A saga da Nutella

O gosto amargo de ser conhecido como um preguiçoso deplorável ou um mesquinho incorrigível

Por Leo Aversa | ODS 12 • Publicada em 12 de maio de 2016 - 08:05 • Atualizada em 12 de maio de 2016 - 13:36

No meu tempo só existia geléia e manteiga mas quem mandou levar o filho pra Disney?
No meu tempo só existia geléia e manteiga mas quem mandou levar o filho pra Disney?
No meu tempo só existia geléia e manteiga mas quem mandou levar o filho pra Disney?

Arroz? É por quilo ou unidade? Feijão? Vende congelado? Leite? Tá achando que sou crente?
Esse era o meu nível de conhecimento culinário quando solteiro e sem filho. O supermercado era a instituição mais longínqua na minha vida. Meu máximo era uma loja de conveniência, dessas de posto de gasolina, e olhe lá. Almoçava e jantava na rua e quando a preguiça era muita, o que acontecia dia sim dia não, apelava para o disk-pizza. Conhecia os entregadores da região pelo nome.

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Semana passada conversei com uma artista australiana que está fazendo uma exposição no CCBB. Quando dei por mim estava dando um jeito de perguntar quanto custava a Nutella em Sydney, já imaginando o custo do correio para saber se valia a pena encomendar.

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Depois que você tem um filho essa vida acaba. A geladeira tem que estar cheia, para que ele possa ter a oportunidade de esvaziá-la. Com isso o supermercado entrou na minha vida. Não só entrou como já senta na sala sem cerimônia e tomou conta do controle remoto.
Hoje converso com desenvoltura sobre as diferenças entre o Zona Sul e o Mundial, reconheço de longe um carrinho do Prezunic e cumprimento os caixas do Pão de Açúcar
O problema é que isso está indo longe demais.
A Nutella do garoto. No meu tempo só existia geléia e manteiga mas quem mandou levar o filho pra Disney? Agora a Nutella não sai do carrinho. Aqui na esquina de casa custa vinte e quatro reais. No supermercado do outro lado da rua, vinte e três. Ou seja, para economizar um real tenho que atravessar a Jardim Botânico. Isso dá um nó na minha cabeça: se ficar sou um preguiçoso deplorável. Se atravessar, um mesquinho incorrigível. As minhas crises existenciais estão sempre em promoção, agora por um real.
Mas, como tudo na vida, o que tá ruim sempre pode piorar.
Descobri que no Prezunic em frente ao São João Batista o pote custa dezenove reais. E agora? Ir até lá gastando tempo e gasolina? Como montar essa equação entre o tempo perdido, o combustível gasto e o dinheiro economizado? Sou de humanas, não sei fazer conta. Nem ouso investigar quanto custa no Mundial, que é ainda mais longe. Para castigar minha falta de iniciativa e preguiça, toda vez que pego os potes pelos quais paguei 23 ou 24 reais eles ficam me chamando de otário em coro. Cada um tem a assombração que merece.
Semana passada conversei com uma artista australiana que está fazendo uma exposição no CCBB. Quando dei por mim estava dando um jeito de perguntar quanto custava a Nutella em Sydney, já imaginando o custo do correio para saber se valia a pena encomendar. Também não paro de chatear os amigos que vão aos Estados Unidos, onde o pote custa treze reais. Treze! Acho que se trouxer umas vinte caixas está paga a viagem. Mas aí a Receita Federal ia me autuar. Ou, mais provavelmente, iam me internar no manicômio judiciário.
Por sorte faço psicanálise, que é pra não ficar maluco com os supermercados e o preço da Nutella.
Quatrocentos reais a sessão.

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Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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