Professor do Laboratório Solos, do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), desde 2002, Luciano Canellas acompanha o movimento dos trabalhadores rurais sem terra desde 1986, quando entrou para a Faculdade de Agronomia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul. Ele sabe que o interesse desses trabalhadores em agroecologia é recente e reconhece que o MST do Rio de Janeiro tem um papel importante nessa nova forma de produção.
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Para o professor, os processos de transição nos modelos de agricultura precisam de uma qualificação maior dessas comunidades. E foi este pensamento que contribuiu para a aprovação recente do Mestrado Profissional em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável da Uenf. Nesta breve entrevista, Canellas fala sobre a importância deste programa de formação no Norte Fluminense: “Toda experiência agroecológica é local, é territorializada”, ensina. O tema já está presente na formação dos alunos da Uenf, mas as dificuldades para a ampliação da agricultura com base ecológica não são poucas: “Interesses econômicos muito poderosos são colocados em questionamento com a agroecologia”.
[g1_quote author_name=”Luciano Canellas” author_description=”Professor e criador do Programa de Mestrado em Agroecologia da Uenf” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]A agroecologia é uma alternativa para gerar emprego, renda e alimentos saudáveis para toda a população. Algo que o agronegócio não faz
[/g1_quote]Como surgiu a ideia da criação do Mestrado Profissional em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável da Uenf? Qual é seu público-alvo?
Dois fatores concorreram para a criação do curso. O primeiro foi a experiência pioneira do professor Fábio Cunha Coelho, que ofereceu a disciplina de Agroecologia para a Faculdade de Agronomia no início dos anos 2000 e foi acumulando conhecimento e experiência acadêmica. O segundo foi a criação das políticas de Territórios da Cidadania [programa do governo federal para promover desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável] ainda em 2003. Com a política nacional em curso em 2008, foi consolidado o território do Norte Fluminense. São cerca de 25 projetos de assentamento de reforma agrária e seis áreas de quilombolas reconhecidas. Há uma necessidade de qualificar o pessoal que trabalha com essas comunidades e em processos de transição de modelos de agricultura. A política de Ater [Assistência Técnica de Extensão Rural] foi desmontada, mas é preciso continuar a formação dos profissionais.
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Veja o que já enviamosQual a importância deste curso no Norte Fluminense?
Toda experiência agroecológica é local, é territorializada. As políticas universais em agroecologia tendem a se dispersar. O grande esforço realizado nos governos anteriores foram praticamente anulados. O que restou são as experiências regionalizadas organizadas pelas ONGs e pelos movimentos sociais. Nesse sentido, um programa de pós-graduação no Norte Fluminense deve fazer toda a diferença.
Quando o curso deve ter início?
Para os movimentos sociais, agricultores familiares, quilombolas e professores vinculados à proposta, o curso já iniciou, é um processo dinâmico que foi disparado com a discussão da criação do programa. Em relação à primeira turma, ainda é uma incógnita. Estamos esperando a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] abrir o processo de avaliação de novas propostas. Legalmente, o Conselho Universitário da Uenf já aprovou o programa.
Existem outras experiências de cursos de pós-graduação em agroecologia pelo país, como o da Universidade Estadual de Maringá e da Federal do Espírito Santo. Pode-se dizer que há uma tendência para a criação desses cursos?
Não sei se há uma tendência, mas existe um processo em andamento de institucionalização da agroecologia. Ela pode ser entendida em três dimensões que se complementam: como movimento social, como disciplina científica e como prática produtiva. Duas dessas dimensões se encaixam dentro da prática acadêmica.
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Quais são os benefícios da agroecologia?
O capitalismo superou todas as expectativas e levou o processo de exploração do homem e da natureza ao extremo. Estamos nos aproximando perigosamente de um ponto no qual não poderemos retornar mais. O modelo de produção se esgotou e é sustentado por um pacto político que faz com que a sociedade arque com os prejuízos econômicos, sociais e ambientais desse modelo e uma parcela muito pequena fique com a riqueza gerada. Quando o agronegócio tiver que arcar com os custos ambientais da sua exploração e pagar suas dívidas, a casa cai. Outro processo muito perigoso hoje é a dependência externa do modelo de produção agrícola: de sementes a agrotóxicos e, hoje, também os fertilizantes. Ou seja, todos os insumos são importados. O sistema é extremamente frágil porque é dependente de agentes externos. A soberania nacional e alimentar foi colocada em jogo. A agroecologia é uma alternativa para gerar emprego, renda e alimentos saudáveis para toda a população. Algo que o agronegócio não faz. Os benefícios da agroecologia são decorrentes dessa alternativa viável à crise civilizatória em que fomos colocados.
Qual é a maior dificuldade para o desenvolvimento da agroecologia?
A oposição do agronegócio. Interesses econômicos muito poderosos são colocados em questionamento com a agroecologia. De certo modo, o Brasil ainda pode ser economicamente descrito como um grande fazendão colonial sustentado pela exploração suicida do meio e da mão de obra quase escrava. Os senhores da terra têm um laço estreito com o novo/moderno capitalismo financeiro, mas não abandonaram suas raízes originais.
O acampamento Cícero Guedes, no complexo da Usina Cambahyba, já começou a colher hortaliças produzidas sem agrotóxicos. O que o cultivo alimentar agroecológico representa para essas terras especificamente?
Na minha opinião, não existe um “cultivo agroecológico” pois a agroecologia é um movimento social. A transição de sistemas (do convencional para as agriculturas de base ecológica) tem um papel importante no aprendizado e na cocriação de conhecimento. Na fase inicial, a substituição dos insumos convencionais pelos de origem biológica, a busca por autonomia de sementes e material propagativo, o trabalho coletivo, a inclusão de mulheres e crianças no processo de tomada de decisões e escolhas representam uma construção de um novo ofício de fazer agricultura que constitui a base de uma nova sociedade. Representa, portanto, o início de um processo emancipatório. O fim, não se sabe. São muitos interesses em disputa.
O senhor acompanhou a ocupação anterior da usina? Já havia, na ocasião, uma preocupação agroecológica com a produção?
Sou um apoiador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra desde 1986 quando entrei para a Faculdade de Agronomia. Essa preocupação com a agroecologia no MST é relativamente nova e o MST do Rio de Janeiro teve um papel importante nessa questão.
Como era a participação de Cícero Guedes nos projetos de extensão que ministrava?
Tive uma estreita ligação com o Cícero. Sempre foi um militante cientificamente curioso e tinha total clareza da necessidade de viabilização técnica-produtiva dos lotes para reforçar a luta pela reforma agrária.