Doria, passagens e demagogia

Promessa de congelar tarifa de ônibus está mal explicada e repleta de meias verdades

Por Agostinho Vieira | Mobilidade UrbanaODS 11ODS 16 • Publicada em 4 de outubro de 2016 - 14:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 22:56

Além de prometer congelar as passagens de ônibus, o prefeito eleito jura que os impostos e taxas não vão aumentar. Foto de Levi Bianco/Photo Press
Além de prometer congelar as passagens de ônibus, o prefeito eleito jura que os impostos e taxas não vão aumentar. Foto de Levi Bianco/Photo Press
Além de prometer congelar o preço das passagens de ônibus, o prefeito eleito jura que os impostos e taxas não vão aumentar (Foto de Levi Bianco/Photo Press)

Em uma das suas primeiras entrevistas como prefeito recém-eleito de São Paulo, o tucano João Doria Junior prometeu congelar o preço das passagens de ônibus durante todo o ano de 2017. O que o eleitor desavisado entende quando ouve uma frase como essa? Bom esse novo prefeito, hein? Corajoso, já chegou defendendo o bolso do povo e contrariando os interesses dos empresários. Só que não é bem assim. A bravata do novo alcaide não afetará em nada a vida dos donos de empresas de ônibus. E, se há alguém prejudicado nessa história, mais uma vez será o povo.

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São Paulo já é o município que mais subsidia o transporte coletivo no país. Algo em torno de R$ 2 bilhões por ano ou 30% do valor da passagem. Sem os subsídios, as passagens custariam cerca de R$ 5 e não R$ 3,80. Se o reajuste no início de 2017 for de 10%, por exemplo, será preciso retirar R$ 200 milhões de alguma outra linha do orçamento da capital.

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O motivo é bem simples. Assim como em todas as outras cidades do país, existe um contrato entre a prefeitura e as empresas de ônibus. Ele prevê reajustes anuais, sempre em janeiro de cada ano. Baseado em critérios como a variação da inflação, o reajuste dos motoristas, o preço do diesel e o custo dos chassis. Não há como fugir disso, como bem sabe o empresário João e o jornalista Doria. Só que nenhum dos dois falou sobre isso. Descumprir os contratos pode sair muito mais caro. Quer dizer, então, que o novo prefeito já chegou mentindo?  Não necessariamente.

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O preço das passagens até pode ser congelado, mas os empresários não vão abrir mão de receber o que foi contratado. Logo, como não existe mágica, o dinheiro terá que sair de algum lugar. Na verdade, o que o Doria fará é exatamente a mesma coisa que o seu adversário na campanha –  o prefeito petista Fernando Haddad – fez nos últimos quatro anos: aumentar os subsídios. Dito de outra maneira, o valor terá que sair da educação, da saúde, da limpeza urbana ou de outro lugar qualquer. Até porque o novo prefeito também assegura que não aumentará as taxas e nem os impostos. Só o que subirá na cidade é a velocidade dos carros.

São Paulo já é o município que mais subsidia o transporte coletivo no país. Algo em torno de R$ 2 bilhões por ano ou 30% do valor da passagem. Sem os subsídios, as passagens custariam cerca de R$ 5 e não R$ 3,80. Se o reajuste no início de 2017 for de 10%, por exemplo, será preciso retirar R$ 200 milhões de alguma outra linha do orçamento da capital. Só que em tempos de eleição, nervos acirrados e zero bom-senso, nada disso pode ser dito e muito menos discutido claramente.

O problema é que estamos – inclusive os jornalistas – fazendo, há anos, as perguntas erradas. Precisamos saber, antes de mais nada, que nível de serviço ou padrão de qualidade terão os transportes nas nossas cidades. Feito isso, vem a questão que rege a vida na Terra: quem vai pagar a conta? Um levantamento feito em 22 cidades da Europa mostrou que o passageiro jamais paga o preço cheio da passagem. O desembolso vai de 26% do total, em Praga, até 72%, em Cádiz, na Espanha. Ou seja, se o transporte ideal, aquele seguro, confortável e limpo, custasse hipotéticos R$ 6,00, o passageiro de Praga pagaria R$ 1,56 e o de Cádiz, R$ 4,32.

Existem várias formas de fazer essa conta. As mais clássicas dividem a fatura em 4 partes: o passageiro paga 25%, a prefeitura paga 25%, por meio dos subsídios, as empresas públicas e privadas pagam 25%, e os motoristas de carro pagam 25%, via taxas ou impostos como a Cide (Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico).  Injusto? Claro que não. As empresas precisam que os seus funcionários cheguem no horário, descansados e prontos para trabalhar. Logo, deveriam incentivar o transporte de massa. Os carros são bens privados que ocupam e engarrafam indevidamente espaços que deveriam ser públicos e usados, prioritariamente, por trens, metrôs, ônibus, bicicletas e pedestres. Aliás, cobrar mais pelos estacionamentos também é uma boa saída.

Um estudo do Ipea mostra que, em dez anos, as tarifas subiram 192%, contra uma inflação de 125%. Ficaram mais caras por conta dos salários dos rodoviários, do preço do diesel e, principalmente, devido à redução no número de passageiros. A classe média, incentivada pelo IPI baixo, foi andar de carro. A omissão dos governos turbinou as vans, operadas, boa parte das vezes, por milicianos. Um terceiro grupo, dos mais pobres, parou de andar de ônibus. Não tem dinheiro sequer para pagar a passagem.

Há quem diga que o problema é da ganância dos empresários de ônibus. Certamente eles têm uma boa parcela da culpa. A história mostra que falta transparência e sobram denúncias de negócios pouco ortodoxos. No entanto, eles possuem uma concessão, um contrato para prestar um serviço, que tem data para começar e terminar. Podem ser substituídos, é claro. A questão é que se tirarem o empresário X ou Y e puserem o Obama, a Merkel ou Doria, ainda assim haverá um serviço a ser prestado, com um determinado nível de qualidade e uma conta para ser paga. Simples assim. Sem demagogia.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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