#RioéRua – Pedro II, imperial e democrático

Tradicional colégio carioca incomoda o presidente com sua história marcada por educação, alegria e democracia

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 13 de janeiro de 2020 - 08:00 • Atualizada em 13 de janeiro de 2020 - 18:36

Alunos do Pedro II em frente ao centenário prédio da Marechal Floriano onde faixa saúda “o melhor colégio público do estado”: bons resultados no Enem e crítica do presidente (Foto: Oscar Valporto)
Alunos do Pedro II em frente ao centenário prédio da Marechal Floriano onde faixa saúda "o melhor colégio público do estado": bons resultados no Enem e crítica do presidente (Foto: Oscar Valporto)
Alunos do Pedro II em frente ao centenário prédio da Marechal Floriano onde faixa saúda “o melhor colégio público do estado”: bons resultados no Enem e crítica do presidente (Foto: Oscar Valporto)

Estudei no Colégio Pedro II por três anos: a maior e melhor parte no Centro, no antigo prédio da Marechal Floriano, reformado para abrigar a escola  a partir de projeto do arquiteto francês Grandjean de Montigny, na sua inauguração em 1837, e ampliado quase quarenta anos depois, quando ganhou a fachada neoclássica, que mantém até hoje, e novos salões e salas. O charme antigo do prédio era um atrativo; mais interessante era a mistura de colegas de todas as partes da cidade, com todos os tipos de histórias, bem diferente do ambiente na minha antiga escola pública da Zona Sul ou mesmo do CP II do Humaitá. Eram tempos estranhos – a adolescência é sempre um pouco estranha, ainda mais naquele tempo ainda de ditadura.

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Lembrei-me desses tempos porque o energúmeno colocado no Palácio do Planalto começou o ano atacando o Imperial Colégio de Pedro II como foi batizado, em 1937, em homenagem ao imperador com 12 anos de idade:  “Chegaram ao cúmulo de acabar com uma escola como o Colégio Pedro II, no Rio. Acabaram com o Pedro II. Menino de saia, MST lá dentro. E outras coisas mais que não quero falar aqui”, vociferou o sujeito, com seu habitual ódio à educação e ao conhecimento numa daquelas patéticas entrevistas com plateia na saída do Alvorada.

[g1_quote author_name=”Nelson Rodrigues” author_description=”Escritor e dramaturgo, em crônica no Globo (1963)” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Olhem para as nossas ruas. Em cada canto, há alguém conspirando contra a vida. Não o aluno do Pedro II. Há quem diga, e eu concordo, que ele é a única sanidade mental do Brasil. E, realmente, não há por lá os soturnos, os merencórios, os augustos dos anjos. Os outros brasileiros deveriam aprender a rir com os alunos do Pedro II

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Como muito acontece, a bobagem dita pelo inquilino do Planalto acabou tendo um efeito contrário. Foi bom para a divulgação dos feitos recentes do Pedro II: os alunos do velho colégio federal obtiveram, em média, notas superiores à média dos estudantes das escolas públicas e também à média dos alunos das escolas privadas em todas as áreas do Enem  2018 – redação, matemática, ciências da natureza e humanas. A nota média dos estudantes do Pedro II foi também superior a dos seus antigos rivais do Colégio Militar do Rio de Janeiro.  Dezoito estudantes do CP II foram premiados 10° World Mathematics Team Championship (WMTC) – a aluna Adrieny Teixeira, de 15 anos, do Campus Centro, foi única menina a conquistar o ouro na categoria Avançado.

O prédio do Pedro II na Marechal Floriano, inaugurado em 1837 e reformado em 1874: de escola para a elite a endereço tradicional de movimentos de protesto (Foto: Oscar Valporto)
O prédio do Pedro II na Marechal Floriano, inaugurado em 1837 e reformado em 1874: de escola para a elite a endereço tradicional de movimentos de protesto (Foto: Oscar Valporto)

Por mais ignorante que seja o ex-capitão, não é o brilho acadêmico dos estudantes que o incomoda. O Pedro II, apesar de ser sido criado para formar os descendentes da elite brasileira, construiu uma sólida tradição democrática nesses quase dois séculos.  Foi lá que estudaram presidentes, ministros e governadores nos tempos do Império e dos primeiros tempos da República. Após o fim da monarquia, o colégio – que agora já tinha também um internato, em São Cristóvão – mudou de nome: passou a ser chamado de Instituto Nacional de Instrução Secundário e, depois, Ginásio Nacional. Em 1909, o presidente Nilo Peçanha, ex-aluno, decretou nova mudança: o imperador volta a batizar o Externato Nacional Pedro II, no Centro; em São Cristóvão, passa a funcionar o Internato Nacional Bernardo de Vasconcelos. Apenas em 1911, após decreto do Marechal Hermes da Fonseca, outro ex-aluno, retornou-se à denominação de Colégio Pedro II, dividido em Externato e Internato.

