ODS 1
A agroecologia e o desafio de transformar a realidade
Congresso Brasileiro de Agroecologia chega ao Rio com a ambição de popularizar o tema e ajudar a combater a fome
A agroecologia não é só uma ciência, é uma proposta de vida. Com base em tecnologias e práticas sustentáveis de produção, ela procura seguir os processos que já ocorrem na natureza. Com isso, além de produzir alimentos de boa qualidade, livres de agrotóxicos e fertilizantes químicos, também contribui com a segurança alimentar e a preservação do meio ambiente. Parece simples, saudável e bom, mas o setor ainda sofre preconceitos, por conta, principalmente, da falta de conhecimento. Por isso, o Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA) chega ao Rio esta semana com o slogan “Agroecologia na boca do povo”.
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“O grande objetivo do Congresso é incluir na pauta do país a perspectiva agroecológica, que é contrária aos sistemas alimentares hegemônicos que temos hoje. Precisamos de uma perspectiva que seja capaz, por exemplo, de transformar o grave cenário de fome. A gente não vai superar a fome com uma visão mercantil, industrial, mas sim com agrobiodiversidade, comida de verdade, reforma agrária, agricultura familiar e urbana, queremos mostrar o poder da agroecologia para transformar a realidade”, explica Fernanda Savicki, presidenta da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e promotora do evento.
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Veja o que já enviamosO Congresso de Agroecologia, que completa 20 anos em 2023, vai ocupar vários espaços da cidade, com uma programação que espera reunir cerca de cinco mil participantes de todo o Brasil e de outros países. Sediado na Fundição Progresso, a programação do CBA acontecerá, também, em espaços como o Passeio Público, o Circo Voador, o Centro Teatro do Oprimido, a Associação Cristã de Moços (ACM), a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI-UERJ), e o Cine Odeon. Veja os detalhes da programação.
Fernanda aposta que o Congresso ajudará a fortalecer a articulação entre diversas áreas, não só governamentais, mas de outros setores da sociedade e de organizações da sociedade civil, que “começaram a entender a importância da agroecologia para um projeto de nação e para a construção política do país”. A ideia é que várias conexões sejam estabelecidas a partir do evento, para o fomento da agroecologia e da produção orgânica no país, não só na perspectiva agrária e agrícola, mas também de sistemas agroalimentares.
Nesta edição, o Congresso vai abordar dezesseis eixos temáticos, em tópicos como soberania alimentar, gênero, diversidade, políticas públicas e agroecologia, biodiversidade e conhecimentos de povos e comunidades tradicionais, ancestralidade, terra e território, entre outros. Serão apresentados mais de três mil trabalhos científicos e culturais.
Ao longo de quatro dias de evento, o Rio será palco também de dois festivais, como parte da programação do CBA, o primeiro é o FICAECO, Festival Internacional de Cinema Agroecológico, com exibição de curtas, médias e longas premiados. Ele vai acontecer no Cine Odeon, uma das salas de cinema mais antigas do país, que sobreviveu às mudanças urbanísticas e sociais ao longo dos últimos anos. O segundo é o FACA, Festival de Arte e Cultura da Agroecologia que reunirá apresentações de música, teatro, dança, exposições de pintura, artes plásticas, literatura e outras expressões culturais e artísticas. Os dois festivais são abertos e gratuitos.
O Passeio Público vai abrigar a Feira Nacional Saberes e Sabores, aberta gratuitamente ao público, na rua do Passeio, Centro do Rio, durante os dias 21, 22 e 23 de novembro, de 8h às 18h. Estarão reunidos cerca de 300 produtores do estado do Rio de Janeiro, que representam a diversidade da agroecologia no Brasil, e também povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, com exibição e comercialização de produtos agroecológicos e artesanato.
