#RioéRua – O centenário do resistente Leblon

Nos 100 anos do bairro onde mora, cronista celebra a movimentação das calçadas e sua invasão por bares e até por ambulantes

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 5 de agosto de 2019 - 14:32 • Atualizada em 6 de agosto de 2019 - 22:54

Prédio antigo preservado pela APAC no Leblon: bairro manter parte das suas características (Foto: Oscar Valporto)
Morro Dois Irmãos, símbolo do Leblon há bem mais de um século: centenário da planta de loteamento do bairro (Foto: Oscar Valporto)
Morro Dois Irmãos, símbolo do Leblon há bem mais de um século: centenário da planta de loteamento do bairro (Foto: Oscar Valporto)

Fez sol no dia 26 de julho quando comemorou-se aqui pelo bairro os 100 anos do Leblon. Aniversário de bairro é sempre uma data escolhida um tanto ao sabor das circunstâncias: neste caso, foi a aprovação, pela Prefeitura do Distrito Federal, planta de loteamento dos bairros de Ipanema e Leblon – apesar de algumas confusões com a chegada dos trilhos dos bondes, um ano antes, em 1918, à Avenida Delfim Moreira. Desta primeira planta, só as três avenidas mantiveram o nome original um século depois: a Delfim Moreira, homenagem ao presidente interino, vice eleito em 1918 que tomou posse com a morte de Rodrigues Alves; a Afrânio de Melo Franco, ministro da Viação de Delfim, chamado de primeiro-ministro porque o presidente sofria de algum tipo de doença mental; e a Ataufo de Paiva, batizada com o nome do desembargador e presidente da Corte de Apelação do Distrito Federal.

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O nome Leblon também já estava consagrado desde o século anterior quando o francês Carlos Leblon – ficamos aqui com a grafia que o próprio escolheu para sua certidão de casamento com uma brasileira já que a história varia entre Charles Leblon, Le Blon, Le Blond – comprou terras que iam de Copacabana ao Dois Irmãos. A chácara do francês, que tinha uma empresa de pesca de baleias, ficava entre a hoje Bartolomeu Mitre e a montanha; era chamada de Campo do Leblon. Foram 12 anos de Leblon no Leblon, de 1845 a 1857, até ele vender às terras a um comerciante português que, depois, retalhou o território e revendeu a outros. Um deles, José de Seixas Magalhães, abrigou em suas terras o Quilombo Leblon, um centro do movimento abolicionista.

Bar Bracarense, quase 60 anos de Leblon: tradição na ocupação das calçadas (Foto: Oscar Valporto)
Bar Bracarense, quase 60 anos de Leblon: tradição na ocupação das calçadas (Foto: Oscar Valporto)

A urbanização começou mesmo com o loteamento que faz 100 anos e a abertura, no ano seguinte, do canal ligando a lagoa ao mar. Mas o progresso chegou devagar. A ponte ligando a Ataulfo de Paiva à Visconde Pirajá só foi construída em 1938, na inauguração do Parque do Jardim de Alah. Até a década de 1960, o Leblon foi dominado por prédios baixos e algumas casas enquanto acompanhava a subida dos espigões – palavrinha de meio século atrás – em Copacabana e, depois, Ipanema. A densidade populacional aumentou um pouco com a Cruzada São Sebastião, 10 prédios populares construídos com objetivo de abrigar moradores de favelas em 1955; com os três prédios de 12 andares do Condomínio dos Jornalistas, da década de 60; e com os 40 edifícios da Selva de Pedra, construídos, na década de 70, na área da antiga Favela da Praia do Pinto, às margens da lagoa e destruída por incêndio em 1969.

 
Prédio antigo preservado pela APAC no Leblon: bairro manter parte das suas características (Foto: Oscar Valporto)
Prédio antigo preservado pela APAC no Leblon: bairro manter parte das suas características (Foto: Oscar Valporto)

Parecia que o Leblon teria o destino de Copacabana e, em menor escala, de Ipanema, mas houve mobilização, a partir, dos anos 1980 para trazer para o bairro as Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (APACs), responsáveis pela preservação de prédios históricos no Centro do Rio e na região da Saúde e da Gamboa. Na década de 1990, as APACs chegaram à Zona Sul: conjuntos de casas e pequenos prédios foram preservados nos bairros de Laranjeiras, Botafogo, Humaitá, Glória, Catete, Jardim Botânico, Ipanema e, finalmente, ao Leblon – em 2001. Aqui no bairro, o então prefeito Cesar Maia sofreu resistência de grupos de moradores mais interessados no lucro do que na qualidade de vida – parece que alguns até já mudaram de ideia sobre a importância da APAC.

 
Projeto Uivos e miados na Praça Antero de Quintal: adoçao de gatos e cães nas largas calçadas do Leblon (Foto: Oscar Valporto)
Projeto Uivos e miados na Praça Antero de Quintal: adoçao de gatos e cães nas largas calçadas do Leblon (Foto: Oscar Valporto)

Com isso, sobreviveram o Leblon, seus edifícios mistos, residência e comércio, seus prédios baixos e, principalmente, suas calçadas. Temos largas calçadas nas ruas principais do bairro onde os moradores podem reclamar que hoje, durante o dia, há um excesso de ambulantes – mas estamos em crise, o pessoal precisa se virar e a situação no Leblon não inviabiliza a circulação dos pedestres: melhor ambulante do que patinete. Temos também mesas para os cafés, feiras na praça, espaço para adoção de cães e gatos.  Sim: é um dos bairros mais valorizados da cidade, IPTU alto, preços assustadores, alguns estratosféricos. Mas o Leblon ainda abriga lojas de conserto de relógio e de sapatos, lojas de ferragens e de material de construção.

 
Calçada lotada numa quinta-feira en frente bar vizinho à estátua do poeta Cazuza: a praça é do povo (Foto: Oscar Valporto)
Calçada lotada numa quinta-feira en frente bar vizinho à estátua do poeta Cazuza: a praça é do povo (Foto: Oscar Valporto)

Ainda fazia sol na quinta, quase uma semana depois do aniversário do bairro, quando comecei a escrever essa crônica: atletas amadores na orla, crianças na praça, muita gente circulando por nossas largas calçadas, que, à noite, estão tomadas pelo pessoal que transborda dos botequins. Ainda é quinta-feira, mas estão cheios os tradicionais Bracarense e Jobi como lotada está a calçada em frente ao novíssimo Boa Praça, no final do Leblon, vigiado pela estátua do poeta boêmio Cazuza; na Dias Ferreira, a lotação do Belmonte compete com a do Brewteco e do Colinda; na Ataulfo, o popular Bigotrilho atrai clientela fiel. São dias assim, calçadas e ruas assim, que, tenho certeza, multiplicam-se pela cidade e farão ela resistir a tudo isso.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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