O campus São Cristóvão do Colégio Pedro II: antigo internato (Foto: Oscar Valporto)
O campus São Cristóvão do Colégio Pedro II: antigo internato (Foto: Oscar Valporto)

Em meados do século passado, os alunos do Pedro II já mantinham a rivalidade com os do Colégio Militar, fundado em 1889. Era, em primeiro lugar, uma diferença de estilo: foram estudantes do Pedro II que lideraram a campanha para o Brasil entrar na guerra contra o nazi-fascismo e chegaram a comandar ataques a estabelecimentos de descentes de alemães no Rio; foram alunos do colégio civil que ajudaram a fundar a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, em 1948; estudantes do CP II estavam à frente da campanha “O Petróleo é Nosso”, na virada para os anos 1950.  Eram uma legião que tomava conta das ruas de maneira barulhenta e bagunçada – ao contrário dos alunos do Colégio Militar, reprimidos pela rígida disciplina da instituição.  Mas a rivalidade aparecia nas festas de adolescentes e na disputa do coração das meninas, em especial do Colégio de Aplicação – entre o fim do Estado Novo e o Golpe Militar de 1964, houve muita pancadaria entre os alunos dos dois colégios.

O escritor Nelson Rodrigues – que não estudou no Pedro II – costumava exaltar o bom humor e alegria dos alunos. “Olhem para as nossas ruas. Em cada canto, há alguém conspirando contra a vida. Não o aluno do Pedro II. Há quem diga, e eu concordo, que ele é a única sanidade mental do Brasil. E, realmente, não há por lá os soturnos, os merencórios, os augustos dos anjos. Os outros brasileiros deveriam aprender a rir com os alunos do Pedro II”, escreveu Nelson em crônica no Globo em 1963. “Quando vejo um aluno do Pedro II tomando carona de bonde, ou fazendo barulho, eu não me irrito; pelo contrário, a minha reação é de pura inveja, de atroz despeito. Esta meninada ululante é uma força da natureza”, insistiria o escritor, no mesmo ano, em sua coluna no Jornal dos Sports.

Campus Humaitá, do Pedro II, aberto em 1952: colégio, hoje, tem 12 mil alunos, do ensinos médio e fundamental, em 14 campi, além de uma unidade de educação infantil em Realengo (Foto: Oscar Valporto)
Campus Humaitá, do Pedro II, aberto em 1952: colégio, hoje, tem 12 mil alunos, do ensinos médio e fundamental, em 14 campi, além de uma unidade de educação infantil em Realengo (Foto: Oscar Valporto)

Nesta época, os alunos do Pedro II já tinham se multiplicado: em 1952, foram criadas as unidades Sul (no Humaitá) e Norte (no Engenho Novo); em 1957, foi instalada a seção Tijuca, aumentando ainda mais a rivalidade com o agora vizinho Colégio Militar.  Nelson Rodrigues, naquele primeiro texto, comentava sobre a vitória do Pedro II nos Jogos da Primavera, uma espécie de olimpíada jovem feminina, em 1963. “E o Pedro II resolveu trazer para a rua sua alegria fabulosa. Houve passeata, escarcéu, correrias, o diabo”, testemunhou. Mas, naquele mesmo ano, os alunos do colégio podiam ser vistos nas ruas fazendo campanha pelo presidencialismo, restabelecido por plebiscito. No período anterior ao golpe militar de 1964, os estudantes já tinham ido para a rua antes para protestar contra aumento das passagens, pela posse de João Goulart, por maior participação nas decisões administrativas do próprio Pedro II.

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Devíamos subvencionar o Pedro II para inundar a cidade, diariamente, com a sua alegria total, ululante

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A alma democrática do colégio imperial resistiu à ditadura – mas não foi fácil. Professores foram cassados, aposentados, demitidos ou simplesmente impedidos de dar aulas. Os grêmios estudantis foram fechados e só reabertos, dois anos depois do golpe, sob supervisão da direção. Mas, depois do Ai-5, os grêmios foram novamente fechados, os jornais internos impedidos de circular e mais de cem alunos foram impedidos de continuar seus estudos no CPII por causa de atividades políticas. Quando estudei lá – entre 1975 e 1977 – política era assunto proibido e o nome do diretor-geral, Vandick da Nóbrega, causava medo. Mesmo assim, quando estudei no Centro e matava aula para jogar sinuca e tomar cerveja, alunos mais velhos já trabalhavam muito discretamente para reabrir o grêmio livre do Pedro II – o que aconteceria ainda em 1980.

Alunos do Colégio Pedro II lideram manifestação contra corte de verbas federais no Rio de Janeiro (Foto: Twitter)
Alunos do Colégio Pedro II lideram manifestação contra corte de verbas federais no Rio de Janeiro em maio (Foto: Twitter)

Portanto, não é à toa que o quase bicentenário colégio – hoje com 12 mil alunos e unidades na Zona Oeste e na Baixada – incomode tanto o energúmeno do Planalto: tem história, defende a educação, produz conhecimento, tem tradição de luta pela democracia.  Neste ano, logo após os primeiros ataques do governo, com cortes de verbas, às instituições públicas de ensino, os estudantes do Colégio Pedro estavam entre os primeiros a ocupar as ruas do Rio: foram protestar em frente ao Colégio Militar onde o ex-capitão (que não estudou ali) participava da comemoração pelos 120 anos.  Os alunos estavam lá fazendo barulho, carregando cartazes irônicos, debochando deste governo, que detesta educação, alegria e democracia. Modestamente, fico com Nelson Rodrigues: “Devíamos subvencionar o Pedro II para inundar a cidade, diariamente, com a sua alegria total, ululante”.

#RioéRua

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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