicos em bloco e em trativas de cooperação é um resultado importante da Cúpula da Amazônia.

A compreensão do mundo sobre a importância do bioma mudou, e deve mudar também o modelo de desenvolvimento, pois não será possível ter resultados diferentes se forem mantidas as velhas formas de fazer negócios e políticas públicas na região. Em solo amazônico, o tradicional e o disruptivo podem conviver, gerar riquezas e valor compartilhado a partir da compreensão da lógica da floresta e das pessoas que vivem nela. Eis que a hora desse novo modelo chegou, e ele só poderá ser edificado com inovação e com o conhecimento tradicional e ancestral dos povos que há mais de 12 mil anos habitam as diferentes Amazônias.

Marina Grossi

Marina Grossi, economista, é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade com mais de 100 empresas associadas cujo faturamento somado equivale a quase 50% do PIB brasileiro. Foi negociadora do Brasil na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima entre 1997 a 2001 e coordenadora do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas entre 2001 e 2003.

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