O terror em Paris e o ‘Dia da Gentileza’

Pouco movimento nas ruas em Paris no dia seguinte ao ataque terrorista

Na capital francesa, jornalista carioca relata a solidariedade nascida da ferida aberta pelo terrorismo

Por Marlene Oliveira | ODS 1ODS 11 • Publicada em 14 de novembro de 2015 - 14:48 • Atualizada em 14 de novembro de 2015 - 19:10

Pouco movimento nas ruas em Paris no dia seguinte ao ataque terrorista
Pouco movimento nas ruas em Paris no dia seguinte ao ataque terrorista
Pouco movimento nas ruas em Paris no dia seguinte ao ataque terrorista

Acordei com a informação que além de sexta-feira, ela era 13 e seria também o Dia Mundial da Gentileza! Brasileira, carioca que sou, pensei cá com meus botões: “Nós não precisamos de um dia mundial da gentileza”. Nós temos um ano inteiro para praticar a gentileza, a compaixão, a troca  de gestos e palavras afetuosas… Mas é verdade que esse espírito talvez possa ser mais incentivado aqui na França, onde foi criado o “dia do vizinho” – após a canicule (onda de calor) de 2003, quando 15 mil franceses morreram, muitos sem terem tido sua ausência notada.

Isso tudo me veio à tona ontem à noite quando recebi os primeiros alertas de um massacre “en cours”. Eu estava dentro de um cinema lotado, em Opéra, e não comprendia porque no meio de um “007”, considerado pela crítica “o melhor de todos os tempos”, algumas pessoas começavam a sair apressadas e luzes de celulares insistiam em pipocar ante alguns olhares de reprovação de vizinhos desconectados do mundo virtual.

Não sei como acabou o “007” do cinema, se a Léa Seydoux convenceu como a mais nova Bond girl, ou se a Monica Bellucci surpreendeu como a “mais velha”, mas, ao conseguir sair da sala do cinema e entrar no mundo real, o meu estresse subiu. Aos pés do Opéra, numa sexta-feira, 13, à noite, de uma temperatura doce para o mês de novembro, vi cafés vazios e poucos pedestres caminhando apressados e medindo o risco de seguirem viagem em metrô, a pé ou de Vélib. Optei pelo metrô, certa de que iria na direção contraria aos conflitos e estações fechadas. Vagões já vazios, olhares que falam, perguntam, querem saber… Mas um silêncio enorme. Silêncio de quem não ousa perguntar. Na estação Invalides, entram torcedores que conseguiram sair do Stade de France. Os “caras pintadas” de “bleu, blanc, rouge”, ainda carregavam uma bandeira enrolada… Crianças, jovens, pais protetores.

A cidade não acordou simplesmente porque ela não dormiu. O Bataclan contou seus mortos durante a madrugada enquanto moradores do quartier abriram suas portas e janelas para receber os desabrigados mais afortunados. A gentileza que os fez jogar pelas janelas lençóis para cobrir os mortos, vestir os vivos. Uma solidariedade que vem com a tragédia, com a ferida do outro, com a dor que poderia ser a de qualquer um de nós. Há um silêncio incomum neste sábado na cidade. Um silêncio de luto, de lealdade, de fraternidade, de comoção. Museus fechados, escolas, clubes, cinemas. Mas sinto também que o povo francês vai reagir às ameaças publicadas hoje cedo pelo Estado Islâmico num comunicado. Fico me perguntando se o EI tem assessor de imprensa, faz treinamento de crise, promove treinamento em mídia social… Hoje eles trabalham no “anúncio de resultados”…  Mas isso já é outra história.

Marlene Oliveira

Jornalista e profissional de comunicação, vive em Paris e conhece bem a ebulição do ambiente corporativo. Acredita que a queda do império romano "é pouco" perto das transformações que a sociedade está vivendo mas, otimista até a raiz dos cabelos, acredita que dias melhores virão. Inxalá!

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Um comentário em “O terror em Paris e o ‘Dia da Gentileza’

  1. Gloria Santos disse:

    Foi o dia da gentileza. O mundo inteiro parou para orar pelos franceses e pedir a PAZ. Não poderia ter sido um dia mais poderoso. E essa sensibilização ainda vai perdurar por muitos anos. Minha esperança, no entanto, é que as discussões em torno desse atentato não fiquem apenas no emocional. Precisamos sair da superfície e pesquisar melhor o que acontece no Oriente. Q que motiva essa guerra? Quem financia e treina o terrorismo? O presidente da França admitiu em agosto que enviou armas para treinamento na Síria. E o país é o maior aliado dos EUA na estratégia de financiar guerras naquela região. Os interesses nos são muitas vezes ocultos. Então, torço para que esta sexta-feira 13 seja uma poderosa semente de gentileza. E que esse silêncio das ruas de hoje em Paris não seja apenas de medo, mas sim o silêncio da reflexão. E que dessa reflexão as pessoas reajam, de fato. Que elas corram para as ruas empunhando suas bandeiras brancas pedindo o fim de tudo isso. Ninguém merece sofrer e ser atacado. Nem franceses, nem sírios, nem iraquianos…

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