Para Fernanda Savicki, uma das grandes conquistas nos últimos vinte anos de realização do Congresso foi a abrangência temática. “No início, as pautas eram mais focadas em técnicas de produção, por um viés mais agronômico, mas nos últimos anos houve a ampliação para um olhar que vai além da produção, com foco na construção de uma perspectiva agroecológica mais ampla”. Fernanda defende que a agroecologia como ciência deve ser comprometida com a sociedade e com a democracia, e que a conexão com outros saberes popularizou o debate e ampliou a participação de mulheres, indígenas e quilombolas, entre outros grupos.
Países das Américas, África e Europa estarão presentes nas conferências e discussões, com entidades como a Sociedade Latino Americana e Caribenha de Agroecologia, e organizações que colaboram na construção de um conhecimento agroecológico comum, realizam parcerias e estabelecem modelos que são replicados e adotados em conjunto muitas vezes.
Outros destaques do evento são os Tapiris de Saberes, onde serão apresentados os três mil trabalhos inscritos, entre produções científicas, relatos de experiências, relatos em vídeos e outras formas de divulgação científica, não apenas com foco na manifestação escrita, já que outros povos têm na oralidade sua forma de transmitir o conhecimento. A Cozinha das Tradições vai abrigar uma série de oficinas práticas, que pautam a questão da alimentação e da cultura alimentar de diversas comunidades tradicionais, a partir de técnicas de preparo, da memória afetiva e territorialidade, do debate político sobre o ato de beneficiar o alimento, de comer e produzir, e dos seus aspectos simbólicos. A Tenda da Saúde, Cuidado e Cura será o espaço da interface entre saúde e agroecologia, com a perspectiva de promoção da saúde e de práticas integrativas e complementares, como fitoterápicos, acupuntura, acesso e prática do autocuidado.
Mas se a agroecologia ainda é um conceito distante para grande parte da população, então como popularizá-lo? Fernanda afirma que o ato de comer, as escolhas de acesso à comida, que são questões do cotidiano, devem dialogar com a agroecologia, “O CBA tem a proposta de fazer a conexão com cultura e arte para atingir mais pessoas e fomentar esta discussão”.
Fernanda destaca ainda a parceria com a cozinha comunitária do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) , na Lapa, que através da articulação com a ABA, recebeu um financiamento da Fundação Banco do Brasil para equipar e ampliar suas instalações, com objetivo de fornecer quentinhas à população em situação de rua do Rio de Janeiro. Durante o evento, serão distribuídas nove mil quentinhas, com quase cem por cento dos insumos oriundos da agricultura familiar do estado, serão mais de 18.000 kg de alimentos fornecidos.
Este é um legado fundamental, que inclui a discussão de medidas de combate à fome com base na agroecologia e na agricultura familiar, já que o foco desta política deve levar em conta a qualidade da alimentação, e o fornecimento de comida de verdade, sem veneno e limpa; não só nos insumos, mas também limpa de sangue; com um alimento que não é produzido a partir da expulsão dos povos originários, de camponesas e camponeses, de indígenas e populações originais.
Fernanda enfatiza que o país tem condições de dar conta desta premissa, mas que para isso é necessário incentivo e financiamento. Ela defende que uma parcela dos investimentos, que historicamente foram direcionados ao agronegócio, seja revertida para a pesquisa científica voltada para a agroecologia, com uma estrutura de fomento. As práticas agroecológicas promovem saúde, respondem à emergência climática, e têm como fundamentos a justiça ambiental e social, o combate ao racismo estrutural e ao racismo alimentar, à violência e à pobreza. Fortalecendo a agroecologia e a agricultura familiar, aí sim, teremos respostas efetivas no combate à fome.
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Carioca, jornalista e fotógrafa, foi coordenadora do Banco de Imagens e gerente da Agência O Globo, onde desenvolveu diversos projetos culturais e editoriais. É consultora da área de Negócios do #Colabora e coordenadora de Negócios e de Projetos Educativos da Agência Lupa. Email: flaviacampuzano@projetocolabora.com.br