O legado familiar que garante a qualidade do café sustentável no Ceará

O legado familiar que garante a qualidade do café sustentável no Ceará

As irmãs Mônica e Rita de Cássia Farias: herdeiras do manejo sustentável de produzir café. Foto Caroline Rocha

Memórias de duas irmãs narram a dedicação de uma vida inteira do pai ao cultivo que respeita as tradições da região e protege o meio ambiente

Por Caroline Rocha | ODS 11ODS 12ODS 15 • Publicada em 9 de setembro de 2024 - 18:31 • Atualizada em 16 de setembro de 2024 - 09:58

“A gente, que dormia mais perto do quarto do papai — as duas [filhas] mais novas —, escutava mamãe de noite dizer: ‘Gerardo, o que é que vai ser da gente se não chover?’. Se não chovesse não tinha café. Aí ele respondia: ‘Vamos viver o hoje. As meninas estão alimentadas, com saúde, estudando… Amanhã é outro dia’. E estamos aqui, até hoje”. Nas memórias de Mônica e Rita Farias, é possível traçar boa parte da história do café de sombra no Maciço de Baturité, mais especificamente no município de Mulungu, endereço do centenário Sítio São Roque. O patriarca, Gerardo Farias, é considerado um dos cafeicultores agroecológicos pioneiros da região e foi o primeiro presidente da Associação dos Produtores Ecológicos do Maciço de Baturité. 

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Ao longo de seus 93 anos de vida, Gerardo dedicou-se ao cultivo do café arábica à sombra das árvores ingazeiras, sustentando os sete filhos a partir dos proventos da terra. Hoje, sob a administração de Mônica, o Sítio São Roque perpetua a tradição familiar na cafeicultura, que já chega à quarta geração, produzindo a partir do terreno rico da serra cafés classificados como especiais, que priorizam a qualidade dos grãos em todo o processo, do pé à xícara.

Produzir café especial é arte de paciência e minúcias. O tempo do processo, local de armazenamento e até a forma como ele é embalado podem interferir em seu sabor e qualidade. No caso do arábica typica, variedade tradicional da região do Maciço, os grãos são colhidos apenas uma vez ao ano, em julho e agosto. ”Quando chove, aparece uma florzinha branca, que fica três ou quatro dias. A gente reza para não chover quando ela está aberta, porque se cair com chuva, o grão não nasce. Aí quando ela cai, a gente reza para chover, para o grão crescer. Passa nove meses para o grão ficar maduro. Quando ele fica madurinho, que a gente chama o café cereja, a gente colhe”, ensina Mônica. 

A colheita é manual e seletiva. Apenas os grãos maduros são retirados do pé — a partir deles que se obtém o sabor mais autêntico da bebida. Depois, são lavados e secos. A secagem é a pleno sol: os grãos são dispostos em um terreiro e é preciso mexê-los continuamente para evitar que queimem, além de monitorar sua umidade. Eles são então peneirados, para separar apenas os de tamanho ideal, e há ainda outra seleção, no qual o café é “catado” manualmente para evitar que passem grãos considerados defeituosos.

Tempo de colheita no sítio São Roque. Foto Acervo Sítio São Roque
Secagem dos grãos no sítio São Roque: parte fundamental do processo. Foto Acervo Sítio São Roque

Após a torra, a bebida precisa ser avaliada por um q-grader, espécie de provador profissional de café, que atesta sua qualidade a partir de análise sensorial na qual se identificam nuances como sabor, aroma, corpo e acidez. A partir dessa análise, é atribuída pontuação ao café, que vai de 0 a 100. Para ser especial, ele precisa atingir pelo menos 80 pontos. 

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Foram os melindres dessa produção tão específica que encantaram Francisco Uchôa, dono de outra tradicional propriedade cafeeira do Maciço de Baturité: o Sítio Águas Finas. Seu Uchôa, como é conhecido, herdou o terreno dos avós e decidiu dedicar-se ao café especial. Hoje, é uma das vozes que defendem a produção dessa bebida de alta qualidade na região, aproveitando todo o potencial e o sabor que a sombra das árvores oferece.

Especial Rota do Café: clique aqui e leia todas as matérias (Arte: Pablo Can)
Especial Rota do Café: clique aqui e leia todas as matérias (Arte: Pablo Can)

“Às vezes as pessoas pensam que por ser um café diferenciado, plantado debaixo de floresta nativa, é só plantar e deixar lá. E não é. Exige trabalho”, argumenta Seu Uchôa. “Se você botar dez xícaras de café e chegar um especialista, ele vai dizer assim: ‘esse café aqui é diferente’. Ele consegue identificar que esse nosso café é diferente porque a floresta interfere no gosto do café. Então nós temos um potencial incrível, mas tem que ter qualidade e procedimento”, defende o produtor.

Caroline Rocha

Jornalista formada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Contribuiu com veículos como Folha de S. Paulo, Jornal O Povo e Rádio Universitária FM 107,9. Defensora da comunicação como ferramenta de transformação social, busca dar sentido ao trabalho diário através de histórias que instiguem, impactem e relembrem por que escolheu viver do reportar.

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